31 de mar. de 2014

A verdade sobre os cabelo na Coreia do Norte

Os cabelos da Coreia do Norte e a falência do jornalismo global
Receita prática e rápida de jornalismo barato: pegue uma notícia esdrúxula numa agência de notícias qualquer, adicione uma dose generosa de pimenta sensacionalista, bata tudo no liquidificador e sirva, sem filtrar, para que os desavisados saiam por aí papagaiando para ajudar a mídia a vender mais notícia barata. A última foi o que a mídia nacional noticiou, ou, ecoou: “homens são obrigados a usar o mesmo corte de cabelo na Coréia do Norte”. 
Quando vi tal notícia no telejornal mais visto do Brasil, eu, escaldado pela gloriosa velha mídia, comentei com quem assistia comigo: quer apostar que essa notícia é falsa? Fui à internet e não deu outra: não há confirmação alguma sobre a veracidade da notícia, que partiu da BBC.

O curioso é que a senha para o desmonte do factoide está na própria notícia disponível no site da BBC, na base da malandragem da “uma fonte ouvida”; ou: “há relatos conflitantes”. Bom, essa coisa de “fonte”, a vaca sagrada do jornalismo (para o bem ou para o mal), é tão confiável como aquela fofoca que você ouviu a respeito do seu chefe a partir do relato do seu colega, que ouviu do vizinho, que ouviu do amigo de um primo que é muito amigo do irmão do chefe. Tudo fonte fidedigna, claro, não importa que você não tenha entendido bulhufas sobre a engenharia da rede de informação do colega.

Voltemos aos cabelos da Coréia do Norte. Pesquisando um pouco mais, você descobre que alguns poucos — porém criteriosos —  informativos desconfiam da tal notícia. O jornal israelense Haaretz, por exemplo, lembra que as extravagâncias do líder norte-coreano Kim Jong-un e mais as dificuldades de se verificar a veracidade da notícia num regime fechado como a Coréia do Norte, dá margem a toda sorte de “criatividade jornalística”.

O que existiria de fato — segundo relatos, frise-se — seria uma campanha na Coréia do Norte para que os homens não usem cabelos compridos. E só. Tal informação teria surgido em 2008 quando o jornal japonês (epa!) Mainichi Shimbun, sem citar fontes críveis, teria noticiado que Kim Jong-il (pai de Kim Jong-un), que adorava basquete, teria torcido o nariz ao ver jogadores de um time norte-coreano de cabelos compridos. “Isso é time de homens ou de mulheres?” — teria comentado o ex-líder norte-coreano, falecido em 2011.

Logo após aquele jogo de basquete, o governo teria espalhado avisos (ninguém sabe informar se é proibição ou orientação) em locais de trabalho para que homens evitassem usar cabelos compridos. Em seguida, um viral na internet passou a espalhar a “notícia” que a Coréia do Norte havia liberado apenas 28 tipos de cortes de cabelos — 14 para homens e 14 para mulheres; a “Radio Free Ásia”, que é bancada pelos EUA (epa! epa!), fala em 10 cortes para homens e 18 para mulheres. Uma pequena divergência ante um contexto tão idôneo, criterioso e relevante com que o jornalismo ocidental presenteia a humanidade, não?!

Moral da história: com dez minutos de pesquisa na internet, foi fácil para um usuário de computador verificar o contraditório que afronta o factoide. Se a velha mídia — com toda sua estrutura (financeira, humana, estrutural e técnica) — é incapaz, ou melhor, não faz questão alguma de verificar isto, é sinal que, para a indústria da informação, a verdade factual se tornou, há um bom tempo, subproduto descartável ante a facilidade de se inventar, manipular e vender uma notícia turbinada para ficar atraente. E se o jornalismo irresponsável tem tal facilidade é porque sabe que, na outra ponta, a maioria das pessoas acatará como verdade — esmagando a minoria com senso crítico que ainda teima em prezar o bom jornalismo e gritar por ele.

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Fontes:
http://www.contextolivre.com.br/
Matéria na BBC:
http://www.bbc.com/news/blogs-news-from-elsewhere-26747649
http://www.haaretz.com/news/features/1.582231
Matéria ecoada pelo Jornal Nacional, da Globo:

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