Menina de oito anos polemiza cantando funk ostentação e usando roupas sensuais
De Brasília
Joaquim Dantas
Para o Blog do Arretadinho
Longe de mim querer defender valores moralistas ou fazer um discurso puritano em defesa das crianças, mas o assunto chamou a minha atenção e penso que existe um contexto a ser debatido e não apenas o fato de uma criança de oito anos erotizada.
“MC Melody” é o codinome dado a uma menina de oito anos que é agenciada e produzida como funkeira por seu pai, Thiago Abreu, de 26 anos, também conhecido como MC Belinho. A menina tem causado polêmica nas redes sociais cantando letras misóginas e poses hipersexualizadas, ou ainda em fotos segurando maços de dinheiro. Sua página no facebook já saiu do ar uma vez por conta de denúncias em relação ao conteúdo inadequado associado a sua imagem.
Não vou reproduzir aqui as fotos dela, mas com uma visita rápida em uma de suas páginas (são duas oficiais, uma com cerca de 175 mil curtidas e outra com quase 125 mil) é possível ver diversas montagens e comentários hostilizando a menina. São desde piadas maldosas com o fato dela ser criança, passando por cyberbullying com características de seu corpo (que é infantil e ainda assim colocam sutiã de bojo para parecer adulto) até xingamentos como “puta”, “piranha” e “prostituta”. A maioria esmagadora dos comentários é feita por adultos.
O funk é um ritmo musical popular e é também um movimento cultural reconhecido que nasceu na periferia e por isso sofreu e sofre muito preconceito. Mas é preciso deixar claro que o problema em questão não é o funk. O problema em sua raiz não é as meninas serem fãs de Anitta e imitarem seus passos de dança, assim como o pai de Melody supõe no vídeo. O problema é que a grande mídia percebeu essa popularidade e estimulou variantes como o funk ostentação, que supervaloriza a acumulação de riquezas e o padrão de beleza super erotizado na mulher.
Segundo a jornalista Jéssica Romero, "O fato é que interessa a alguém hipersexualizar cada vez mais cedo os corpos e comportamentos das meninas. Interessa a todas as revistas que esperaram ansiosamente Sandy, Bruna Marquesine, Marina Ruy Barbosa e tantas outras completarem 18 anos para as colocarem em suas capas e poderem vendê-las como “mulherões”. Esperaram para venderem seus ensaios sensuais, suas entrevistas com declarações “picantes”, suas fotos na praia e seus flagras com o novo namorado. Interessa também à indústria da pornografia infantil e da pedofilia. Interessa aos que fantasiam com "lolitas" e "colegiais"", afirma a jornalista. Isso sem contar o interesse dos pedófilos, que conseguem se manifestar livre e impunemente ao comentarem as postagens na página da menina.
Já para a psicóloga Analu Costa. “Ela está apenas reproduzindo. Essas letras firmam ainda mais a ideia de rivalidade feminina, da exaltação de padrões de beleza e de supervalorização do homem. Além de reforçar a hipersexualização precoce, floresce nela esta estima por ser desejada, o que a coloca em risco de assédio por parte daqueles que tiveram contato com sua exposição na internet e em shows. Ela está aprendendo que a vontade de uma mulher não é maior que o desejo de um homem, e não só isso, é possível também que ela ainda encare esse assédio como algo lisonjeiro e não ofensivo”, alerta Analu.
Ainda de acordo com a psicóloga, a hipersexualização pode estar relacionada a um processo de vitimização, ou seja, de aumentar o risco das meninas sofrerem alguns tipos de violência, especialmente a violência sexual. Expor e hipersexualizar uma criança é coloca-la na mira de pedófilos e agressores sexuais. “A menina hipersexualizada cresce com o ideal de que deve servir aos homens não importa como, não tendo a clareza de diferenciar o que é violência e o que é um relacionamento adequado”, afirma Analu.
A situação de Melody é abusiva de várias formas, a começar pelo caráter de comercialização de sua infância. “Foram os pais que observaram um potencial de lucro e passaram a empreender em cima da comercialização da intimidade dela. Uma criança de oito anos deveria estar engajada em atividades relacionadas a este período do desenvolvimento e não sendo explorada e sexualizada por adultos que visam lucro e fama em detrimento de sua infância. Seu pai a expõe a situações constrangedoras na expectativa de poder faturar com a visibilidade que ela alcança, sem ponderar o que é o melhor para ela, e as consequências negativas disso”, diz a psicóloga Analu Costa.
Ainda para a jornalista Jéssica, "Melody divide opiniões e causa polêmica porque está exposta. Ela mostra o que a sociedade esconde debaixo do tapete ou tenta disfarçar com a indústria do “entretenimento”: a misoginia, a pedofilia, o machismo e os vários tipos de discursos de ódio. A superexposição de Melody na internet é a fogueira da inquisição moderna. O chocante é que a caça às bruxas está acontecendo cada vez mais cedo. Ela tem oito anos. É uma criança".
De acordo com a assistente social Rafaela Barros, a situação de Melody viola vários direitos presentes no ECA. Para ela, é claro que o Estado é omisso no caso da menina e deve intervir proibindo sua superexposição na internet e a realização de shows em casas noturnas. “No ECA estão dispostas medidas de proteção que devem ser aplicadas sempre que os direitos da criança forem ameaçados, ou seja, apenas a ameaça a esses direitos configura uma situação de risco e já é motivo para entrar com uma denúncia ou medida de proteção que evite uma situação mais grave de violação total de direitos. Isso ocorre quando há omissão dos pais ou da sociedade, que é o que vemos nesse caso”, esclarece Rafaela.
Origem do funk
Os músicos negros norte-americanos primeiramente chamavam de funk à música com um ritmo mais suave. Posteriormente passaram a denominar assim aquelas com um ritmo mais intenso, agitado, por causa da associação da palavra "funk" com as relações sexuais (a palavra funk também era relacionada ao odor do corpo durante as relações sexuais).
Esta forma inicial de música estabeleceu o padrão para músicos posteriores: uma música com um ritmo mais lento, sexy, solto, orientado para frases musicais repetidas (riffs) e principalmente dançante.
Funky era um adjetivo típico da língua inglesa para descrever estas qualidades. Nas jam sessions, os músicos costumavam encorajar outros a "apimentar" mais as músicas, dizendo: Now, put some stank (stink/funk) on it!" (algo como "coloque mais 'funk' nisso!"). Num jazz de Mezz Mezzrow dos anos 30, Funky Butt, a palavra já aparecia.
Devido à conotação sexual original, a palavra funk era normalmente considerada indecente. Até o fim dos anos 50 e início dos 60, quando "funk" e "funky" eram cada vez mais usadas no contexto da soul music, as palavras ainda eram consideradas indelicadas e inapropriadas para uso em conversas educadas.
A essência da expressão musical negra norte-americana tem suas raízes nos spirituals, nas canções de trabalho, nos gritos de louvor, no gospel e no blues. Na música mais contemporânea, o gospel, o blues e suas variantes tendem a fundir-se. O funk se torna assim um amálgama do soul, do jazz e do R&B.
O debate está posto, há os que defendam o pai da menina e os que o acusam até de pedofilia, o fato é que não me parece sensato submeter esta criança à toda essa exposição.
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