Dúvidas frequentes sobre os povos indígenas
Quais e quantos são os povos indígenas no Brasil?
Para o ISA, os 227 povos indígenas contemporâneos no Brasil somam cerca de 600 mil pessoas, o correspondente aproximado a 0,2% da população total do país. Este, porém, é assunto sujeito a diferentes estimativas.
Quanto do território brasileiro está reservado aos índios?
O Brasil tem uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, ou seja, 8.511.965 km2. As terras indígenas (TIs) somam 603 áreas, ocupando uma extensão total de 109.584.146 hectares (1.095.841 km2). Assim, 13 % das terras do país são reservados aos povos indígenas.
A maior parte das TIs concentra-se na Amazônia Legal: são 418 áreas, 108.081.442 hectares, representando 20.67% do território amazônico e 98.61% da extensão de todas as TIs do país. O restante, 1.39%, espalha-se pelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e estado do Mato Grosso do Sul.
Qual a diferença entre "indígena", "índio", "ameríndio", "silvícola", "aborígine"...?
A expressão genérica "povos indígenas" refere-se a grupos humanos espalhados por todo o mundo, e que são bastante diferentes entre si.
É apenas o uso corrente da linguagem que faz com que, em nosso e em outros países, fale-se em povos indígenas, ao passo que, na Austrália, por exemplo, a forma genérica para designá-los seja aborígines. Indígena ou aborígine, como ensina o dicionário, quer dizer "originário de determinado país, região ou localidade; nativo". Aliás, nativos e autóctones são outras expressões usadas, ao redor do mundo, para denominar esses povos.
Genericamente, os povos indígenas que vivem não apenas em nosso país, mas em todo o continente americano, também são chamados de índios. Essa palavra é fruto do equívoco histórico dos primeiros colonizadores que, tendo chegado às Américas, julgaram estar na Índia. Apesar do erro, o uso continuado, até mesmo por parte dos próprios índios, faz da palavra, no Brasil de hoje, um sinônimo de indivíduo, pessoa indígena.
Como há certas semelhanças que unem os índios das Américas do Norte, Central e do Sul, há quem prefira chamá-los, todos, de ameríndios. Os índios ou ameríndios são os povos indígenas das Américas. Em décadas passadas, outra palavra era bastante usada no Brasil para designar os índios em geral: silvícolas ("quem nasce ou vive nas selvas"). O termo é totalmente inadequado, porque o que faz de alguém indígena não é a característica do lugar onde se nasce ou vive (a "selva").
Índio pode tirar carteira de identidade?
Sim, índio pode e deve fazer carteira de identidade, que é um registro geral dos cidadãos brasileiros. A lei brasileira, no entanto, não permite, a identificação étnica neste documento. Por outro lado, o índio tem direito também a um registro na comunidade onde nasceu, configurando, assim, uma identificação étnica documentada.
Índio pode votar ou ser votado?
Todo cidadão brasileiro pode votar, desde que possua registro eleitoral. Como o voto no Brasil é obrigatório, os índios são obrigados a votar se tiverem mais de 16 anos (??) e forem alfabetizados em língua portuguesa. Porém, se viverem na aldeia e, segundo seus usos e tradições, o povo, coletivamente, decide não votar, esta decisão prevalece sobre a obrigatoriedade da lei brasileira. Isso porque os povos indígenas têm o direito constitucional de viver segundo seus usos, tradições e costumes.
O índio pode sim ser candidato, pois é um cidadão com todos os direitos. Para ser candidato, entretanto, há algumas restrições, como o conhecimento da língua para alguns cargos.
Pode o índio vender os produtos de sua terra com o intuito de lucro?
Todos os bens da comunidade pertencem à comunidade como um todo, portanto, são bens coletivos. Assim, se no comércio você compra para vender e na indústria e na agricultura você produz para vender com o preço maior do que o investimento, o índio pode, individualmente, comprar um bem e vender esse bem mais caro. Não há nenhuma restrição, desde que a origem daquele dinheiro seja dele. Ele pode ter dinheiro pessoal, pode ter bens individuais e usá-los como achar melhor. No entanto, não pode fazer isso com os bens da comunidade.
A língua dos índios é "o tupi”?
Atualmente, mais de 180 línguas e dialetos são falados pelos povos indígenas no Brasil. Elas integram o acervo de quase seis mil línguas faladas no mundo contemporâneo. Antes da chegada dos portugueses, contudo, só no Brasil esse número devia ser próximo de mil.
No processo de colonização, a língua Tupinambá, por ser a mais falada ao longo da costa atlântica, foi incorporada por grande parte dos colonos e missionários, sendo ensinada aos índios nas missões e reconhecida como língua geral. Até hoje, muitas palavras de origem Tupi fazem parte do vocabulário dos brasileiros.
Assim como o Tupi influenciou o português falado no Brasil, o contato entre os povos resultou em constantes modificações nas línguas indígenas. Além de influências mútuas, as línguas guardam entre si origens comuns, integrando famílias linguísticas que, por sua vez, podem fazer parte de divisões mais amplas: os troncos linguísticos (Troncos e famílias). Se as línguas não são isoladas, seus falantes tampouco. Há muitos povos e indivíduos indígenas que falam e/ou entendem mais de uma língua; e, não raro, dentro de uma mesma aldeia são faladas diferentes línguas (multilingüismo).
Em meio a essa diversidade, apenas 11 línguas têm acima de cinco mil falantes: Tukano, Baniwa, Guajajara, Kaingang, Kayapó, Makuxi, Sateré-mawé, Terena, Xavante, Yanomami, Ticuna e Guarani, sendo esta duas últimas faladas por aproximadamente 30 mil pessoas. Em contrapartida, cerca de 110 línguas contam com menos de 400 falantes.
Se um índio dirige carro, vê televisão, ele deixa de ser índio?
A partir do contato com a nossa sociedade, uma série de mudanças ocorreu no modo de viver dos povos indígenas. Em relação a esse assunto, é preciso ter em mente dois aspectos.
Primeiro, que as culturas indígenas não são estáticas. Como quaisquer outras, elas mudam ao longo do tempo, mesmo que não seja por influência estrangeira. Por outro lado, é inegável que as mudanças decorrentes do contato com a nossa sociedade podem, muitas vezes, alcançar escalas preocupantes. Esse é o caso, por exemplo, de povos que perderam suas línguas maternas e, hoje, só falam o português. Nosso papel, como aliados dos índios, deve ser defender que tenham condições sociais, econômicas e políticas de absorver as novidades que vêm do contato, da forma como lhes parecer mais adequada.
Em segundo lugar, por trás das mudanças, com ritmo e naturezas diferentes em cada caso, há um fato fundamental: mesmo travando relações com os não-índios, os povos indígenas mantêm suas identidades e se afirmam como grupos étnicos diferenciados, portadores de tradições próprias. A identidade étnica, ou seja, a consciência de pertencimento a um determinado povo, resulta de um jogo complexo entre o "tradicional" e o "novo", o "próprio" e o "estrangeiro", que acontece sempre que populações diferentes vivem em contato. É importante lembrar disso antes de dizer que alguém "já não é mais índio" porque usa roupas, reza missa, assiste televisão, opera computadores, joga futebol ou dirige um carro.
Existem índios vivendo longe dos "brancos"?
No Brasil de hoje, há pelo menos 46 referências de "índios isolados". Assim são chamados aqueles cujo contato com o órgão indigenista oficial (Fundação Nacional do Índio – Funai) não foi estabelecido. Não se sabe ao certo quem são, onde estão, quantos são e que línguas falam. O pouco que se sabe é que cerca de 26 dessas referências encontram-se em Terras Indígenas já demarcadas ou com algum grau de reconhecimento pelos órgãos federais. E, do total das 46, 12 já foram confirmadas pela Funai.
A ideia de que há índios que permaneceram isolados desde a chegada dos portugueses ou de que há sociedades mantidas à margem de todas as transformações ocorridas na face da terra, é enganadora. Os grupos considerados isolados travam, muitas vezes, relações de longa data com segmentos da sociedade nacional.
O isolamento representa, em muitos casos, uma opção do grupo, que pode estar pautada por suas relações com outros grupos, pela história das frentes de atração na região e também pelos condicionantes geográficos que propiciam essa situação.
Desde 1987, a Funai conta com uma unidade destinada a tratar da localização e da proteção a esses índios – o Departamento de Índios Isolados. Recentemente, sua atuação se dá por meio de equipes denominadas "frentes de proteção etno-ambiental". São elas: Cuminapanema (PA), Envira (AC), Rio Guaporé (RO), Madeirinha (RO/ MT), Vale do Javari e Purus(AM).
Atualmente, quatro grupos já contatados continuam conhecidos pela Funai como "isolados", recebendo dela assistência diferenciada. São eles os Kanoê e os Akuntsu, de Rondônia; os Zo'é, do Pará, e um pequeno grupo Korubo.
Os povos indígenas ajudam a preservar a natureza?
Apesar de não serem "naturalmente ecologistas", os índios têm consciência da sua dependência – não apenas física, mas, sobretudo cosmológica – em relação ao meio ambiente. Em função disso, desenvolvem formas de manejo dos recursos naturais que têm sido fundamentais para a preservação da cobertura florestal no Brasil.
Trata-se de um fato visível nas regiões onde o desmatamento tem avançado com maior rapidez, como nos estados do Mato Grosso, Rondônia e sul do Pará. Em levantamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), por exemplo, as Terras Indígenas aparecem como verdadeiros oásis de florestas.
É fato que muitos povos indígenas, como os Suruí, Cinta-Larga e os Kayapó, tenham se atrelado ativamente a formas predatórias de exploração dos recursos naturais, hoje em vigor na Amazônia, fazendo alianças principalmente com empresas madeireiras. Todavia, é preciso reconhecer que eles as fizeram por terem passado por pressões concretas, contínuas, ilegais e como sócios menores desses negócios.
Quem já pensou nos índios como homens "naturais", defensores inatos da natureza, "naturalistas" está a um passo de vê-los como mera extensão do meio ambiente: deveriam, portanto, ser "conservados" e mantidos à distância do mundo "civilizado". Essa visão deriva, no entanto, de uma concepção da natureza que é própria ao mundo ocidental: natureza como algo que deve permanecer intocado, alheio à ação humana. Mas o que os próprios povos indígenas têm a dizer sobre o assunto é bem diferente.
As concepções da natureza certamente variam bastante conforme o povo indígena que consideremos. Porém, se algo parece comum a todos eles, é o fato de que a natureza está sempre em interação com a ação humana, não sendo jamais intocada.
Devo escrever "os Yanomami" ou "os ianomâmis"?
Por serem ágrafos (ou seja, não possuírem escrita) nos tempos da "atração e pacificação", os povos indígenas foram (e continuam sendo) "batizados" por escrito por "brancos", num processo que deu (e ainda dá) margem a muitas confusões.
Há uma grande variabilidade na maneira de grafar os nomes dos povos indígenas. Convivem padrões diferentes, às vezes criados por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), outras por antropólogos e, mais recentemente, até mesmo por Manuais de Redação de grandes órgãos da imprensa brasileira.
Como as línguas indígenas têm sons que não encontram representação direta nas letras do alfabeto brasileiro, os antropólogos são obrigados a recorrer a outras letras e combinações de letras. Buscam, então, usar letras cuja interpretação sonora se aproxime do alfabeto fonético internacional, usado pelos lingüistas de todo o mundo, e não do alfabeto brasileiro.
As discordâncias ortográficas sobre os nomes de povos indígenas costumam opor antropólogos a Manuais de Redação de grandes jornais. Mas, nesse assunto, não há consenso nem mesmo entre os próprios antropólogos. As maiores polêmicas dizem respeito ao uso (ou não) de maiúsculas iniciais e da forma plural para os nomes das etnias.
Para muitos, quando a denominação de um povo aparece com função de adjetivo, não haveria porque não escrevê-la com minúscula (língua guarani, por exemplo). Já quando aparece como substantivo gentílico, seria mais adequado mantê-la com maiúscula, porque, se é verdade que essas etnias não têm países (como os franceses, a França), também é certo que seus nomes são designativos de uma coletividade única, de uma sociedade, de um povo, e não apenas de uma somatória de pessoas.
Aqueles que defendem a não-flexão do plural ancoram-se na justificativa de que, na maioria dos casos, sendo os nomes palavras em língua indígena, acrescentar um s resultaria em hibridismo. Além do mais, há a possibilidade de as palavras já estarem no plural, ou, ainda, de que a própria forma plural não exista nas línguas indígenas correspondentes.
Os Manuais de Redação, por outro lado, têm imposto um aportuguesamento da grafia dos nomes das tribos, proibindo o uso de letras como w, y, k (!) e certos grupos de letras não existentes em português, como sh. Esse critério não tem consistência, assim como grafar os nomes sempre em minúsculas ou flexionar o número (singular/ plural) mas não o gênero (masculino/ feminino). Por exemplo, se krahô se deve escrever craô, então Kubitscheck deveria ser escrito Cubicheque, Geisel, Gáisel. Por que o mesmo manual que recomenda grafar ianomâmi e os ianomâmis, veta a flexão por gênero, quando a palavra tem função de adjetivo ("mulheres ianomâmis" e não "mulheres ianomamas"), resultando num aportuguesamento pela metade?
FONTE: http://pib.socioambiental.org/pt
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