29 de jun. de 2011

PENSANDO EM DEUS

Deus é negro



Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim do Éden.

Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de gente, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes.

Sou filho de Ogun e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça.

Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos da vergonha.

Tão povoado é o céu de minhas crenças, que não rejeito nem mesmo a santeria do clero.

Antes, reverencio o cavalo de São Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus Orixás, lanço ao rio a Virgem Negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar.

Sou liberto e, no fundo das matas recrio um espaço de liberdade, defendendo com espírito guerreiro o meu reduto de paz.

No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro reisados e congadas.

Cidadão Brasileiro, ainda luto por alforria, empenhado em abolir preconceitos e discriminações, grilhões forjados na inconsistência e inconsciência dos que insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que DEUS é também negro.

Frei Betto

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