1 de mar. de 2014

Em Olinda, maracatu difunde raízes africanas no carnaval

Em uma pequena sala comercial, no Bairro de Peixinhos, em Olinda, vários tambores ficam espalhados pelo chão. Esta é a sede do grupo de maracatu Maracambuco. Além dos instrumentos de percussão, que fazem parte da essência do carnaval de Pernambuco, o que mais chama a atenção é o colorido das fantasias dos orixás, como a de Ogum, Deus do Ferro e da Guerra, e de Iemanjá, a Rainha do Mar.
Praticantes do candomblé representam essas divindades ao longo de toda o carnaval, nos grupos de maracatu. A religião, de matriz africana, encontrou na folia espaço para expor a fé, que tevem origem com os escravos.
Maracambuco é um dos tradicionais grupos
de maracatu pernambucano
Divulgação/Governo de Pernambuco
A estrela e protetora da festa é a calunga, uma boneca negra, mística para o candomblé. Nilo Oliveira, fundador do grupo Maracambuco, explica que é a figura máxima do maracatu. “A calunga representa os espíritos antepassados. A minha calunga se chama Isabel Arruda de Oliveira. Representa toda a energia que vem das nações de maracatu e protege todos que estão desfilando.”

A calunga é tão importante que tem uma dama só para carregá-la. No Maracambuco, a guardiã é a operadora de telemarketing Karla Nascimento, responsável por carregar não apenas a responsabilidade, mas também o peso da boneca, toda feita de madeira. “Ela pesa em torno de 15 quilos. Quando estou dançando, pesa ainda mais, tenho que ficar mudando de braço”, conta Karla.

No grupo, a mistura de festa e religião também vem com mais um elemento: a ação social. O auxiliar de serviços gerais Júnior Monteiro é percussionista do grupo. Participa dos ensaios todas as quintas-feiras. Além de aprender a tocar, ele recebe orientação profissional. “Aqui eu consegui meus documentos. Antes, eu fugia para não ter que correr atrás da minha documentação, mas no Maracambuco aprendi a importância de ter tudo certinho para o meu futuro profissional”, diz Monteiro.
Noite dos Tambores Silencioso
pede proteção para o carnaval
Reprodução/TV Brasil

Um dos momentos mais esperados por todos os maracatus é a Noite dos Tambores Silenciosos. No dia da festa, todo mundo capricha no visual e ensaia muito para a noite que é considerada a apoteose. O lugar escolhido para o encontro dos grupos e para o culto às divindades de origem africana não é um terreiro do candomblé, e sim o pátio da Igreja Católica de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

A mistura de religiões também nasceu na senzala, de acordo com o presidente do maracatu Leão Coroado, o pai de santo Afonso Filho. “Esta foi a primeira igreja que abriu as portas para nossos ancestrais. Antes, eles eram enterrados como cachorros [sem identificação], não tinham nome certo nem direito a um batismo. Mas a Igreja do Rosário dos Homens Pretos mudou tudo isso, abriu as portas para nosso povo, está aí uma coisa que a gente não esquece nunca.”

Todos os nove maracatus de Olinda participam da festa, onde se purificam para o carnaval, fazem um culto aos ancestrais e ainda se apresentam para os foliões no sobe e desce das ladeiras. Cada grupo tem um rei e uma rainha, com suas roupas soberanas. Isso para lembrar os antepassados, que conseguiam roupas velhas dos senhores de engenho para usar, de forma escondida, nos cultos religiosos.
Tambores Silenciosos reúne grupos de
maracatu em Olinda
Divulgação/Governo de Pernambuco

O próprio nome do festejo, Noite dos Tambores Silenciosos, é justamente para homenagear aqueles que eram obrigados a esconder a própria fé, como explica o babalorixá e pai de santo Ivo de Xambá. “Faziam cultos em silêncio, quando na verdade sonhavam em tocar os tambores para nossas divindades.”

Para que os tambores não se calem nunca mais, à meia-noite todos os grupos tocam juntos, bem alto, e cantam as loas, que são os louvores. Depois, seguem pelas ladeiras de Olinda e se despedem de centenas de pessoas que acompanham os rituais.

Em Olinda, os maracatus ganham cada vez mais espaço. O grupo Maracambuco foi escolhido como um dos homenageados do Carnaval 2014. No ano passado, o grupo recebeu a Ordem do Mérito Cultural, a mais alta condecoração oferecida pelo Ministério da Cultura. Para o fundador do Maracambuco, é o sinal de que os maracatus estão conseguindo seu lugar. “Maracatu não é só cultura, é história que não pode ser apagada. Sofremos muito preconceito, mas somos filhos de Iemanjá, muito persistentes. No fim, quem manda é o mar”, diz Nilo Oliveira.

por Manuela Castro - Enviada especial da TV Brasil/EBC

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