15 de fev. de 2012

A MALDIÇÃO DE VACARIA

Internacional, primeiro algoz do Corinthians na Libertadores 
Gol histórico, público recorde, jejum de títulos e importância do Campeonato Paulista. Foi sobre tudo isso que falou o simpático Zé Maria a respeito do inesquecível jogo de 1977 contra o Internacional (primeiro do Corinthians na história na Copa Libertadores). No sofá de sua casa, localizada na Zona Norte de São Paulo, o ex-lateral direito se esparramou, vestiu uma camisa corintiana de 2005 - "não tenho mais nenhuma das antigas, dei todas" -, reviu um vídeo de seu gol histórico, falou sobre a "sina" corintiana na Libertadores, disse que a "maldição" começou no gol de Vacaria e narrou passo a passo daquela tarde no Morumbi. 

Quase 100 mil pessoas estiveram no estádio para assistir ao Corinthians entrar em campo com: Jairo; Zé Maria, Moisés, Zé Eduardo e Vladimir; Givanildo e Basílio; Palhinha, Vaguinho, Geraldão e Edu. Era a base do time vice-campeão brasileiro no ano anterior, derrotado justamente pelo Internacional. O time paulista enfrentava, na época, o maior jejum de títulos de sua história, além do poderoso rival gaúcho, comandado por Falcão e companhia.
"Foi um negócio estrondoso, a expectativa que se abriu no torcedor foi algo muito grande. Entramos no embalo, e achávamos que conseguiríamos pelo menos passar a primeira fase. E tínhamos a disputa interna com o Internacional, o grande time da época. Como vínhamos daquele resultado de 76 sabíamos que poderíamos ter uma participação melhor ao longo do ano seguinte", definiu Zé.

Mesmo na fila, o time alvinegro era um grande campeão paulista, com 15 títulos, e a competição regional era o grande desejo dos clubes. Mais até que os torneios nacionais, pois as disputas internas eram mais valorizadas, e os Estaduais maiores. Para se ter uma ideia, o Corinthians triunfou em 77 após atuar em 48 partidas - em 2012, o máximo são 23 jogos.
"Participar da Libertadores era um sonho, mas não era a menina dos olhos. A menina dos olhos era o Paulista, e o próprio torcedor queria o Paulista e o preferia", explicou Zé Maria. "Mas não tinha a obrigação de priorizar o Campeonato Paulista. Queríamos ganhar a Libertadores também, era a primeira do clube e queríamos desempenhar nosso papel. O Santos já tinha ganhado, o Cruzeiro também. E o Corinthians não era um time de fazer jogos internacionais, isso era muito difícil". 

Na raça, sai o primeiro gol corintiano na história da Libertadores
Embalado pelo público gigantesco, o Corinthians partiu para cima do rival. Vivia-se nos anos 70 o auge do "corintianismo": para se ter uma ideia, apenas nos anos de 76 e 77 o time teve 10 de seus 40 maiores públicos, e o duelo contra o Internacional é o único desta lista que representa um jogo de Libertadores. Dessa forma, a equipe acuou o adversário com um desejo especial de vingança pela derrota na final do Brasileiro no ano anterior. E não demorou para sair o gol: aos 16min da etapa inicial.
"Eu dividi com o Caçapava, derrubei, dividi de novo, ganhei, quase caí, corri, tabelei com o Palhinha, entrei na bola com o Manga, ele quis dar um tapinha, quase que perdi, mas fiz o gol", narrou Zé Maria, que atravessou com a bola desde seu campo de defesa até chegar à meta colorada. "Acho que foi o primeiro gol do Corinthians na história da Libertadores", citou, antes de sorrir ao descobrir que, de fato, foi.
"Fizemos um gol logo no começo, e o Corinthians jogou bem, era um jogo muito difícil, mas esperávamos o resultado, sonhávamos com isso. Foi um jogo bem disputado, lembrou a final de 76, mas tínhamos o apoio da torcida, o time entrou diferente, sabíamos que buscaríamos o resultado e esse seria um jogo-chave na nossa caminhada", contou Zé, aos poucos relembrando de cada detalhe da partida.
O jogo parecia até uma reedição da final de 76. Com Manga; Cláudio Duarte, Marião, Hermínio e Vacaria; Caçapava, Falcão, Valdomiro e Batista; Dadá Maravilha e Pedrinho, o Inter tinha um time mais técnico em campo, mas encarava a raça e disposição corintiana, orquestrada pela massa alvinegra nas arquibancadas. Dessa forma, o Corinthians levou a vantagem no placar até o final do primeiro tempo, indo com o triunfo parcial aos vestiários.
"O grande resultado nosso seria contra o Internacional. Era começo do ano, vínhamos da euforia de 76, da invasão do Maracanã. Perdemos em 76 contra o Inter, e a Libertadores vinha como esperança, sonho. Nessa Libertadores achávamos que nosso grande resultado tinha que ser contra o Internacional. Ainda tínhamos o Cuenca depois, mas sabíamos, tínhamos certeza que seria contra o Internacional", definiu Zé Maria sobre o clima no intervalo. "Estávamos animados". Mal sabia ele que duraria pouco... 

"Era uma bola parada para o Internacional. Acho que um cruzamento, um escanteio. Não, um cruzamento na área mesmo. Aí a defesa do Corinthians aliviou, mas a bola veio parar comigo. O Vaguinho também veio, dividiu, aí eu pensei: 'já que estou aqui não vou perder a viagem'. Foi uma porrada. Pegou no ângulo... Sensacional". Foi assim, simples, que Vacaria lembrou do gol que decretou empate do Internacional contra o Corinthians no Morumbi: 1 a 1. Nascia aí uma "maldição" alvinegra na Copa Libertadores da América.

"Começou aí essa sina, nesse gol. O time se perdeu até certo ponto, queríamos o gol a qualquer custo. Era ganhar ou ganhar... O empate seria uma derrota, até porque teríamos três jogos fora de casa depois disso, um deles contra o próprio Inter. Na época, era quase impossível vencer os gaúchos no Sul", continuou Zé Maria, que havia aberto o placar aos donos da casa. Coincidentemente, foi dos pés do próprio corintiano que saiu a "assistência" para o tento colorado.
"O Edu correu pela direita, cruzou na área para o Dario, mas o Jairo saiu de soco, tirou, aí eu dei um carrinho, cortei e afastei a bola dali. Então eu vi ela ir parar nos pés do Vaguinho, mas o Vacaria chegou antes, dividiu e ganhou o lance. Aí ele cortou para a esquerda e bateu de canhota. Um petardo na gaveta", contou o corintiano, com lamentação. Para ele, um "gol maldito", responsável por uma obsessão que já dura 35 anos pelo título continental: "pode ter definido toda a nossa história até hoje".
"O Morumbi estava lotado e todos falavam que ali era o 'ninho' do Corinthians. Eles ganhavam de todo mundo ali e tinha uma razão nisso. Era um estádio grande, e lembro que nossa entrada no campo foi uma coisa emocionante. Uma vaia desgraçada saiu das arquibancadas. E, no meu gol, ela se repetiu. Sabíamos que estávamos fazendo algo grande naquele momento", contou Vacaria.
Depois do gol, o Corinthians se perdeu em campo. Ainda eram 12 minutos do segundo tempo, mas o experiente time do Inter passou a administrar o resultado e, como em 76 (na final do Brasileiro), calou a massa alvinegra. Saiu de São Paulo com um empate precioso, crucial para a classificação em uma chave que contava com dois inexpressivos clubes: El Nacional e Deportivo Cuenca, ambos do Equador. "Os dez minutos finais foram de desespero. Se tivéssemos ganho, a história seria outra", diz Zé.

Fracasso corintiano na sequência, adeus e maldição
Atordoado pelo empate em casa, o Corinthians sucumbiu contra os dois rivais equatorianos e reviu o Inter em Porto Alegre. Perdeu. "Aquele empate em São Paulo foi determinante, sabíamos que era uma 'final antecipada' da chave. Depois, embalamos e pegamos o Corinthians já abatido em Porto Alegre, quase eliminado. Ganhamos de novo e avançamos", exaltou Vacaria. O Inter venceu no dia 24 de abril por 1 a 0 e eliminou o rival paulista do torneio.
Antes disso, o Corinthians havia perdido, fora de casa, para o El Nacional (2 a 1) e Deportivo Cuenca (2 a 1), e depois do revés para os colorados derrotou, já eliminado, os mesmos dois times do Equador (3 a 0 e 4 a 0, respectivamente). "O que nos surpreendeu foi a tal altitude para alguns jogadores. Tínhamos feito jogos fora, mas a tensão maior foi na altitude. Foi uma experiência amarga", relatou Zé Maria.
Embalado, o Inter daria seu adeus apenas na semifinal, contra o bom time do Cruzeiro. Mas, do lado corintiano, o que ficou mesmo foi a sensação de que a eliminação aconteceu naquela estreia, naquele domingo, diante daquelas 94.599 pessoas e contra aquele Internacional. "Se ganha do Internacional a história seria outra. Até no Brasileiro, perdemos e não ganhamos mais nada. Só nadávamos e ganhávamos Paulistas. Só fomos ganhar Brasileiro nos anos 90", lamentou Zé.
Nesta quarta-feira, após quase 35 anos do embate histórico contra o Inter, o Corinthians volta a estrear em uma Copa Libertadores. Mais forte, tanto econômico quanto tecnicamente, o clube alvinegro encara o Deportivo Táchira, na Venezuela, às 22h (de Brasília). Será mais uma noite de sofrimento, e o início de uma nova chance alvinegra de superar sua maior obsessão em 102 anos de história. "Hoje vejo o Corinthians como uma força real", acredita o ex-lateral.
Será, também, mais uma oportunidade de o torcedor descobrir se existe a chamada "maldição" do clube na Libertadores. Se, de fato, aquele gol colorado foi o "começo de uma sina", conforme profetizou Zé, e se também Vacaria, o primeiro "algoz" corintiano, está certo em sua análise: "de repente esse tabu pegou mesmo pelo gol e o Corinthians não consegue ganhar mais de jeito nenhum, não é? Pode ser sido um pouco de maldição...". 

Ficha técnica
CORINTHIANS 1 x 1 INTERNACIONAL

Data
03/04/1977
Local
Estádio do Morumbi, em São Paulo (SP)

CORINTHIANS: Jairo; Zé Maria, Moisés, Zé Eduardo e Vladimir; Givanildo (Ruço), Basílio (Lance) e Palhinha; Vaguinho, Geraldão e Edu
INTERNACIONAL: Manga; Cláudio Duarte, Marião, Hermínio e Vacaria; Caçapava, Falcão, Valdomiro e Batista; Dario (Escurinho) e Pedrinho (Jair)

Gols 
CORINTHIANS: Zé Maria, aos 16min do primeiro tempo
INTERNACIONAL: Vacaria, aos 12min do segundo tempo

Participações do Corinthians na Libertadores:

1977 - eliminado na primeira fase, no grupo onde estava Internacional (Bra), El Nacional e Deportivo Cuenca (Equ)
1991 - eliminado nas oitavas de final para o Boca Juniors (Arg): 1 x 3 (F) e 1 x 1 (C)
1996 - eliminado nas quartas de final para o Grêmio: 0 x 3 (C) e 1 x 0 (F)
1999 - eliminado nas quartas de final para o Palmeiras: 0 x 2 (N) e 2 x 0 (N) - Palmeiras 4 x 2 nos pênaltis
2000 - eliminado nas semifinais para o Palmeiras: 4 x 3 (N) e 2 x 3 (N) - Palmeiras 5 x 4 nos pênaltis
2003 - eliminado nas oitavas de final para o River Plate (Arg): 1 x 2 (F) e 1 x 2 (C)
2006 - eliminado nas oitavas de final para o River Plate (Arg): 2 x 3 (F) e 1 x 3 (C)
2010 - eliminado nas oitavas de final para o Flamengo: 0 x 1 (F) e 2 x 1 (C)
2011 - eliminado na fase eliminatória para o Tolima (Col): 0 x 0 (C) e 0 x 2 (F)

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