“Ele apresenta um viés autoritário e antidemocrático”
Em fim de mandato, o atual governador critica Rodrigo Rollemberg e diz que o senador do PSB não vai conseguir fazer tudo o que prometeu durante a campanha.
Afirma que os números apresentados pela equipe de transição adversária são mentirosos e que deixa o cargo de cabeça erguida.
Agnelo quebra o silêncio e ataca o governo eleito
Pela primeira vez desde as crises vividas na cidade nas últimas semanas, com manifestações de servidores e terceirizados insatisfeitos pelos salários atrasados, alagamentos e mato alto, o governador Agnelo Queiroz (PT) se pronunciou e fez um balanço dos quatro anos à frente do Palácio do Buriti. Sem sequer mencionar o nome de Rodrigo Rollemberg (PSB) durante duas as horas de entrevista, o petista se mostrou indignado com as declarações da equipe de transição e rebateu os números apresentados pela futura composição do GDF. O petista garantiu que entregará o governo na normalidade e atacou o sucessor...
Sentado no sofá da Residência oficial de Águas Claras, ele recebeu a reportagem do Correio na sexta-feira. O clima na mansão era de mudança. Os quadros pessoais de Agnelo começaram a ser retirados das paredes e estão sendo levados para a casa do governador, no Lago Sul. Já na primeira manifestação, Agnelo foi contundente ao falar do sucessor: “Será o maior estelionato eleitoral que a cidade já viu”. Em relação às atitudes de Rollemberg, afirmou que “ele apresenta um viés autoritário e antidemocrático”.
Sobre o novo secretariado, o atual governador criticou a extinção da pasta de Transparência. Médico por formação, desejou um bom trabalho a Ivan Castelli, o próximo secretário de Saúde, colega de residência dos tempos de faculdade e antigo auxiliar como subsecretário na Saúde. Ele acredita que é momento de o próximo chefe do Executivo “calçar a sandália da humildade”, parar de criticar e trabalhar para sanar os problemas dos brasilienses.
Desmentindo com veemência os números da equipe de transição, o petista afirmou que os socialistas têm usado dados “mentirosos para jogar uma cortina de fumaça e não cumprir o prometido na campanha”. Ele garante que vai entregar o DF em uma situação muito melhor do que recebeu, em 2011.
Sem ter conseguido passar para o segundo turno, não guarda ressentimento e nem se sente traído. “Muitos aliados, ideologicamente fracos, se intimidaram pela situação. Alguns acabaram pensando apenas em si mesmos, não no projeto coletivo. Mas tudo faz parte de uma conjuntura.”
Como o senhor avalia todo esse panorama que o governador eleito está mostrando de deficit e as reclamações sobre a sua gestão?
Esse deficit de R$ 3,8 bilhões é uma ficção, uma mentira, uma desonestidade absoluta. Eu o desafio a mostrar onde está esse rombo. Nessa atitude, percebo claramente um objetivo de jogar uma cortina de fumaça por quem sabe que não tem como cumprir as promessas de campanha. Depois, ele vai dizer que pegou esse deficit para justificar as medidas impopulares que pretende tomar. O povo vai ver o maior estelionato eleitoral da história da nossa cidade. Querem, desde já, justificar as medidas de arrocho de amanhã, de não cumprir acordos que prometeu com as categorias profissionais e aumentar impostos, como secretários já anunciam. Praticam um estelionato antes mesmo de tomar posse.
Sobre o secretariado e as primeiras medidas anunciadas por Rollemberg, considera que são positivos?
Ele acabou com a pasta da Transparência, que criamos e é a mais bem equipada do país. A ausência do tema mostra o tom das prioridades do seu governo. Acabar com a pasta é acabar com o enfrentamento ao crime organizado. Por não ter status de secretaria, o chefe dessa futura controladoria-geral não vai poder tratar em igualdade com os outros órgãos. Por ter diminuído a força política do assunto, a população vai sentir um golpe violento na transparência das contas públicas. Ele também diz que irá criar um conselho de transparência. Mas isso nós fizemos.
O senhor esperava arrecadar recursos por meio da lei de criação do Fundo Especial da Dívida Ativa (Fedat), mas o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios considerou a medida inconstitucional. Atrapalha os seus planos de recuperar o equilíbrio financeiro?
Atrapalha, mas quem mais sai perdendo é a gestão futura. O governador eleito fez de tudo para barrar o projeto, mas ele acabou sendo aprovado na Câmara Legislativa. Temos passado por uma sabotagem permanente. O que considero antiético e mesquinho é ele ter se esforçado ao máximo para barrar o Fedat, que daria mais dinheiro para o DF. O governo só merece respeito se também respeitar os outros.
E como o senhor viu a disputa para aprovar o projeto na Casa?
O governador eleito foi autoritário e antidemocrático. Ligou para todos os distritais, fez ameaças, perguntou aos parlamentes se iam trocar um mês pelos próximos quatro anos. Na última sessão do ano, na quinta-feira última, tentou aprovar um projeto absurdo no apagar das luzes. Obviamente, não conseguiu. A equipe de transição dele faz um estardalhaço em público, mas quando veem nossas realizações se dizem impressionados. Esses dias, visitaram o Centro de Comando e Controle da Segurança Pública e falaram que não tinham ideia do poder de vigilância que conquistamos. O mesmo aconteceu em um escritório de gestão montado por nós. Foram até lá e não se cansaram de elogiar a nossa iniciativa.
O governador eleito, Rodrigo Rollemberg, afirmou que nunca houve um desequilíbrio financeiro tão grande no Distrito Federal. É isso mesmo?
Não vivemos em uma ilha de fantasia. Todo o Brasil está com dificuldade. Inclusive, boa parte dos estados que mais estão endividados são governados pelo partido do governador eleito. A minha diferença é que provo com dados. Quando entrei, só de reconhecimento de dívidas que o Estado não tinha quitado, era R$ 1,8 bilhão. Eram dívidas que vinham desde 2007. Só da Polícia Militar, por exemplo, eu paguei R$ 153 milhões.
Qual é a expectativa para os próximos quatro anos de gestão no DF?
Conquistei empréstimos milionários que levarão muitos recursos ao caixa do GDF. Do BNDES, trouxe R$ 300 milhões e gastamos apenas R$ 165 milhões; o restante ele poderá investir. Do Banco do Brasil, são R$ 500 milhões disponíveis. Sem falar do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), que ajudou com US$ 220 milhões, US$ 50 milhões para o saneamento básico e US$ 170 milhões para mobilidade. Tudo isso a ser pago em muitos anos, em parcelas cômodas para o caixa e com condições de financiamento ótimas. Portanto, vou deixar a cidade em estado de total equilíbrio, funcionando normalmente. Além dos R$ 4,3 bilhões em investimentos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em obras já em andamento.
O que destacaria do seu mandato?
Fiz mais de 5,3 mil obras, mais do que qualquer outro governador na história do DF. O Expresso DF Norte, por exemplo, beneficiará muita gente. Construí seis Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Elas, juntas, atendem 3 mil pessoas diariamente, o que ajuda a desafogar as emergências. Criamos as creches em tempo integral, reformamos todas as escolas e o espaço físico da maior parte dos hospitais. Hoje, atendemos 100% das matrículas. Não tem uma criança ou adolescente que não consiga vaga nas escolas. O próximo governo pode entrar e se dedicar à área pedagógica, pois a estrutura está toda montada. Não entendo quando a equipe de transição afirma que faltam professores na rede pública. Fizemos concursos e contratamos servidores.
A equipe de transição detectou vários riscos de descontinuidade e desabastecimento...
Eles incluíram como risco até o fim de contrato com 500 médicos. Mas qual é o risco? Eles vão assumir o governo e basta renovar o contrato ou chamar aqueles que passaram no último concurso. Então, há duas opções viáveis. Não há perigo algum nessa questão. No DF, a condição de trabalho que oferecemos é tão boa que mais de 6 mil médicos se inscreveram para concorrer a 1,5 mil vagas. Existem concursos para a mesma categoria no país que sequer conseguem ter o número mínimo de inscritos. Todo mundo, quando chega na campanha, fala que saúde e segurança são prioridades. Durante a eleição, (Rollemberg) prometeu fazer o plano de carreira das polícias. Agora, alega existir deficit para não cumprir o que honrou. Por isso, digo que o estelionato eleitoral está em curso.
Como o senhor avalia essas primeiras ações do próximo governo?
Acho que essa fase em que ele se meteu na nossa administração não foi correta, porque constituiu a transição por um decreto. Os meus secretários ficaram horas conversando com esse pessoal na maior boa vontade. A coordenação deu tudo o que pediram. Depois, pegaram as informações e, de posse delas, chamaram a imprensa e deram números mentirosos, irresponsáveis, falsos, e alegaram que pegaram informações com fontes extraoficiais. Isso me deixou extremamente chateado.
Como o senhor tem lidado com a transição?
O que estou fazendo é o oposto que os colegas de partido dele fazem Brasil afora. No Amapá, o governador eleito teve que entrar na Justiça para conseguir informação porque o socialista que deixou o cargo não o deixa ter acesso. O meu povo aqui, com toda a dificuldade do fim do ano, está trabalhando alucinadamente. Tudo isso para eles chegarem e darem números mentirosos.
Está claro que houve um elevado aumento de gastos com pessoal, reajustes de salários e contratações. O senhor errou na medida?
Não. É uma questão de prioridade. Aumentamos o quadro porque atendemos a demanda. Priorizamos as áreas de saúde, segurança e educação. Contratamos 15 mil servidores vinculados à saúde, 8 mil à educação e 6 mil à segurança e ainda demos acréscimos aos vencimentos dessas categorias. Meu plano era vencer o governo e buscar recursos para custear essa diferença. Não entendo ser criticado por ter dado bons salários e aumentado o número de funcionários.
A que o senhor atribui a derrota nas urnas?
São múltiplos fatores. O ambiente político prejudicou. Fui perseguido como poucos governadores no país. Terminou que a população não fez julgamento da gestão em si. Mas ainda vai ter tempo para fazer, para comparar outras gestões. Nosso mandato é de muita realização. A população tem capacidade de discernimento dos nossos feitos. Verão que deixo o governo com a menor taxa de desemprego e o menor nível de desigualdade da história. Esses são os parâmetros importantes que a população vai ver depois. A massa salarial é maior, nosso crescimento da economia foi muito acima da média nacional. E a cidade nunca se projetou para o mundo inteiro como agora. Essas questões não foram examinadas na plenitude. Tenho essa convicção.
O senhor sente que foi traído?
Não. Os aliados se intimidaram pelo quadro político. E alguns, que são ideologicamente mais fracos, pensaram apenas em si mesmos, não no projeto coletivo. Mas faz parte de uma conjuntura.
O senhor foi colega de residência do próximo secretário de Saúde, Ivan Castelli. O que achou da escolha?
É um bom profissional. Mas, para fazer um bom trabalho, precisará do total apoio do chefe do Executivo.
E como o senhor avalia a saúde pública do DF, quatro anos depois de assumir o governo?
Meu maior desafio era concluir o projeto da saúde e esperava fazer isso no segundo mandato. Reconheço que houve falha na emergência, mas temos um problema, que é atender pacientes do Brasil todo — e os tratamos sem distinção. Por outro lado, hoje, somos referência numa série de áreas, que vão desde a prevenção ao câncer de mama até os mais variados transplantes. Quando assumimos, as macas dos hospitais estavam enferrujadas. Agora, são modernas e elétricas. Criticam a situação da rede pública, mas nunca vi um sistema ruim com a nossa eficiência em realizar transplantes. Infelizmente, tive dificuldades e sofri com a resistência de órgãos de controle externo.
O senhor vai acompanhar o trabalho do seu sucessor em 2015?
Vou deixar quem foi eleito governar. Espero que cumpra o que prometeu. Ninguém é perfeito e governar uma cidade é complexo. Não tem essa história de que não estamos ajudando. Abrimos todas as contas, os chefes das pastas deram toda a atenção possível. Nós, inclusive, contratamos oficialmente a equipe de transição. Estamos pagando os salários e tudo foi publicado no Diário Oficial do DF. Quando fiz a transição, foi tudo voluntário, sem remuneração. Não tivemos essa regalia.
Aliados históricos, o senhor e Rollemberg andaram lado a lado em várias eleições. Depois das últimas trocas de acusações, como fica a relação pessoal entre vocês?
O meu interesse é com a cidade. É olhar para a frente com maturidade. Agora, estou dedicado e fazendo o oposto do que recebi do hoje aliado dele, Rogério Rosso (PSD). Não temos conversado, mas, se for solicitado, posso recebê-lo quantas vezes ele quiser.
Se pudesse dar uma dica ao socialista, qual seria?
Ele tem de calçar as sandálias da humildade, trabalhar — porque governador trabalha até 18 horas por dia — e ter uma equipe competente.
O senhor vai participar da transmissão de cargos e entregar a faixa de governador?
Se ele merecer, eu vou.
E o réveillon? Como fica a virada, sem uma festa?
A tentativa de impedir a realização da festa é política. Quem tenta impedir certamente não passará a virada do ano em Brasília. Estamos fazendo uma festa modesta, mas atrativa. Um evento bacana, para a família. Não acho correto impedirem isso. A cidade está dentro da normalidade e temos condições de fazer a festividade sem prejudicar qualquer outra área.
Não vai faltar dinheiro para pessoal ou questões emergenciais?
Não. Nós temos condição de cumprir os compromissos e fazer a festa, até porque são rubricas diferentes.
Em relação ao estrago causado pelas chuvas na última semana, a que se deve isso? Faltaram investimentos em drenagem pluvial?
Em mais de 30 anos morando em Brasília, nunca vi cair a chuva prevista para o mês todo em apenas três horas, como aconteceu. Para impedir que esses alagamentos acontecessem, investimos muito em drenagem e pavimentação. Mas, na Asa Norte, as obras foram interrompidas por problemas na Justiça.
O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha foi o mais caro do Brasil. Apesar de ter ficado bonito, isso pode ter pegado mal durante a eleição? E qual é a melhor forma para gerir a arena?
O preço do estádio foi superado pelo eleitor. Isso não está mais em discussão, pois a arena colocou Brasília no circuito de grandes eventos nacionais e internacionais. Temos uma comissão que está avaliando essa questão internamente. Há vários modelos de gestão a serem considerados. Esse tema do preço está superado. Nem os adversários criticam.
Como o senhor termina o mandato? Sai com a cabeça erguida?
Deixo o governo com a consciência tranquila e a cabeça erguida. Claro que poderia ter feito mais, por isso me candidatei à reeleição. Poderia ter tido a preocupação de dar mais publicidade ao que fiz desde o início do mandato. De qualquer forma, deixo mais de 5 mil obras e fiz mais do que qualquer outro governador em todas as áreas. Desafio o próximo governador a fazer tantas obras.
A máquina está realmente inchada, como afirmam os socialistas? É viável reduzir em 60% o número de cargos comissionados?
Vou entregar o governo com 4 mil comissionados a menos do que recebi. Dá para reduzir em 60%? Dá sim! Mas aí será um governo que não resolverá os problemas da população. Vou esperar o corte dos comissionados.
Como o senhor avalia a construção do novo centro administrativo, erguido em Taguatinga?
O centro é um modelo de PPP (Parceria Público-Privada), uma forma criativa de realizar mais por menos. Não gastamos um real. Começaremos a pagar assim que recebermos, em parcelas cômodas para os cofres públicos. Vamos reduzir aluguéis, movimentar o metrô e racionalizar a gestão do DF. Hoje, ela é descentralizada e o futuro governo terá oportunidade de despachar com todos os secretários no mesmo prédio, o que vai melhorar a comunicação interna.
O senhor pretende voltar em 2018?
Acho que não. É um sacrifício muito grande. Você abre mão da família, da saúde. E Brasília tem uma característica peculiar. Aqui, o chefe do Executivo local é governador e prefeito ao mesmo tempo. Então, temos que resolver desde os pequenos problemas do cotidiano até as grandes questões. O telefone toca de madrugada. Para fazer tudo isso, tem de gostar muito. E eu gosto. Mas, por enquanto, não penso em voltar.
Fonte: Correio Braziliense
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