23 de set. de 2013

Os juízes playboys do Supremo - por Luiz Nassif

Os juízes playboys do Supremo

Por Luis Nassif
no sitio Jornalggn

No final do ano passado participei de uma mesa no Congresso anual  da AJUFE (Associação dos Juízes Federais). O tema era o Judiciário e a comunicação pública.
 Na mesa, um dos debatedores defendendo o Judiciário-espetáculo e os Ministros-celebridades. Considerou  um estágio superior de transparência.

De minha parte, procurei demonstrar que:
 1. O espetáculo tinha diretor de cena. Para candidatar-se a celebridade, exigia-se que o candidato seguisse scripts previamente definidos, no campo dos conceitos, das posições políticas ou no desenho do personagem que entraria no palco. Acabaria por se tornar escravo da peça.
 2. O diretor de cena não é neutro. São empresas com interesses próprios. Mostrei diversos episódios da série O Caso de Veja, na qual desembargadores, juízes foram fuzilados por se colocarem contra interesses de financiadores da empresa. Mostrei as ligações com Cachoeira.  Mostrei como a mídia corrompe, pela lisonja ou pela ameaça.
 Um ano e meio após o início do julgamento da AP 470, é instrutivo analisar como o efeito-celebridade refletiu-se na ação do Supremo.

A gang dos 4
 Hoje, o Supremo se divide entre celebridades, juízes tradicionais e figuras menores. 
 No primeiro grupo, a "gang dos quatro" - Joaquim Barbosa, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
 Uso o termo "gang" como referência aos grupos de jovens dos anos 60 e 70, época da adolescência dos atuais Ministros.
 Havia a gang dos playboys, dos motociclistas, dos machões, dos jovens maus de boas famílias, como se dizia.
 Todos interpretavam tipos similares, bem de acordo com o figurino que encantava as mocinhas da época. Seu appeal não eram atributos intelectuais, bom-mocismo ou outras banalidades, mas  a exibição de  músculos,  a coreografia de brigar em turma e  chutar e caçoar da impotência dos adversários caídos,  contar prosa para os amigos de bar, exibir o sorriso superior de escárnio, de quem se vê dotado da f-o-r-ç-a.
 Esses estereótipos ficaram escondidos em algum desvão da memória dos quatro enquanto cumpriam  carreira jurídica convencional,  independentemente da origem de cada um: o filho da sociedade  cosmopolita, o herdeiro de família influente do sertão, o egresso do nordeste que se acariocou e  o que veio de baixo, viu e venceu.
 Todos percorreram carreiras não muito condizentes com o estrelato. Tiveram que se ater ao mundo fechado dos tribunais, à leitura mais ou menos incessante da doutrina e aos canapés do poder, fundamentais para quem pretende fazer carreira na área. Satisfaziam o ego em circuito fechado, no máximo colhendo olhares de admiração ou despeito de colegas.

Chegando ao estrelato
 Chegam ao topo, o Supremo Tribunal Federal. E, ali, recebem a oportunidade única de se tornarem celebridades, libertando-se da invisibilidade do Judiciário, no qual cumpre-se uma carreira burocrática, trabalhando até a aposentadoria, cultivando a discrição e, depois se recolhendo ao anonimato como tantos ex-Ministros. 
 Um  atleta, jiujitser frequentador das praias e tocador de rock, como Fux; um vencedor encantado com celebridades, como Barbosa; um Ministro que sempre se orgulhou da aparência jovem, como Marco Aurélio; um empresário vitorioso que ambiciona chacoalhar os alicerces da República, da mesma maneira com que chacoalha os adversários do sertão, como Gilmar, conformando-se em seguir a vida modorrenta de juiz da corte e aposentar-se como um lente de antigamente, como um Peluso, um Celso, que irá voltar para Tatuí? Jamais.

Seu mundo é muito maior do que o mundo restrito do Judiciário.
 Os holofotes da televisão e os olhos do país sobre eles, abriam a chance para a volta à juventude perdida, para a exposição de músculos, tendo à sua disposição o soco inglês de um espaço na Globo, o poder de gritar e convocar multidões para cercar os palácios, o rompimento com todos os protocolos para levar o combate do campo da doutrina para o tablado. 
 A troco de quê Marco Aurélio irá terçar armas com Celso, Barroso ou Teori no campo minado (para ele)  dos conceitos e das ideias, se pode se valer do poder da mídia para pressionar o colega com um artigo jornalístico no mesmo dia do voto, sem direito a réplica?  Atropelou todos os códigos da magistratura? "F…", dirá, como um autêntico playboy de antigamente.
 A troco de quê Gilmar terá que aturar os colegas desmascarando-o, por não mencionar o projeto de lei que ajudou  a escrever - propondo a derrubada dos infringentes - e que foi derrubado no Congresso, se pode chamar o Supremo de pizzaria e seu brado ecoar por todo o país? Quem irá se importar com um Ministro que mente - escondendo a verdade - se chamar o Supremo de pizzaria permite resultado muito mais imediato?

Um basta ao espetáculo
 Pergunto: é esse o Supremo que o país precisa, são esses os Ministros que representam a magistratura? É evidente que não.
 Independentemente da posição em relação à AP 470, é hora da comunidade do direito se colocar ante esse fenômeno deplorável do juiz-celebridade. 
 Não serão necessários manifestos, discursos, passeatas. Basta apenas olhar os referenciais, os Ministros que passaram pelo Supremo sem perder a dignidade, os mitos que povoam o Olimpo jurídico por conta do seu conhecimento, da vida regrada e discreta e do apego aos princípios, fazer a elegia do juiz-solitário, imune às pressões do Estado e da turba, os que honraram o mandato, impedindo linchamentos e outras formas de selvageria, ajudando o país a subir degraus da civilização.
 Depois, basta  um mero olhar de desprezo para esses cultivadores do show da vida. Não mais que isso. Com o fortalecimento dos ministros doutrinários (independentemente de posições) - como Lewandowski, Celso e, agora, Teori e Barroso - a diferença de dimensão com o grupo dos 4 fará o restante. 

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