27 de jun. de 2016

Capetalismo - por Lelê Teles

O capeta - os exemplos nos saltam à vista - tem ajudado muito parasita a ganhar dinheiro.

Chamo esse novo sistema econômico de capetalismo.

A Teologia da Prosperidade, contrariando as previsões de Machado de Assis - o Bruxo do Cosme Velho - mostrou que a Igreja do Diabo pode florescer quando encontra terreno fértil.

Jesus, o Cristo, na parábola do grão de mostarda, talvez vaticinasse, também, esse funesto episódio.

Explico tudo.

Tive insônia, levantei-me na madruga, liguei a TV e vi uma mulher com as mãos para trás, os joelhos semi dobrados, a cabeça baixa, emitindo um som gutural.

Uma voz feia, cavernosa, grossa e artificial.

Em sua frente, um camarada de gravata de seda, sapato bem lustrado e microfone na mão. Dava ordens a satã para que se curvasse a seus pés.

"Rasteja, demônio; curve-se diante do senhor; sai desse corpo que ele não te pertence..."

A atriz, que representava o Coisa Ruim, obedecia, genuflexa.

A plateia delirava: "Aleluia!", "oh glória..."

Um teatro tosco.

Cocei o saco, cocei a cabeça, cofiei os bigodes...

Pensei, pelas barbas de Bin Laden!

Quando adolescente fui a muitos shows de Black e Death Metal. Ali se cultuava o capeta, os jovens faziam chifres com os dedos, usavam camisetas com gravuras demoníacas e, mesmo assim, nunca vi ninguém incorporar o Sete Peles.

Com mil diabos. 

Por que diabo o diabo iria boicotar shows em sua homenagem e ao mesmo tempo fazer questão de aparecer em cultos evangélicos onde a moçada iria escarnecer de sua figura, humilhá-lo e torturá-lo?

Não fazia sentido. Não faz sentido.

Os pilantras usam esse teatro macabro para achacar os fiéis, amedrontados. 

Tudo é o demônio: seu marido a traiu, é o diabo; seu filho usa drogas, satanás; seu pau não sobe mais, obra do tinhoso; perdeu o emprego, coisa do cão...

Bota uma grana aqui no bolso do pastor que a gente faz um desencapetamento.

Aí usam Jesus para dizer que com ele você vai conseguir o que sempre sonhou, esquiar, comprar um carro novo, transar todos os dias.

Fraude. Jesus nunca deu nada para ninguém, nem ajudou a ganhar. 

Deu luz a cegos, retificou o gingado de coxos, deu molejo a entrevados... 

Mas nunca se viu um cabra montado num burro com uma placa no rabo do equídeo: "foi Jesus quem me deu".

Tá lá nos Evangelhos, quando um playboy se aproximou do Mestre, querendo ficar ainda mais rico, Jesus o ordenou a doar tudo o que tinha aos pobres: óculos escuros, Ferrari de quatro patas, perfume com essência de tâmaras, propriedades, cabritos, tudo.

Quem oferece presente é o diabo.

No deserto, Jesus o encontrou. Ele fez o que faz qualquer pastor: "venha para minha congregação e eu te ofereço tudo isso que a sua vista alcança".

Robert Johnson, certa vez encontrou o belzebu numa encruzilhada, fez um pacto com ele e tornou-se uma lenda do blues, comeu mulheres e ganhou dinheiro. 

Raul Seixas diz que o diabo era o pai do rock; órfão, fez-se filho do canhoto, encheu o capiroto de elogios e encheu as burras de grana.

Ozzy Osbourne e outros picaretas ganharam fama e grana em nome do Senhor das Trevas. 

Tudo isso é capetalismo.

Com a ascensão de Cunha e seu parlamentarismo branco, o Brasil corre o risco de se tornar a primeira capetocracia do mundo.

O diabo anda solto, não se pode mais vestir vermelho que se é achincalhado. 

Se sair todo de branco, leva pedrada na cabeça. 

Se usar as cores do arco-íris - todas juntas - será torturado.

O lance agora é todo mundo de terno, com um livro preto debaixo do braço, falando em satanás e contando dinheiro.

São tempos sombrios, trevosos.

Palavra da salvação.

Lelê Teles é Jornalista, publicitário e roteirista.

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