A barbárie no campo brasileiro, materializada nos diversos tipos de violência (despejos, destruição de lavouras, expulsão da terra, ação de pistoleiros, contaminação por agrotóxicos, entre outras), notadamente, em ameaças de morte e nos assassinatos de indígenas, quilombolas e camponeses(as), é um processo estrutural ao longo da formação territorial brasileira. Tratam-se de práticas criminosas, utilizadas pelos grandes proprietários de terra, que continuam no cotidiano das comunidades rurais, mesmo diante da gravíssima pandemia mundial de Coronavírus. A sanha dos latifundiários, hoje com uma roupagem de modernos empresários do agronegócio em busca do lucro, não tem limites. Ocorre que o Estado, por meio dos governos (federal, estadual e municipal), tanto comete os mesmos crimes, como também fecha os olhos diante dessa realidade.
Nos mais diversos contextos políticos, os movimentos e as organizações sociais do campo seguem registrando, e, acima de tudo, denunciando essa barbárie, como forma de não deixar cair na invisibilização e na impunidade. Recentemente, o perverso assassinato de Zezico Rodrigues, mais uma liderança indígena do povo Guajajara que teve a vida ceifada a tiros em 31/03/2020, na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, demonstra a letalidade dos conflitos no campo brasileiro, nesse momento, intensificada contra os povos indígenas. Além do mais, grileiros, invasores, madeireiros, garimpeiros, seguem avançando sobre os seus territórios, a exemplo da Terra Indígena (TI) Karipuna, no estado de Rondônia, pondo em risco o isolamento, consequentemente, a saúde desses povos[1]. Já tivemos mortes por Coronavírus entre indígenas no Brasil e, ao continuar as invasões dos seus territórios, o risco de extermínio de povos inteiros pela pandemia, como já ocorreu em outros momentos da triste história desse país para com esses povos originários, é real. O que fica cada vez mais evidente é a estratégia do governo Bolsonaro em contribuir a matança indígena. Corrobora essa leitura, o fato da exoneração do Diretor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ocorrida no último dia 14/04, justamente, após uma grande operação contra garimpos ilegais em terras indígenas[2].
Portanto, o Estado tem atuado no sentido de agravar ainda mais essa realidade da questão agrária nacional, não sendo diferente nos últimos meses de COVID-19. Por exemplo, em 08/04/2020, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), denunciou: “Polícia Militar invade TI e coloca em risco povo Xakriabá, que mantinha medidas de distanciamento social”. A ação realizada pela Polícia Militar do estado de Minas Gerais, contraria a Portaria nº 419, de 17 de março de 2020, emitida pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que suspendeu as autorizações de entradas em terras indígenas por trinta dias[3]. Já o governo federal de Jair Bolsonaro, contrariando todas as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de manter o isolamento social em meio a Pandemia, publicou a Resolução nº 11, de 26 de março de 2020[4], onde, entre outras medidas, autoriza o Comando da Aeronáutica em remover centenas de famílias quilombolas no município de Alcântara, estado do Maranhão. Na verdade, trata-se de mais um ataque aos povos quilombolas, ameaçando-os de expulsão de seus territórios ancestrais, agravado, mais ainda, pelo contexto de pandemia.
As violências e as possibilidades de morte de indígenas, quilombolas e camponesas vêm não apenas pela terra, mas também pelo ar. Ocorrem não somente devido ao COVID-19, mais são aprofundadas nesse período. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou, que na tarde do dia 07/04/2020 as comunidades do engenho Barro Branco e Várzea Velha, em Jaqueira, estado de Pernambuco, um helicóptero sobrevoo esses territorios e lançou agrotóxicos, causando problemas de saúde entre os camponeses(as) posseiros(as). Trata-se de um antigo conflito causado pela empresa Agropecuária Mata Sul S/A, responsável pela pulverização aérea[5]. Uma semana antes desse episódio, segundo a reportagem, a mesma empresa fez uma tentativa de cercamento da fonte de água que abastece famílias, mas foi impedida pela comunidade de Barro Branco.
Esta é a realidade do campo brasileiro no qual devemos situar o debate sobre a pandemia de Coronavírus. Um país onde a classe dominante, representada no mesmo sujeito social pela unificação do capital (burguesia) e do latifúndio (grandes proprietários de terra), jamais permitiu que fosse realizada a reforma agrária. Para manter a concentração fundiária, essa burguesia latifundista que faz o agronegócio, sob o aval do Estado, se utiliza de todos os mecanismos de violência e opressão. Nesse bojo, o campesinato, os quilombolas e os indígenas, lutam em pelos menos três frentes permanentes e concomitantes na atualidade: contra a pandemia de Coronavírus, os grandes proprietários do agronegócio e o Estado, representado pelo governo Guedes/Mourão/Bolsonaro.
[1] Disponível em: https://cimi.org.br/2020/04/em-meio-pandemia-grileiros-invasores-aproximam-aldeia-karipuna/. Acesso em: 14 abr. 2020.
[2] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/04/14/ibama-conoravirus-crise.htm-media. Acesso em: 15 abr. 2020.
[3]Disponível em: https://cimi.org.br/2020/04/policia-militar-invade-terra-indigena-e-coloca-em-risco-povo-xakriaba-que-mantinha-medidas-de-distanciamento-social/. Acesso em: 14 abr. 2020.
[4] Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-11-de-26-de-marco-de-2020-249996300. Acesso em: 13 abr. 2020.
[5] Disponível em: https://cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/5155-helicoptero-lanca-veneno-sobre-comunidade-rural-em-pernambuco. Acesso em 14 abr. 2020.
fonte OTIM
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