2 de jun. de 2014

João Saldanha, o Comunista que comandou a Seleção

JOÃO SALDANHA, o comunista que comandou a Seleção Brasileira.
João Alves Jobim Saldanha já nasceu no dia 3 de julho de 1917, ano em que os bolcheviques tomavam o poder na Rússia, instalando o primeiro governo popular da História, que construiria a primeira experiência de socialismo científico na vida humana. Filho de : Gaspar Saldanha e Jenny Jobim Saldanha – refugiados no Uruguai por conta de sua participação no enfrentamento dos maragatos contra os chimangos, no Rio Grande do Sul. 
Voltou pouco tempo depois às terras gaúchas, e, aos seis anos de idade, ajudava os irmãos mais velhos – Aristides e Maria – a carregar armas e munições por baixo da roupa.

Morou em várias cidades do interior, fixando-se finalmente em Curitiba, a dois quarteirões do Atlético Paranaense. O gosto pelo futebol começou ali, jogando com os meninos da vizinhança e assistindo aos treinos atleticanos. Aos 14 anos, Saldanha muda-se para o Rio de Janeiro e aos 18, conseguiu mudar seu registro de nascimento,oficializando-se como natural de Alegrete (RS), onde a família vivia antes de deixar os pampas. No Rio, continuou seus estudos, cursou a Faculdade de Direito, ingressou no PCB, e jogou profissionalmente pelo Botafogo, pouco tempo, parando após fraturar uma perna.

O cronista Rubem Braga assim o descrevia: “Um cara que não perdeu aquele topete gaúcho e incorporou muito da malícia carioca”. E Nelson Rodrigues, escritor e teatrólogo, deu-lhe uma alcunha: João Sem Medo.
Na fase mais dedicada à militância política no PCB, João Saldanha foi assistente político do grupo que conduziu a guerrilha camponesa do Porecatu, no Paraná (1947-1951); ele era o “Professor Siqueira”.

Com larga experiência na redação dos jornais e boletins clandestinos do PCB, Saldanha estreou como comentarista esportivo no Rádio Nacional, tendo se tornado muito popular e festejado pelo modo enfático e simples de comentar e pela criação de frases inesquecíveis, que se tornaram bordões populares, a exemplo de “Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão” e “Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado”.Em 1957, o Botafogo o convidou para técnico. Ele não tinha experiência, mas o clube ganhou o campeonato estadual. Mais um êxito profissional.

Na Copa do Mundo de 1966, o Brasil teve um fraco desempenho. A imprensa, o povo todo, criticava. Era geral o descrédito para a Copa de 1970. João Saldanha também criticava, mas de forma construtiva, dava sugestões. A direção da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) pensou uma cartada. Ele era super-respeitado como comentarista, tinha levado o Botafogo à vitória como técnico. Então, que venha comandar a Seleção Brasileira.

João Sem Medo aceitou o desafio. E disse: “Só vou convocar feras”. Por isso, a imprensa batizou a seleção como “As Feras do Saldanha”. E eram. Pelé, Tostão, Gérson, Rivelino, Carlos Alberto Torres, Jairzinho… “Tive a sorte de contar com um celeiro de craques; lamentei não convocar Ademir da Guia, por exemplo…”1(Ademir era um grande jogador, ídolo da torcida palmeirense).

“Na seleção, mando eu”
O Brasil vivia sob ditadura militar quando Saldanha foi convocado, no governo Artur as Costa e Silva. 1968 foi um ano de grandes mobilizações de massa, especialmente do movimento estudantil, e, em dezembro, veio o AI-5, o golpe dentro do golpe.

Há o endurecimento do sistema, instaurando-se o terrorismo de Estado. Em agosto de 1969, Costa e Silva, considerado da ala moderada das Forças Armadas, adoece. Assume uma Junta Militar e, a seguir, é nomeado para a chefia da o general Emílio Garrastazu Médici. Este não simpatizava com um comunista dirigindo a Seleção,especialmente quando convocou a CBD para uma reunião, e João Saldanha não compareceu.

Ele justificou: “…Eu não teria prazer em apertar a mão de um homem que tinha matado vários amigos meus. Não sei se foi ele quem mandou ou deixou. O caso é que, coincidentemente, trezentos e tantos morreram naquele Governo, o mais assassino da História do Brasil”.
As eliminatórias foram um sucesso, mas, uma semana antes da Copa de 1970, João Saldanha é demitido.

A versão corrente, assumida pelo próprio Saldanha, é que Médici queria mandar em tudo e começou a pressionar em favor da convocação de jogadores de sua preferência, especialmente Dario Maravilha (Atlético Mineiro), pois queria agradar Minas Gerais. Segundo Saldanha, Dario era “…um bom jogador. Era de alto nível, mas não de tão alto nível como os jogadores de que a Seleção Brasileira precisava”.
Médici pressionava a diretoria da CBD, e esta transmitia a pressão para João Saldanha, até chegar ao ponto de João Havelange dizer: “João, não podemos aguentar mais. Pelo amor de Deus, convoque Dario”. “Se convoco Dario, eu ia me avacalhar. Não me avacalhei”.

Há um boato, não comprovado, de que a cúpula do regime se reunira para debater o tema João Saldanha. Houvera uma divisão. Parte considerava que não ficava bem a taça ser levantada por um comunista. Outra parte afirmava que o Partido teria decidido que a Seleção não poderia ser vitoriosa, pois isto serviria de propaganda para o Governo. A minoria confiava em Saldanha e acreditava que ele não se submeteria a pressão de ninguém. Por via das dúvidas, foi decidido demiti-lo. A ordem de convocar Dario teria sido apenas um pretexto.

O fato é que veio a demissão. Assume Zagallo às vésperas da Copa. Manteve o mesmo time. Só teve o trabalho de levantar a taça. Um desempenho fenomenal “As Feras de Saldanha” tiveram no México, levando o Brasil ao tricampeonato mundial.

João Saldanha voltou à sua função de comentarista renomado e continuou militando no PCB até o fim da vida, que aconteceu em 12 de julho de 1990, em Roma, onde fora cobrir a Copa do Mundo, por conta de um enfisema pulmonar. O Brasil caiu nas oitavas de final.

Baseado no texto do Historiador José Levino,
Notas:
1. As citações de João Saldanha foram extraídas da entrevista concedida a Geneton Moraes Neto, em Globo.com.
2. Trecho da canção VIOLA, VIOLAÇÃO, letra de Joaquim Alencar e Camilo de Lélis, que driblou a censura e foi campeã, aplaudida de pé, no Festival de Música de Cajazeiras (PB), ano de 1973.
Fontes de Consulta:•Crônica de Gustavo Grohmann em terceiro tempo.bol.com.br e wikipedia.org.
Colaborou Sandra Cabral no Facebook

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