8 de jan. de 2015

A pureza partidária dos partidos de esquerda

Leio uma crítica ácida ao PCdoB vinda de um hipotético defensor da pureza partidária dos partidos de esquerda. 
A coisa foi nesse tom: "vejam esse PCdoB, que diz que é comunista mas que aceita filiar qualquer um, pagodeiros, ex atletas e inúmeras pessoas que podem ser tudo, menos comunistas. Como pode um partido assim se dizer comunista?" Vale umas reflexões, não é mesmo?

por Altair Freitas

1) Gostaria de saber como é que, vivendo no capitalismo de feições liberais (neoliberais), cuja ideologia que prega o individualismo exacerbado, o salve-se quem puder, a busca pela riqueza custe o que custar, disseminada 24hs por dia através dos grandes meios de comunicação e pela cultura através de um sem número de manifestações explícitas e implícitas, inclusive nos sistemas de ensino, um partido comunista vai filiar um grande contingente de COMUNISTAS, se eles não existem (ao menos não em larga escala, sequer média....pequena é discutível) de modo espontâneo em uma sociedade como nossa? Logo, filiar "comunistas" em profusão vivendo no capitalismo é uma ficção tão intensa como acreditar que o capitalismo é um sistema que garante a liberdade para que o conjunto da população torne-se capitalistas (detentores, proprietários dos meios de produção e de sua distribuição);

2) A sociedade capitalista é repleta de gente lutadora. Luta-se contra os baixos salários, por maiores direitos, por uma vida mais humana, por uma educação mais qualificada, etc. Sendo um sistema de profunda desigualdade fincada profundamente pela separação entre os donos do capital e a massa gigante de assalariados que vendem sua força de trabalho para poder viver, é absolutamente natural a existência de contradições, conflitos, embates de pequenas, médias e grandes intensidades. 

Agora, não é isso o que forma COMUNISTAS! Ao menos não espontaneamente. Comunistas precisam ser lutadores (as) sem sombra de dúvidas mas precisam ser detentores (as) do conjunto de ideias, reflexões, análises e conceitos que conformam o que é conhecido como IDEOLOGIA MARXISTA-LENINISTA. E isso não é aprendido de modo amplo - quiçá muito restritamente - no âmbito da sociedade impregnada pela IDEOLOGIA da burguesia, como é a nossa, ou como é a maior parte do mundo. Para isso, entre outras coisas, é que existem os Partidos Comunistas. Ou deveriam existir;

3) Ora, como pode então um partido comunista em qualquer lugar do mundo no qual predomina o capitalismo como forma econômica - e com suas ramificações ideológicas e culturais - filiar em larga escala "comunistas"? Um PC precisa buscar agregar às suas fileiras as pessoas do povo que lutam ou que estejam dispostas a lutar em busca de uma vida melhor, de uma sociedade melhor e buscar com todas as suas ferramentas possíveis (a atuação orgânica e organizada, instrumentos de comunicação, propaganda e formação política e ideológica) contribuir decisivamente para que essas pessoas progressivamente compreendam melhor a própria dinâmica da exploração capitalista - e as características fundamentais da sociedade brasileira, da nossa formação histórica e conformação presente - e a profunda necessidade de lutar para superá-la e construir o Socialismo;

4) Nada disso é fácil, simples e rápido, mesmo considerando que o Partido como instituição política, como instrumento da revolução, tenha em si uma longa trajetória de acúmulo de lutas, derrotas e vitórias, e de compreensão do que é o capitalismo, como é o Brasil e como, fundamentalmente, se deve lutar para construir o Socialismo. 

Cada pessoa agregada ao Partido traz consigo um conjunto de informações e valores resultantes da sua trajetória individual no âmbito da sociedade e nem sempre é assim muito simples agregar a eles os conhecimentos e valores dos comunistas. Diria, inclusive, que esse é um processo de permanente tensão, de permanente aprendizagem, mesmo para os comunistas mais antigos. 

Que dirá para quem adentrou ao Partido mais recentemente. E muitas vezes, pela sua própria trajetória individual entra em posição de destaque, de grande projeção social, seja no mundo do Trabalho Produtivo, seja no ambiente cultural, na política mais abrangente ou nos movimentos sociais. FELIZMENTE não existe um software, um chip miraculoso de introjeção do comunismo nas pessoas. Portanto, conviver com as contradições desse processo e saber lidar com elas é imprescindível, sob o risco de se adotar a terrível prática da "guetização". Tem-se então uma seita e não um partido político. E sempre é bom lembrar que até as seitas buscam ampliar suas fileiras entre os "infiéis".

5) O que se pode - e se deve! - debater é se o Partido Comunista tem instrumentos eficientes de formação militante, o conjunto de instrumentos acima identificados (da organização cotidiana aos cursos de formação) para propiciar a quem a ele adere conhecer melhor o capitalismo, o Brasil, o programa do Partido (sua visão de mundo, sua ideologia e propostas de transformação da sociedade). 

Deve-se debater permanentemente, mas não um debate estéril, paralisante, a crítica pela crítica e a inoperância efetiva que pode atingir o trabalho de estruturação do partido que envolve um amplo conjunto de elementos. O que jamais se deve é questionar se devemos ou não agregar às fileiras da nossa luta as pessoas que querem fazer o país avançar, que desejam um mundo melhor. 

Significa, portanto, não gastarmos nosso tempo procurando COMUNISTAS prontinhos aonde eles não são formados, mas sim, gastarmos todas as nossas energias contribuindo para que aqueles (as) que procuram o Partido Comunista possam, conforme suas possibilidades e perspectivas, abraçarem a causa fundamental da nossa luta com consistência revolucionária. Nessa trajetória, gente entra, gente sai. Quem fica, precisa aprender cotidianamente. 

Cumpre ao Partido propiciar esse aprendizado. Essa tem que ser a obsessão interna de quem tem responsabilidade por tocar a vida partidária em todas as instâncias, em todas as frentes

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