24 de fev. de 2013

Lembrando do "Pessoal do ceará" - 40 anos.


PESSOAL DO CEARÁ
´As coisas vêm de lá, eu mesmo vou buscar´

Por Diáriodonordeste

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER
Belchior: canções, no início da carreira,
gravadas por Elis e Simonal
FOTO: GUSTAVO PELLIZZON (05/09/2005)
Diante da centralização da indústria fonográfica no eixo Rio-São Paulo, os músicos deixaram o Estado nos anos 70


Retornar em vídeo tapes e revistas supercoloridas... Nos versos de "Carneiro", Ednardo e Augusto Pontes são precisos em traduzir o espírito migrante que moveu a turma de artistas cearenses e fez com que, planejadamente ou não, no início da década de 70, boa parte do "Pessoal do Ceará" estivesse entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Nessa leva estavam Belchior, Fagner, Rodger, Teti e Ednardo, entre os intérpretes; os compositores Augusto Pontes e Fausto Nilo (que na época ainda não havia escrito a sua primeira letra, mas pertencia ao grupo); e ainda instrumentistas como Cirino, Edson Távora, Manassés.
"No Bar do Anísio, começou-se a discutir essa história. ´Vamos fazer o que? Vamos ser nacionais, vamos ser cantores?´. Ai surge um projeto liderado por Belchior, junto de Fagner, Cirino e Jorge Melo. A ideia dessa turma era ir para o Rio de Janeiro", lembra Fausto Nilo. Já em 1970, Rodger fazia mestrado em Física, em Brasília, acompanhado por Téti. Fausto Nilo lecionava na Universidade de Brasília, onde Fagner tentava vestibular para arquitetura.


Conquistas
Ednardo se destacou, em São Paulo, trabalhando ao lado de Rodger Rogério e Téti: depois do disco coletivo emplacou uma carreira solo repleta de hits
"O Belchior ganhou, em 1971, o IV Festival Universitário da MPB, no Rio. Ai alvoroçou todo mundo. Todo mundo viu que poderia acontecer. Não era um sonho impossível. O Fausto foi de Brasília para o Rio, na época, e passou bem uns 15 dias. Eu estava dando aula, não pude ir, mas fiquei louco para estar por lá", lembra Rodger. A canção premiada de Belchior, "Na Hora do Almoço", tinha sido cantada Jorge Mello e Jorge Teles. "A gente achava que aquela seria a grande oportunidade para todo mundo. Mas não aconteceu. O Belchior ganhou o festival, mas não rolou nada. Só que dali a turma começou a se espalhar", conta Fausto.
De fato, 1971 foi um ano bom para os cearenses. Em Brasília, Fagner ganhou nada menos que cinco prêmios no Festival de Música Jovem da UnB, com a canção "Mucuripe", escrita por ele em parceria com Belchior, e duas parcerias com Ricardo Bezerra, "Manera Fru Fru Manera" e "Cavalo Ferro".
"Antes, nossas músicas eram uma coisa muito fechada, ficavam só entre a gente. Esse festival teve repercussão no Rio de Janeiro, foi coberto pelo jornal O Globo. Em Brasília, fiquei logo muito conhecido na universidade. Foi um prêmio muito generoso. Para mim, foi o que me motivou a largar a faculdade. As pessoas me deram muita corda para ir para o Rio. Meu lugar era lá", comenta Fagner sobre a importância da premiação em sua trajetória artística.

Discos
Ainda em 1971, Belchior grava o primeiro compacto, com "Na Hora do Almoço", pela Copacabana, e Fagner com Cirino, um compacto duplo com as músicas "A nova conquista" (Fagner e Ricardo Bezerra) e "Copa luz" (Cirino e Sérgio Costa). O ano 1972 também foi generoso com a turma: o Quarteto em Cy registrou "Cavalo Ferro". Wilson Simonal gravou "Noves Fora" e Elis Regina incluiu em seu LP "Mucuripe", ambas de Fagner e Belchior. Fagner, já no Rio de Janeiro, teve uma canção lançada no "Disco de Bolso 2", do jornal Pasquim. Era sua versão de "Mucuripe", acompanhado por Ivan Lins. A Philips lança, na sequência, o compacto duplo com "Fim do Mundo" (Fagner e Fausto Nilo) e "Cavalo Ferro". É o começo também da carreira de letrista de Fausto.
"O Fagner queria levar músicas novas para o Rio e pedia muitas letras aos letristas e o pessoal não fazia. Até que chegou para mim: ´tu podia fazer uma letra´. E passei a ser letrista dessa maneira, com ´Fim do Mundo´, que foi gravada pela Maria Medalha. ´Dorothy Lamour´ veio logo em seguida. Já fiz na mesma fornada e mandei, por carta, para o Petrúcio Maia", lembra o arquiteto cearense.
Entre São Paulo e o Rio de Janeiro, passam a circular, além deles, nomes como Ednardo e Amelinha (que estudava Comunicação e só passaria a cantar e gravar na segunda metade da década de 1970). "O Ednardo e o Belchior foram para São Paulo. O Fagner ficou no Rio. Lá, ele ficou amigo do Chico Buarque, da Nara Leão. Formou-se um núcleo carioca e um paulista, digamos assim. No Rio, eram, praticamente, só o Fagner e o Cirino, que também depois foi para São Paulo", conta Fausto Nilo.
Das articulações de cada um, surgiram os primeiros long-plays, "Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem" (1973), reunindo Ednardo, Téti e Rodger; "O Último Pau de Arara ou Manera Fru Fru Manera" (1973), de Fagner. Belchior lança o seu "Mote e Glosa", pela Continental só no ano seguinte.
"Isso é o que lança o nome do Ceará no centro de emanação da cultura brasileira que era o Rio e São Paulo. Essa hierarquia, que ainda hoje existe, naquela época era muito mais forte. As gravadoras estavam lá e quem quisesse gravar tinha que ir para lá. Conseguir chegar e gravar, mudando o que deve ser mudado, na academia é como terminar um doutorado ou um pós-doutorado. É o principal documento de afirmação de um artista no cenário nacional", amarra o pesquisador Pedro Rogério sobre a investida e a realização que se configurava.


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