Despertei como de costume, quando o sol veio visitar meu apartamento. Alguns raios rebeldes se insurgiram às cortinas e com a ajuda do vento conseguiram alcançar meu rosto.
Estiquei o corpo, abri as janelas. Diante dos meus olhos as folhas em verde escuro, na copa das árvores, faziam sua dança ao som dos passarinhos.
De Brasília
Iberê Lopes
Para o Blog do Arretadinho
Revisei as páginas dos jornais, poucas notícias poderiam fazer a vida mudar. Servi um café e fiquei observando a rua, a cidade vazia e finalmente silenciosa. Enquanto folheava com preguiça para ler, passava os olhos pela alegria das luzes coloridas nas várias partes do mundo. Anunciando o amor em tantas formas, gestos e delícias. Vendendo um planeta repleto de paz e harmonia.
E pensei numa poesia nova, outro verso intacto que provocasse em poucos a arte singela de adorar a vida. Para meu espanto, lembrei de tantos desgarrados, marginalizados pela opressão do vil metal. E da insana forma humana de conviver, da nossa estranha natureza belicista. Do modo como avançamos sobre territórios e inventamos fronteiras. Aos que não tem espaço nas manchetes dos diários resta a dor e a angústia de celebrar a sobrevivência.
Imaginei, como um fato infelizmente provável na realidade, um amor apartado por um muro. Vergonhosamente me deparei com mais de 720 quilômetros de concreto erguidos por Israel para isolar a Palestina. Em poucos minutos o ato inconcebível, cruel, desfazia minha crônica pela tristeza.
Em uma minuciosa pesquisa, fotos davam conta de descortinar o que ricos países, interessados no comércio de armas e nas riquezas da região, negam existir. Crianças palestinas brincando sobre os destroços das sucessivas ofensivas militares israelenses. Declarando a independência da alegria, mesmo diante da infância perdida. Sentados num velho colchão, talvez pensassem poder voar como Aladim. Viajar com liberdade e destreza pelos céus do planeta.
Ao volante de um veículo, destruído e sem os vidros, um menino guia – em sua fantasia - uma dezena de pequenos palestinos que se aventuram pelo que restou de uma avenida. Entre prédios desmoronando, escolas bombardeadas e casas em ruínas, aparece um sopro de vida. Claro, estes representam os que resistiram aos ataques desumanos empreendidos por Israel.
No que espero ser o "último capítulo" dessa história de atrocidades, em agosto de 2014, mais de 400 meninos e meninas, inocentes, foram levados ao reino dos céus. Conduzidos, certamente ao paraíso por sua angelical e indefesa condição, pelas balas do regime sionista à morte prematura. Ceifados assim, sem chance de se defender. Futuros e esperanças retalhados, desfeitas tantas famílias. Pelo acaso incerto, quem sabe um amor anunciado, também ali se esvaía. Quem sabe?
Queria muito, quando ouvi os pássaros esta manhã em sinfonia celestial, dizer um pouco mais sobre a necessidade de amar. E fui conduzido à complexidade de uma sociedade ainda distante de ser fraterna. O que nunca irá me deixar falecer a vontade intensa, impressa na luta concreta, de ver a solidariedade ser construída na rapidez em que os muitos muros são feitos. Não. Este não é, definitivamente, um epitáfio de versos desacreditados escritos na lápide dos meus sentimentos.
Ainda verei, mesmo que com os olhos entreabertos pelo tempo, cheios de água emocionada, escorrendo pelas marcas da pele enrugada, um amor verdadeiramente genuíno espreitando desconfiado acima de um muro imaginário a sua paixão. Derruba, então, em coloridos pedaços os medos que os separam e se entregam finalmente à pureza universal de amar. Vou seguir cantando até que o sonho se realize. No coração de todos a paz seja a poesia mais linda que alguém já escreveu. Fim.
Sobre os Muros da Vida por Iberê Lopes
Aos meus irmãos e irmãs que lutam pela soberania do povo e do Estado da Palestina. Dedico à todos através desta homenagem aos guerreiros e guerreiras Sayid Ahmad, Jihan Arar, Ricardo Alemão e Socorro Gomes.
http://iberelopesversos.wordpress.com/
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