Os juízes playboys do Supremo
Por Luis Nassif
no sitio Jornalggn
No final do ano passado participei de uma mesa no Congresso anual da AJUFE (Associação dos Juízes Federais). O tema era o Judiciário e a comunicação pública.
Na mesa, um dos debatedores defendendo o Judiciário-espetáculo e os Ministros-celebridades. Considerou um estágio superior de transparência.
De minha parte, procurei demonstrar que:
1. O espetáculo tinha diretor de cena. Para candidatar-se a celebridade, exigia-se que o candidato seguisse scripts previamente definidos, no campo dos conceitos, das posições políticas ou no desenho do personagem que entraria no palco. Acabaria por se tornar escravo da peça.
2. O diretor de cena não é neutro. São empresas com interesses próprios. Mostrei diversos episódios da série O Caso de Veja, na qual desembargadores, juízes foram fuzilados por se colocarem contra interesses de financiadores da empresa. Mostrei as ligações com Cachoeira. Mostrei como a mídia corrompe, pela lisonja ou pela ameaça.
Um ano e meio após o início do julgamento da AP 470, é instrutivo analisar como o efeito-celebridade refletiu-se na ação do Supremo.
A gang dos 4
Hoje, o Supremo se divide entre celebridades, juízes tradicionais e figuras menores.
No primeiro grupo, a "gang dos quatro" - Joaquim Barbosa, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Uso o termo "gang" como referência aos grupos de jovens dos anos 60 e 70, época da adolescência dos atuais Ministros.
Havia a gang dos playboys, dos motociclistas, dos machões, dos jovens maus de boas famílias, como se dizia.
Todos interpretavam tipos similares, bem de acordo com o figurino que encantava as mocinhas da época. Seu appeal não eram atributos intelectuais, bom-mocismo ou outras banalidades, mas a exibição de músculos, a coreografia de brigar em turma e chutar e caçoar da impotência dos adversários caídos, contar prosa para os amigos de bar, exibir o sorriso superior de escárnio, de quem se vê dotado da f-o-r-ç-a.
Esses estereótipos ficaram escondidos em algum desvão da memória dos quatro enquanto cumpriam carreira jurídica convencional, independentemente da origem de cada um: o filho da sociedade cosmopolita, o herdeiro de família influente do sertão, o egresso do nordeste que se acariocou e o que veio de baixo, viu e venceu.
Todos percorreram carreiras não muito condizentes com o estrelato. Tiveram que se ater ao mundo fechado dos tribunais, à leitura mais ou menos incessante da doutrina e aos canapés do poder, fundamentais para quem pretende fazer carreira na área. Satisfaziam o ego em circuito fechado, no máximo colhendo olhares de admiração ou despeito de colegas.
Chegando ao estrelato
Chegam ao topo, o Supremo Tribunal Federal. E, ali, recebem a oportunidade única de se tornarem celebridades, libertando-se da invisibilidade do Judiciário, no qual cumpre-se uma carreira burocrática, trabalhando até a aposentadoria, cultivando a discrição e, depois se recolhendo ao anonimato como tantos ex-Ministros.
Um atleta, jiujitser frequentador das praias e tocador de rock, como Fux; um vencedor encantado com celebridades, como Barbosa; um Ministro que sempre se orgulhou da aparência jovem, como Marco Aurélio; um empresário vitorioso que ambiciona chacoalhar os alicerces da República, da mesma maneira com que chacoalha os adversários do sertão, como Gilmar, conformando-se em seguir a vida modorrenta de juiz da corte e aposentar-se como um lente de antigamente, como um Peluso, um Celso, que irá voltar para Tatuí? Jamais.
Seu mundo é muito maior do que o mundo restrito do Judiciário.
Os holofotes da televisão e os olhos do país sobre eles, abriam a chance para a volta à juventude perdida, para a exposição de músculos, tendo à sua disposição o soco inglês de um espaço na Globo, o poder de gritar e convocar multidões para cercar os palácios, o rompimento com todos os protocolos para levar o combate do campo da doutrina para o tablado.
A troco de quê Marco Aurélio irá terçar armas com Celso, Barroso ou Teori no campo minado (para ele) dos conceitos e das ideias, se pode se valer do poder da mídia para pressionar o colega com um artigo jornalístico no mesmo dia do voto, sem direito a réplica? Atropelou todos os códigos da magistratura? "F…", dirá, como um autêntico playboy de antigamente.
A troco de quê Gilmar terá que aturar os colegas desmascarando-o, por não mencionar o projeto de lei que ajudou a escrever - propondo a derrubada dos infringentes - e que foi derrubado no Congresso, se pode chamar o Supremo de pizzaria e seu brado ecoar por todo o país? Quem irá se importar com um Ministro que mente - escondendo a verdade - se chamar o Supremo de pizzaria permite resultado muito mais imediato?
Um basta ao espetáculo
Pergunto: é esse o Supremo que o país precisa, são esses os Ministros que representam a magistratura? É evidente que não.
Independentemente da posição em relação à AP 470, é hora da comunidade do direito se colocar ante esse fenômeno deplorável do juiz-celebridade.
Não serão necessários manifestos, discursos, passeatas. Basta apenas olhar os referenciais, os Ministros que passaram pelo Supremo sem perder a dignidade, os mitos que povoam o Olimpo jurídico por conta do seu conhecimento, da vida regrada e discreta e do apego aos princípios, fazer a elegia do juiz-solitário, imune às pressões do Estado e da turba, os que honraram o mandato, impedindo linchamentos e outras formas de selvageria, ajudando o país a subir degraus da civilização.
Depois, basta um mero olhar de desprezo para esses cultivadores do show da vida. Não mais que isso. Com o fortalecimento dos ministros doutrinários (independentemente de posições) - como Lewandowski, Celso e, agora, Teori e Barroso - a diferença de dimensão com o grupo dos 4 fará o restante.
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