12 de mai. de 2016

Flávio Dino fala sobre a política nacional pós-impeachment

Foto Joaquim Dantas/Arquivo
Para governador aliado de Dilma, PT perdeu 'energia vital' para liderar sozinho recomposição da esquerda

Mariana Schreiber

Na linha de frente da defesa da presidente Dilma Rousseff, o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), disse que o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao dar encaminhamento ao trâmite do impeachment, optou pelo caminho mais "fácil" de seguir a decisão da maioria, "independentemente das regras" do Estado de Direito.

Em entrevista à BBC Brasil, Dino atacou a decisão de Calheiros de não aceitar a anulação da votação da Câmara sobre o impeachment, anunciada pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão na segunda-feira, mas revogada pelo mesmo no mesmo dia.

"Renan fez uma opção que está na moda, de seguir a vontade da maioria qualquer que seja ela. É isso que está presidindo esse processo insensato desse suposto impeachment. A questão de fundo é essa: a maioria, num Estado de Direito, pode fazer o que quiser, independentemente das regras?", argumentou.

"Acho até que talvez a convicção dele fosse outra, mas preferiu aderir à maioria. Fazer parte dessa marcha da insensatez é mais fácil do que tentar contê-la", acrescentou.

Para o governador, o caso sobre o impeachment deve ser levado mais à frente à Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois aquele tribunal já tem decisões nessa linha.

Questionado sobre o futuro da esquerda no Brasil, Dino disse que será papel desse grupo continuar defendendo o mandato da presidente e os direitos sociais e trabalhistas.

Além disso, defendeu a criação de um novo partido político que funcione como uma frente ampla de esquerda, que agregaria partidos como PT, PCdoB e eventualmente também PDT e PSOL, além de movimentos sociais. No entanto, cada grupo continuaria existindo com autonomia de organização interna.

Para Dino, o PT perdeu "energia vital" para sozinho liderar a recomposição no campo político da esquerda. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil: Como recebeu a decisão de Waldir Maranhão de recuar da anulação? O que motivou esse recuo?
Flavio Dino: Muito certamente a decisão do Renan de seguir o processo e a pressão que ele sofreu do partido dele (PP), muito intensa. Aí foi uma avaliação dele, da qual discordo, mas respeito, de que ele não tinha condição de sustentar a decisão.

Ele me comunicou, e eu disse que discordava, mas respeitava a decisão dele. Certamente, se o Renan tivesse decidido de outro modo, acho que ele iria manter a decisão.

BBC Brasil: E qual sua avaliação sobre a decisão de Renan de ignorar a decisão de Maranhão?
Dino: O Renan fez uma opção que está na moda de seguir a vontade da maioria qualquer que seja ela. É isso que está presidindo esse processo insensato desse suposto impeachment. A questão de fundo é essa: a maioria, num Estado de Direito, pode fazer o que quiser, independentemente das regras?

A resposta até agora tem sido sim, a maioria pode fazer o que quiser. O Renan seguiu nessa linha. 
Acho até que talvez a convicção dele fosse outra, mas preferiu aderir à maioria. Até porque se opor à maioria não é o mais cômodo. Fazer parte dessa marcha da insensatez é mais fácil do que tentar contê-la.

BBC Brasil: Quais devem ser os próximos passos do governo? Pode recorrer ao STF sobre o encaminhamento dos votos ou mais alguma questão?
Dino: Essa questão é muito consistente, porque você tem dois precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em casos similares. Acho que ela não só pode, como deve questionar isso (o encaminhamento dos votos) inicialmente e aguardar o julgamento do Senado para depois decidir, mais adiante, entrar com outra ação discutindo vários aspectos, como por exemplo a flagrante inexistência de motivos para o processo de impeachment.

BBC Brasil: Após a decisão de dezembro, o STF tem se mostrado pouco inclinado a intervir no andamento do impeachment. Não parece difícil uma vitória no STF?
Dino: Na verdade, quando foi ocorrer a votação na Câmara, houve uma das ações propostas pelo Zé Eduardo (José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, reponsável pela defesa de Dilma) que chegou a ter placar de cinco a cinco no Supremo (o questionamento sobre a ordem de votação estabelecida por Eduardo Cunha). Isso mostra que ainda há sim um certo espaço no Supremo.

E há esse elemento novo da Corte porque a Corte Interamericana é um tribunal brasileiro. Muita gente diz, "ah é um tribunal internacional". Não, é um tribunal brasileiro. Na medida em que o Brasil aderiu aos tratados internacionais que regulamentam a Corte, ela está incorporada ao ordenamento jurídico nacional, suas decisões têm caráter vinculante e obrigatório.

Se o Supremo eventualmente disser que não é com ele (não quiser intervir em decisão do Congresso), o que parece ser a linha de alguns (ministros), isso fortalece ainda mais a tese de ir à Corte Interamericana porque você terá um vazio, quer dizer o tribunal supremo do país disse que não é com ele. Então isso fortalece a atuação da Corte Interamericana. Acho que é um recurso sem dúvida extremo, mas é um caminho digamos natural, diante dessas controvérsias.

BBC Brasil: E um recurso à Corte pode ser algo rápido? Se demorar, fica mais difícil reverter um eventual impeachment?
Dino: Provavelmente a dificuldade que se coloca é exatamente essa. Porque (para ser mais rápido) a tramitação na Corte teria que ser concomitante à tramitação no Senado. Enquanto eu acho que seria melhor antes se fazer o debate no Senado.

Então provavelmente a decisão da Corte seria bem posterior ao julgamento do Senado. O que é um complicador, mas não é um impeditivo absoluto. Até porque, nos precedentes que há, a Corte anulou os impeachments de juízes (no Peru e Equador).

BBC Brasil: Há controvérsia se as pedaladas são crime de responsabilidade, mas concretamente isso gerou um rombo nas contas públicas. Não vale uma autocrítica aí? Não faltou responsabilidade fiscal do governo Dilma?
Dino: Acho que esse é um debate que não é jurídico, é político. Você pode gostar ou não de determinada política econômica. O que você não pode é dizer que uma determinada política econômica configura crime de responsabilidade. Isso é um absurdo.

Essa é uma primeira questão. A segunda: acho que a política econômica que foi feita atendeu a uma certa expectativa de retomada de crescimento que levaria a que esse rombo deixasse de existir. Essa retomada não ocorreu. Porque houve uma movimentação de reduções tributárias, mais redução da taxa de juros, e supostamente a soma dessas medidas contracíclicas levaria a investimentos privados e, com isso, você teria o crescimento da economia, que garantiria o fechamento da equação fiscal.

Não houve o crescimento, e isso gerou o desequilíbrio. Eu te diria assim: foi uma aposta que não se confirmou, mas quantas vezes isso já não ocorreu na história brasileira, quantas vezes políticas econômicas foram tentadas e depois se revelaram equivocadas? É o primeiro caso na história brasileira em que alguém vai ser punido como se tivesse praticado um crime por uma circunstância normal, que já aconteceu com tantos planos e políticas econômicas ao longo da história. Isso dá pra citar desde o encilhamento de Rui Barbosa, ao suposto milagre econômico dos anos 70, até os planos heterodoxos dos anos 80, Cruzado e outros tantos.

Então, a Dilma não é a primeira a tentar algo que depois você tem que corrigir. O problema é que não estão dando tempo (para que ela possa reverter).

BBC Brasil: Hoje o cenário mais provável é de interrupção do governo petista, com chances pequenas de retorno de Dilma. Qual o papel da esquerda nessa nova conjuntura?
Dino: Primeiro, continuar essa luta em defesa da ordem constitucional, da autoridade da Constituição. Acho que isso é um dever, a esquerda tem que continuar defendendo o mandato da Dilma em todas as instâncias possíveis. Em segundo lugar, deve ser uma atitude de defesa dos direitos sociais, dos direitos dos trabalhadores. E terceiro é preciso fazer um movimento de revisão organizativa.

É o momento de, por exemplo, debater se não é o caso de uma saída meio uruguaia ou chilena, de uma frente ampla institucional com todos os segmentos progressistas, em que você tem a incorporação de partidos, mas também de movimento sociais, para recompor uma nova expressão institucional para a esquerda. Acho que é uma tese que deve ser debatida.

É uma frente ampla em que você reuniria o PT, PCdoB, eventualmente o PDT, acho que o PSOL poderia ser convidado para isso, e os movimentos sociais. Acho que a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo são bons embriões dessa nova organicidade da esquerda, porque acho que o PT perdeu energia vital para sozinho liderar a recomposição do nosso campo político.

BBC Brasil: Mas na prática como isso funciona?
Dino: Você cria um partido novo, com uma expressão jurídica própria, autônoma, e dentro você mantém a liberdade organizativa.

BBC Brasil: Então haveria uma nova legenda guarda-chuva?
Dino: Isso, exatamente. É uma frente política mesmo, como a Frente Ampla (uruguaia), como foi feito na Itália também, a frente Ulivo, a Concertación (chilena). Não é uma forma nova. É uma saída, quando você está numa conjuntura de revisão histórica. Me parece adequado fazer uma nova institucionalidade, que seria em termos práticos isso: nós teríamos uma legenda, que vai disputar as eleições com uma agenda comum, mas cada partido mantém a sua agenda histórica. Você mantém isso mais no plano interno e tem uma frente que disputa eleições.

BBC Brasil: Isso ainda é muito embrionário?
Dino: Sim. É a tese de poucos hoje, pois nem é ainda o debate atual. Quando eventualmente se confirmar esse desfecho indesejável (de impeachment da Dilma), esse debate vai ganhar uma maior expressão, com certeza.

BBC Brasil: E para concorrer à Presidência? O nome principal continua sendo o Lula para 2018?
Dino: O Lula é o candidato mais forte, sem dúvida, indiscutivelmente, pela enorme força popular que ele possui. Agora, tem muitos "ses" no meio do caminho, a começar pelo primeiro "se", que é se ele próprio deseja. É uma questão que vai ser respondida mais adiante. E hoje nós temos dois nomes que merecem toda atenção, um é o próprio Lula e outro é o Ciro (Gomes, hoje no PDT).

BBC Brasil: O senhor vê força do Ciro Gomes para aglutinar a esquerda?
Dino: Acho que ele tem legitimidade para isso. Um quadro preparado, tem muita experiência administrativa. Governou o Estado (do Ceará), foi ministro da Fazenda, foi prefeito de uma grande cidade (Fortaleza). Tem boas formulações sobre o Brasil. Acho que é um cara muito preparado. Não sendo o Lula, acho que ele seria um nome natural.

BBC Brasil: Algumas pessoas falam no prefeito de São Paulo, Fernando Haddad?
Dino: O Haddad teria que partir de uma premissa, que ele vença a eleição para (se reeleger neste ano) prefeito de São Paulo. Se ele vencer, sem dúvida ele passa a ser um nome também.

Um outro "se" é a possibilidade de Lula ser condenado. Com o impeachment de Dilma, pode ser que o caso dele retorne para a vara de Sergio Moro.

É sem dúvida uma questão relevante que vai se colocar mais adiante.

BBC Brasil: O senhor e José Sarney, presidente de honra do PMDB, são profundos opositores. O senhor vai dialogar com um eventual governo Temer?
Dino: Há uma questão conceitual: um governo estadual não pode ser ele próprio oposição ao governo federal. Isso é impossível no sistema constitucional. Primeira questão, governo do Estado do Maranhão vai dialogar com o governo federal? Sim, claro, em todos os momentos. Até porque eu fui eleito para isso, tenho legitimidade, direito e dever de fazê-lo.

Em segundo lugar, isso altera minha visão política ideológica? Claro que não, é pública, notória e continua. Vai ser expressada em todos os momentos que eu discordar, como ator político, representante de uma corrente partidária, de uma determinada decisão.

Na minha cabeça, isso é muito claro. Um coisa é o diálogo institucional, administrativo, a outra é, bom, politicamente vou me alinhar com um governo com o qual eu não concordo? Claro que não.

BBC Brasil: Mas o senhor espera a possibilidade de um bom diálogo institucional?
Dino: Acho que sim, porque o nosso governo é sério, responsável, transparente, respeitado. Nós temos apoio popular, nós vencemos as eleições, são sete milhões de brasileiros, não vejo como isso será ignorado.

BBC Brasil: O colunista Fernando Rodrigues diz que Waldir Maranhão votou contra o impeachment em troca do seu apoio para concorrer ao Senado. Isso procede?
Dino: Não. Na verdade o Waldir tem externado o desejo de ser senador como tantos do nosso lado. Há uns quatro ou cinco políticos, deputados, que me apoiaram e querem ser senadores, o que é um bom sinal. O Waldir é um deles. É uma pessoa importante, preside atualmente a Câmara. Sem dúvida ele é uma cara importante. Mas acordo mesmo é claro que não houve.

BBC Brasil: E como foi a conversa com ele antes dessa decisão de anular a votação do impeachment?
Dino: Ele me ligou dizendo que tinha sido procurado pelo Zé Eduardo Cardozo, com a questão de um recurso, que a AGU tinha proposto. Perguntou se eu podia vir a Brasília, eu disse que não podia, porque tinha sábado inauguração de obra no interior do Maranhão.

Então ele veio sábado à noite, jantou comigo aqui, me mostrou o recurso, dei minha opinião de que o recurso era procedente. Ele me perguntou se eu podia ir à Brasília com ele, numa reunião com o (deputado e vice-líder do governo) Silvio Costa e outros parlamentares. Fui e participei do jantar. Minha posição foi de conselheiro, digamos assim, de consultor jurídico gratuito. E eu faço isso há muito tempo.

BBC Brasil: E houve encontro entre você, Maranhão e Cardozo?
Dino: Nós tivemos domingo à noite na casa do Silvio Costa. O Zé Eduardo foi chamado no final da conversa.

BBC Brasil: Não pode parecer estranho que o presidente da Câmara tome uma decisão favorável ao governo um dia após se reunir com o Cardozo?
Dino: Não porque o Cardozo era o autor do recurso e ele é o advogado-geral da União. É um recurso administrativo em que não há uma outra parte. Ele não ouviu só a mim e ao Cardozo, ouviu outros parlamentares, muita gente.

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