17 de mai. de 2012

Emocionante aboio de Sérgio Ricardo


Foto da Internet

ARTE OU DESARTE, EIS A QUESTÃO.

Subo na porteira de meus oitenta anos, vindo da
nação vivida ao longo da estrada à minhas
costas, para aboiar minha soltura pelo atalho
que me resta. Honrado e gratificado com o 
carinho que tenho recebido de todos pelo 
caminho, colho do braseiro algumas 
considerações a respeito dos entraves que vejo 
poluir o universo de nossa cultura 
embarreirando a atividade participativa de
nossos verdadeiros talentos, esperançado em
não malhar em ferro frio. 
Aprendi que a arte é a principal presença 
exigida em toda e qualquer habilidade intrínseca
de cada ser, na construção da evolução da 
espécie. Desde aquela arte que vence guerras 
sem derramamento de sangue, às artes 
científicas nas investidas espaciais ou cura do 
câncer, ou das mãos femininas numa singela 
arrumação de flores, até a arte de uma 
presidente ao assinar a instalação da "Comissão 
Da Verdade". Assim como aquela arte que 
conduz o pincel de um Portinari, ou ergue o 
brado de um Ulisses Guimarães, as defesas 
de um Sobral Pinto, a voz de uma Elis, o 
comando de ação de um Glauber, ou na voz de 
um poeta de feira a improvisar sua cantoria 
ausente dos registros, mas que se crava no 
inconsciente coletivo. Também a arte do 
professor, do pedreiro, e das infinitas ocupações
dos que se dedicam à arte do labor pelo bem 
de todos. Não aquela que se cinge no lombo da
boiada a desembestar pelas concessões, 
distorções de conteúdo, ou modismos 
passageiros para enriquecer o fazendeiro da 
egocêntrica ambição de poderes na vasta 
plantação das desigualdades, em guerras 
sangrentas, na construção da miséria da grande 
maioria da humanidade, utilizando-se do espaço
da arte verdadeira para impor a sua "desarte" e
iludir e desiludir os incautos. O "desartista", 
encontrado em abundância em todas as áreas 
do planeta 
Sob este teto generoso de nosso país, que 
abrigou no passado tão inspirada e eloqüente 
criatividade, à qual devemos o respeito pela 
histórica contribuição em variadas áreas, ao 
revelar a grandeza emanada de nosso povo 
como matéria prima de um produto cultural de 
grande abrangência, admirada e cultuada por 
outros povos, venho lembra-los do temporal que
se desaba sobre ela, face à inversão cruel de 
valores, atavismo resultante de nosso complexo 
de povo colonizado, atingindo hoje o maior grau
da escala. 
A ausência da arte a que me refiro, está 
provocando um retrocesso de nosso 
pensamento, passando como um trator a 
esmagar valores herdados do empenho de 
inspirados criadores, desbravadores de um 
caminho esculpido em duras pedras, sob o cinzel
de grandes artistas revelando o espirito de nossa
gente. Do fundo de meu desconforto colho uma
pergunta às instituições: não poderiam elas 
aceitar, a exemplo de Dilma, o desafio de uma 
mobilização efetiva e afetiva, em mutirão com as
frentes voltadas à retomada da dignidade 
exigida, para que unidos pudéssemos recolocar
a locomotiva nos trilhos, arrastando os 
numerosos vagões de nossa arte, carregados de
nossos valores, varando estradas a desovar em
cada brasileiro o verdadeiro alimento de sua 
cidadania? 
Acuados e apáticos diante dos obstáculos que o 
sistema nos impinge, a cada recuo, vamos 
chegando à beira do precipício de nossa 
personalidade criativa, prestes a nos atirar no
limbo de uma nação sem espírito. Por mais que 
estatutos ou normas impeçam cada entidade de
se manifestar, creio que é chegada a hora da 
superação formal, para uma ação conjunta que 
venha restituir, a exemplo da integridade de 
nossos ancestrais, a dignidade de nosso povo, e
recriar o verdadeiro caráter de nossa 
inventividade, abrindo uma picada na selva 
dessa mediocridade que se alastrou. Ha um nó
estancado no ar, ha muito tempo. Não estará 
na hora de desata-lo? Não nos falta a arte 
necessária para tecer a urdidura de uma 
solução. 
Sem que minha sugestão resvale nalguma 
suposta crítica à atuação dessa ou daquela
entidade voltada, de uma ou outra forma, para
o envolvimento com o tema exposto, venho 
sugerir a seus cidadãos criadores, com poderes
de transformação, a busca de um engajamento
no processo político-cultural, atendendo ao 
chamamento de nosso dom agonizante, antes 
que a indiferença venha a se tornar a causa 
mortis da alma brasileira. Ha um sorrateiro 
objetivo neste sentido, advindo, seja do sistema 
a permitir a invasão e imposição de culturas 
externas com seus tentáculos e a ganância pela
conquista de nosso mercado, de nosso 
território, visando sobre tudo o lucro; seja pela 
insensibilidade da maioria dos governantes, 
muitos dos quais aptos à subserviência, outros 
por despreparo ou desatentos aos perigos dessa 
corrosão de nossa identidade; seja, ainda, pela 
ignorância de adeptos da balela da globalização, 
enlatando conceitos, formas, estética, 
conteúdos, etc. ignorando as ricas 
particularidades de nossa nação, favorecendo as
sub-reptícias intenções de um sistema 
agonizante, deteriorando-se a olhos vistos. É 
como se a natureza estipulasse, de repente, que
o único pássaro permitido no espaço fosse o 
morcego, para que tivéssemos que passar a vida 
a contemplar suas vampirescas revoadas. 

Remanescente dos anos de chumbo, provei do 
amor por uma causa junto a uma multidão de 
iguais, e dela nunca me arrependi, mesmo tendo
mergulhado no ostracismo por anos a fio. Nada 
superou aquela entrega. O mérito não me 
pertenceu. Atrelei-me à opção feita pela união e 
fé de muitos, o que me proporcionou a profunda
felicidade de identificar-me com algo maior e 
abrangente, enlaçado a outros seres num 
mesmo propósito. Esta felicidade não tem preço.
Pagou-se caro, é verdade. Torturas, prisões, 
exílios, etc., mas mesmo assim não me deparei
com nenhum arrependido. Pois bem. Era uma 
tentativa de mudança do regime, do fim da 
miséria e das desigualdades. Barra difícil de 
Segurar. Nada comparável com à singeleza da
proposta aqui sugerida. Entregar-se à salvação
de nossa arte? Não serão preciso canhões para
impedir. Ao contrário. Neste mutirão cabe a 
participação de qualquer seguimento da 
sociedade, principalmente do governo. 
É só a arte de nosso amor entregue à 
transformação. Uma lista interminável de nossos
ancestrais está por aí, renascente, espalhada 
entre a juventude contemporânea, amargando 
pelos cantos sua marginalização, a espera de 
uma chance que lhes renda, se não a glória 
merecida por sua contribuição, pelo menos um 
mercado de trabalho para a sobrevivência de 
sua arte. Estamos deixando escapar por entre os
dedos de nossa indiferença um rio caudaloso de
talentos que poderia estar desaguando na 
evolução de nosso pensamento, represando a
imagem de um país respeitável, não tão 
somente por nosso futebol ou nosso carnaval. 
Ou por meia dúzia de valores remanescentes de 
um breve momento interrompido, que, com 
raras exceções, se acomodaram na ausência de 
concorrência, como se fossem a derradeira 
safra, a desfrutar de uma gloria intocável e 
comprometida, amparados pelos jabás do 
sistema. 
Nossa diversidade artística é tão importante 
quanto a nossa fauna ou flora e não precisamos
de revoada de morcegos para colorir nosso 
espaço. Temos uma profusão de aves em bando 
para embelezar nossa paisagem. É só abrir as 
gaiolas e acabar com esta degradante cena 
diária de mãos estendidas entre grades, para a 
esmola de uma chance de devolver à nação sua 
própria alma. Se cada qual empenhar sua força 
criadora, a exemplo da recente reação 
deflagrada pela arte dos comandantes da CPI do
direito autoral e da justiça, na condenação dos
algozes em nosso caminho, é de se esperar o 
afunilamento de uma solução, atendendo aos 
reclamos de uma mirrada camada desperta de 
resistentes. Oxalá!!! Somemo-nos, pois. 
A solução, cedo ou tarde, terá que brotar do 
somatório de um entendimento geral, sob pena, 
pelo tempo que corre, de passarmos para a 
historia como uma geração estéril, para o 
desapontamento de nossos descendentes ao 
nosso legado.
Termino meu aboio, descendo da porteira dos 
meus oitentinha, retomando a estrada que me 
resta no lombo desse jegue, enxada às costas, 
para ir semeando beijos aos verdadeiros artistas
brasileiros que me passaram esta lição, 
apoiando uma campanha imediata de 
reconhecimento à arte política de um gesto que
passa para a história do país:
"UM BEIJO PARA DILMA!!!"

Sergio Ricardo 
Sérgio Ricardo, nome artístico de João Lutfi, (Marília, 18 de junho de 1932) é um cantor e compositor brasileiro.
Descendente de família libanesa, em 1940, aos 8 anos, foi matriculado no Conservatório de Música de Marília para estudar piano e teoria musical; mudou-se para São Paulo e foi locutor da rádio Cultura em São Vicente, litoral do estado.
Ao mudar para o Rio de Janeiro em 1952 conseguiu emprego como técnico de som e pianista, substituindo Tom Jobim. Familiarizado com a cidade, que foi o berço da bossa nova, passou a fazer parte do o primeiro núcleo de compositores desse movimento musical. Lançou no começo dos anos 60 os LPs Não Gosto Mais de Mim e A Bossa Romântica de Sérgio Ricardo.
Participou do Festival de Música Popular Brasileira transmitido pela TV Record, quando, num momento antológico, foi vaiado pelo público ao cantar Beto bom de bola, e nervoso, quebrou o violão e atirou-o contra a plateia.
Incentivado por Carlos Lyra, passou a inteirar-se de problemas políticos e sociais, o que o levou a compor canções retratando esses temas. Compôs o romance violado que originou a trilha e narração do filme Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha.

2 comentários:

Ton disse...

SINTO-ME LISONJEADO POR VOSSA SENHORIA EXISTIR, INDEPENDENTE DE QUALQUER TIPO DE VAIDADE HUMANA! OBRIGADO FUNDADOR POR ESTAR ENTRE NÓS!
VIDA LONGA MEU VELHO!NÃO SABIA QUE UMA SIMPLES HOMENAGEM AO NOSSO QUERIDO TIM MAIS IRIA TE INCOMODAR!ABRAÇO!

Blog do Arretadinho disse...

Prezado Chalinho, confesso que não entendí seu comentário. De qualquer forma muito obrigado pela visita. Volte sempre.
Abração