7 de abr. de 2017

Paixão de Honestino reporta a resistência à ditadura na UnB

A história e a memória se entrelaçam e se complementam nesta importante obra biográfica de um dos mais importantes líderes estudantis que o Brasil já conheceu: Honestino Guimarães. Betty Almeida, a autora de “Paixão de Honestino”, o conheceu bem de perto, com ele lutou contra a opressão naqueles tempos sombrios. Com ele também conviveu, mesmo depois do seu desaparecimento, ao fazer a sua pesquisa para este livro ao conhecê-lo tão de perto nas rememorações de sua mãe, de seus irmãos, de sua filha, de suas ex-mulheres e de tantos companheiros de luta, além dos arquivos em que foi buscar fontes oficiais para traçar esse relato histórico tão primoroso e fiel aos acontecimentos que marcaram a trajetória desse militante que se destacou desde o início por sua combativa intervenção no movimento estudantil e se designou a ser protagonista de uma luta histórica e heroica.

Na luta pela resistência à repressão e à tirania na Universidade de Brasília durante o período do regime militar no Brasil, mais conhecido como os anos de chumbo, que se estendeu de 1964 a 1985, Honestino Guimarães, que não viveu o suficiente para ver a derrocada do regime que ele tanto combateu, foi um líder inconteste. A autora recupera a trajetória do militante libertário e traz aos leitores de hoje a reflexão do que essa memória pode significar nos dias atuais para os que ainda lutam por liberdade e por uma sociedade menos injusta e desigual.

“Paixão de Honestino” distingue-se da grande maioria dos livros dedicados a biografias por se propor a trazer à discussão elementos da memória e da “desmemória” brasileira em relação aos anos de chumbo não como uma concepção linear do tempo, mas de como esse tempo (de triste memória) pode nos conduzir à intensidade da história vivida por Honestino Guimarães e por muitos de seus companheiros de luta dentro do movimento estudantil, que atribuíram a si um papel histórico na esperança de transformação da triste realidade em que o país estava mergulhado. Parece que a autora foi coerente com a ideia benjaminiana de que o tempo não é espacializado e percebido quantitativamente, mas com a percepção qualitativa desse tempo. Betty Almeida nos passa a sensação de que o interesse pelo passado histórico pode guardar as marcas das lutas atuais, na perspectiva de que “ninguém se esqueça, sobretudo, de que os passos ainda trôpegos com que avançamos hoje para o futuro seguem a trilha que ele e outros de sua têmpera ajudaram a abrir”.

As relações entre os estudantes e a administração da Universidade naquele período jamais foram serenas. As tensões eram constantes, com as obsessivas perseguições e invasões de tropas policiais no campus. Os estudantes sabiam que essa não era uma luta fácil e que poderiam até perder a vida tal a disposição das forças repressivas. Mas mesmo assim lutaram. Entre as instituições visadas pelo governo militar, a UnB foi uma das mais perseguidas exatamente por ter entre seus estudantes grandes lideranças. Ela passou a ser vista como parte de um movimento nacional pela desestabilização do regime.

E foi nesse ambiente que se forjaram concepções de mundo e de ideologia, que eram amplamente debatidas e despertaram nos jovens o sentimento da brasilidade revolucionária amparada nos exemplos da revolução cubana e nos ensinamentos de Che Guevara. A essas utopias transformadoras seguiram-se o caminho para a resistência nas manifestações de rua e nas greves estudantis. Muitos dos fundamentos históricos e sociais do movimento estudantil e do período em que durou o golpe estão contidos na narrativa de Betty Almeida. Ideias radicais despontavam entre a juventude mais combativa. Honestino Guimarães se manteve firme em seus princípios; lutava pela democratização do país, mas não queria a luta armada.

Honestino nunca quis a violência, mas foi sua principal vítima. Preso inúmeras vezes, amargou inquéritos que lhe impingiram 25 anos de prisão. Sem alternativa, entrou para a clandestinidade. Sabia que seu destino estava traçado. Mesmo assim, fiel a seus ideais, foi um resistente a se exilar, “para não deixar de cumprir seu papel na História e, sobretudo, para não abandonar os que ficaram”.

Hannah Arendt afirmava que a vida humana, “na medida em que se empenha ativamente em fazer algo, tem raízes permanentes num mundo de homens ou de coisas feitas pelos homens, um mundo que ela jamais abandona ou chega a transcender completamente” – é assim que se torna possível enxergar o percurso de Honestino na Terra. Sua história é feita de muitas histórias entrelaçadas com seus familiares e seus companheiros de luta, fazendo surgir um sentido libertário que se contrapunha às formas totalitárias de poder, com a esperança e a crença na transformação do mundo. E foi por essa crença que ele lutou. E perdeu a vida. Até hoje não se sabe como. Desapareceu em 10 de outubro de 1973 e levou consigo a sua certeza de não aceitar a condição de oprimido e ter como perspectiva o direito à liberdade e à cidadania.

Maria Rosa, sua mãe, se revelou uma mulher totalmente investida de um amor profundo e desmedido em sua busca desesperada pelo filho desaparecido. Bateu em todas as portas possíveis na tentativa de obter respostas. Ouviu até promessas de visita ao filho na cadeia… Em vão. A ela coube apenas as lembranças de um filho determinado a lutar até a morte por suas convicções tão conhecidas e presentes nele desde sempre, como está dito em um poema escrito aos dezoito anos, em que diz: “Eu construo a verdade do mundo/ e a busco na igualdade de todos/ e na liberdade do homem./ Pois eu construo a festa/ cantando e lutando por um mundo liberto e igual/ pelo mundo que vai chegar/ com a manhã mais bela que as manhãs todas, / com a festa dos homens livres. E eu luto pela festa do mundo.”

por  Inês Ulhôa no Portal Manga com Leite

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