Seria natural que a “Comunidade Gay” fosse um paraíso de aceitação pronto para receber seus filhos. Entretanto, não é isso que acontece.
Ao invés de buscarmos o respeito à diversidade – que gostamos tanto de dizer ser nosso objetivo – seguimos na eterna busca da aprovação dos heterossexuais
Por Fabricio Longo, em Os Entendidos
GAY [guêi] adj. Informal. 1. Homossexual. Que se refere à homossexualidade: relacionamento gay. 2. Que demonstra comportamentos, particularidades e/ou ações características de homossexual: evento gay. s.m. e s.f. Aquele ou aquela cuja atração (afetiva e/ou emocional) é demonstrada e/ou direcionada a pessoas do mesmo sexo: ela é gay, logo, tem uma namorada. 3. (Etm. do inglês: gay) Alegre, vistoso.
A apropriação de termos ofensivos é um dos pilares da cultura de resistência. A palavra “gay” era utilizada em tom pejorativo por significar “alegre”, para deixar claro que a frescura – ou “alegria” – não era um traço desejável em um homem. Como o machismo necessita da constante afirmação do masculino, transforma tudo que é afeminado – ou seja, gay – em algo desprezível, menor. Chega a ser irônico que a palavra usada para definir homossexuais seja essa…
Ser gay dói. É difícil. Apesar de impressionantes avanços dos últimos 40 anos, perceber-se homossexual ainda envolve muita negação e rejeição. Há o medo de contar para a família, o medo de passar a vida sozinho, o medo de sofrer com a violência das ruas, o medo do preconceito nos espaços de trabalho… Tudo isso parece passar quando vivemos o momento libertador de “sair do armário”, já que admitir essa identidade tira o peso do segredo, de uma dor solitária. Acontece que esse “assumir-se” é uma resposta à pressão social por uma definição. Por mais gostoso que seja, transforma-se em outro pedido desesperado por aceitação, como um “tá bom, sou isso mesmo, já podem me encaixar em X modelo de sociedade”. E não há nada de alegre nisso.
Seria natural que a “Comunidade Gay” fosse um paraíso de aceitação pronto para receber seus filhos, inclusive com as variantes que formam nossa sigla atual, ALGBTTIQ. Entretanto, não é isso que acontece. Ao invés de buscarmos o respeito à diversidade – que gostamos tanto de dizer ser nosso objetivo – seguimos na eterna busca da aprovação dos heterossexuais. Por sermos definidos como divergentes do “padrão de referência”, procuramos obsessivamente “nos desculpar pelo incômodo” e corrigir a nossa falha, entrando num padrão definido para nós, por aqueles que nos rejeitam.
Alteramos nossos corpos.
“Gay” é um padrão que vai muito além de desejos sexuais ou de identidades culturais. É um nicho social que tem regras rígidas, reproduzidas quase sem pensar. Um “homem gay ideal” precisa ser melhor do que um heterossexual. Mais bonito, culto, bem cuidado, estiloso… É como se a “falha” da homossexualidade tivesse que ser compensada com uma série de qualidades fabulosas de anúncio de revista. Dentes brancos, cabelo liso e bem penteado, corpo sarado, porte atlético, barba desenhada porque a aparência masculina deve ser cultivada. Somos lindos e gays, mas apenas quando parecemos uma coleção de bonecos Ken!
A cada final de semana, as redes sociais são inundadas por milhões de fotos de homens gays, sempre exibindo a felicidade conjunta de festas e eventos badalados. É fumaça, bons drink com energético, corpos brilhando de suor e raios laser iluminando as pistas. Curiosamente, ninguém usa camisa. Somos lindos e nossos corpos conquistados à duras penas nas academias precisam ser exibidos. Ao que parece, é o único meio de sermos desejados e admirados. Validados pela luxúria alheia. Padronizados. Aceitos.
É o “bom estereótipo gay”, já que essa beleza branca e endinheirada nunca é questionada. O gay que incomoda é a “bichinha pão com ovo”. Os “machos sarados” são motivo de inveja entre homens HT e um desperdício na opinião das mulheres. Gordos “nem parecem gays”, e como não são aceitos pelo padrão vigente precisam criar um nicho próprio, a toca dos ursos. Negros são a minoria da minoria, transformada em um fetiche por pau grande.
Nesse mar de generalizações, só temos em comum o estigma da promiscuidade. Nossa liberdade sexual goza do sabor predatório que o machismo empresta à sexualidade de todos os meninos, com a vantagem de que nossos parceiros são nossos iguais, sem repressão. Talvez seja esse o nosso pecado imperdoável, que precisa ser coberto de culpa como forma de punição. Ao sermos reduzidos a nossos desejos sexuais, somos privados de nossa identidade e considerados um pouco menos humanos. Viadosmesmo.
Esse castigo é doloroso porque não importa o tamanho do esforço, pois continuaremos à margem. Somos lindos, mas sacrificamos nossos afetos para manter um padrão inatingível, que nos oprime. Na busca por uma perfeição inventada, criamos outra coisa para rejeitar em nossos corpos e nossas subjetividades. Não há nada de alegre nisso… O que é TÃO gay!
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