15 de nov. de 2016

República dos Ratos

Aos que preparam dias novos

Minha pátria é a dos extremos,
Onde me redijo impotência para mudar.

Sou da pátria de muitas fronteiras,
Onde se convive apartado,
Embora fisicamente juntos.

Minha pátria é imensa e nela tudo cabe,
Multicolorido caleidoscópio
De pessoas e paisagens
Alternando-se em minhas retinas.

Pátria de gente rotulada e à mostra,
Circulando nas ruas e praias,
Como mercadorias expostas
Nas gôndolas dos mercados,
Prontas para o consumo.

Pátria de compulsórios doadores
E ocasionais e poucos receptores
Estabelecendo a lógica do existir,
Terra de poucos príncipes e reis
E de quase todos súditos
Sustentando a corte imperial e antiga.

Pátria de cortiços e senzalas,
De favelas e palafitas, das casas de sapê,
Equilibrando-se nas encostas
Ou boiando nos alagados,
Entre balas perdidas por matadores
E mortes encontradas, sem culpas.

Pátria dos latifúndios, das mansões
E palácios, das intermináveis filas,
Onde se morre na porta do hospital,
Entre micróbios e descaso, a omissão
Como critério seletivo do continuar.

Minha pátria é onde a lei e as penas
São moedas de troca, onde o ladrão,
Incensado pelos louros dos poderes,
Julga e pune a honestidade e o justo.

Pátria dos tributos e tribunos,
Das crianças de dentes cariados,
Sonhando Disneylândias e comida,
Onde a lua, generosa fêmea cósmica,
Se exibe refletida no mar, alheia
Ao drama pátrio no palco dos dias.

Minha pátria se alterna, submissa,
Entre eleições e golpes, escrutínios 
E imposições de tiranos de plantão,
Entre apupos e aplausos, passeatas
Temperadas com spray de pimenta,
Cassetetes e lacrimogênicas raivas.

Minha pátria é onde se arvoram grandes
Os homens que se sabem pequenos
Porque miúdas almas de aluguel,
Servindo a senhorios no exterior,
Onde se morre de miséria e carência
Em minas de ouro e lagos de petróleo.

Minha pátria é o paraíso do perdulário,
Do especulador, do argentário,
Do empedernido corrupto
Locupletando-se no alheio,
Subtraindo sorrisos
E multiplicando carências.

Minha pátria é a das moças baldias
E dos meninos ocupados em vê-las
Nuas, vestidas apenas do improvável
Que as envolve nas calçadas, quentes
Como os seus desejados corpos.

Minha pátria é feita de calos, suor,
Cansaço, diarréias e hemorragias,
De homens automáticos e previsíveis
Curvados a capatazes e feitores,
Comprando milagres nas igrejas
Ou em terapia no televisor.

Minha pátria blinda-se em música,
Onde se dança o desespero
E lamuria em versos a dor de todos.

Inocente e dividida, a minha pátria
Não sabe que dividida espera
Dias novos e novas estações.

Minha pátria é um rastilho de pólvora,
Esperando apenas quem o acenda,
Como prenúncio de grande explosão
Reinaugurando-a pátria nova, 
Coisa nova e de todos,
Onde em confortáveis escolas
As crianças atentas e concentradas,
Bem vestidas e alimentadas,
Ouçam os professores de História
Explicando o que foi um dia
Uma República de Ratos.

Francisco Costa
Rio, 15/11/2016

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