Manuela D’Ávila lançou o livro “Revolução Laura” na última quarta-feira | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Dezenas de pessoas com diferentes idades e estilos formavam uma fila que fazia a volta em dois ambientes do Bar Ocidente, em Porto Alegre. Ao lado da fila, camisetas e ecobags estampadas com a frase “Ninguém solta a mão de ninguém” estavam à venda. No salão principal, crianças corriam, lanchavam e dançavam ao som de vários estilos musicais, enquanto um jogo de luzes roxas iluminava o local. Dente elas, a pequena Laura interagia com todo mundo e volta e meia corria até o palco para mostrar um presente que havia ganhado ou contar algo para sua mãe. Foi nesse cenário que a ex-deputada Manuela D’Ávila lançou, na noite da última quarta-feira (27), seu primeiro livro, intitulado “Revolução Laura”, e o instituto “E Se Fosse Você?”, que busca promover um debate e combater notícias falsas geradas e veiculadas nas redes sociais.
Em entrevista ao Sul21, realizada minutos antes do início do evento no Ocidente, Manuela explicou que não foram somente as mentiras atreladas à sua imagem que a motivaram a criar um instituto com conteúdos que debatem de maneira didática o cenário das fake news e de ódio nas redes sociais. “Foi a incapacidade do resto da esquerda de perceber que aquilo [fake news] não era algo contra mim, ou contra o Jean [Wyllys] e contra a [Mária] Rosário. A maior parte do nosso campo político tratava como se pudesse ficar distantes dos sujinhos. Então nós éramos os sujinhos porque decidimos falar sobre aborto, sobre casamento gay, porque decidimos entrar nas pautas entre aspas identitárias”, afirma.
Manuela também pontuou que as notícias falsas são ferramentas que estruturam atualmente o fascismo no Brasil: “A forma como o fascismo se estrutura é a forma como eles desumanizam o nosso campo político para construir um monstro, como é o Bolsonaro. Me espanta o fato de as pessoas ignorarem essa realidade. Para mim, é uma história óbvia, mas muitas pessoas não têm a menor noção do quão relevante é hoje no Brasil o tema das fake news”.
“A forma como o fascismo se estrutura é a forma como eles desumanizam o nosso campo político para construir um monstro, como é o Bolsonaro”, afirma Manuela | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Durante o período eleitoral em 2018, Manuela, que concorreu nas eleições presidenciais como vice-presidente de Fernando Haddad (PT), teve diversas fake news associadas à sua carreira política e à sua vida pessoal, muitas delas divulgadas por perfis em apoio ao então candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL). O fortalecimento da disseminação de notícias falsas nos últimos anos não afetou somente Manuela, mas também diversos outros políticos que concorreram à algum cargo ou que são amplamente conhecidos.
No primeiro turno das eleições, por exemplo, foi criado um canal no WhatsApp que recebia denúncias de fake news contra o ex-presidente Lula e os então candidatos Fernando Haddad e Manuela D’Ávila. A ferramenta recebeu mais de 15 mil denúncias em 24 horas. Ainda, episódios como o do ‘kit gay’, uma fake news propagada por Bolsonaro e pela extrema-direita para desqualificar a candidatura de Haddad e Manuela, foi uma das situações que motivaram um senador chileno a criar um projeto legislativo chamado ‘Lei Bolsonaro’, para destituir a candidatura de pessoas que criassem notícias falsas como arma política.
Para ajudar no combate às notícias falsas, Manuela decidiu publicar, em seu canal no YouTube, vídeos que contam histórias de pessoas afetadas por essas práticas. Até o momento, três episódios já foram ao ar. O primeiro, publicado no dia 8 de março, é sobre a blogueira feminista Lola Aronovich, que durante anos foi vítima de diversas notícias falsas, muitas delas criadas dentro do fórum Dogolachan. Manuela conta que, inicialmente, o vídeo teve uma repercussão positiva. “As pessoas não tem muito noção do que que acontece. E o primeiro episódio acabou se tornando ainda mais atual porque aborda o Chan, que depois ficou conhecido por ter sido onde foi articulado o episódio de Suzano. Foi uma coincidência absolutamente infeliz, mas que acabou dando esse ar de veracidade que, às vezes, as pessoas sentem dificuldade em crer de tão horrível que é”.
“Dizer que a gente ama alguém, que gostamos de ser mães, e continuar existindo fora do padrão de bela, recatada e do lar também é uma forma de enfrentamento” | Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
O segundo episódio, no entanto, gerou uma reação negativa por parte de perfis de extrema-direita ou bolsonaristas. O vídeo fala sobre as notícias falsas que foram associadas à Marielle Franco após sua morte e foi publicado no dia em que se completou um ano do assassinato da vereadora e do seu motorista Anderson Gomes. Manuela conta que, após a publicação do episódio, a direita se articulou para promover discursos de ódio no post.
Além do canal no Youtube, também foi criado um podcast para publicar entrevistas com pessoas relacionadas ao assunto dos vídeos. Segundo Manuela, a proposta do instituto é continuar publicando esses conteúdos que contam a história de casos específicos para dialogar sobre o cenário das notícias falsas, mas também produzir materiais didáticos sobre o tema. “A nossa ideia é na próxima etapa conseguir viabilizar um conjunto de materiais didáticos sobre educação e sobre protocolos de convívio virtual”. Ela explica que o financiamento o do instituto se dá por meio da venda do livro “Revolução Laura”, de camisetas e de um financiamento coletivo no Apoie-se.
Para a ex-deputada, é preciso que haja a construção de uma cidadania virtual que garanta um ambiente de liberdade dentro das redes, mas sem a produção de notícias falsas. “Um dos receios que eu tenho é que o resultado das fake news seja o que a extrema-direita quer, que é nós apoiando uma legislação de vigilantismo apresentada como solução por parlamentares que desconhecem o tema. A direita sempre quis criar um ambiente de vigilância e de censura nas redes. No final do segundo turno, tinha gente de esquerda defendendo a quebra da criptografia no WhatsApp. E isso é dar permissão para que os governos acessem os nossos dados. Uma das coisas que a gente quer fazer é apostar na consciência individual mesmo” afirma.
O primeiro livro de Manuela fala sobre a trajetória dela com a filha ao longo dos últimos anos dentro do cenário político. Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
Revolução Laura”
Após terminar de escrever o livro que fala sobre sua trajetória como uma mãe com carreira política, que sempre que pode levou a filha em votações na Assembleia Legislativa e na campanha eleitoral, Manuela sentiu um certo receio ao pensar que as pessoas iriam saber detalhes sobre o que ela e Laura passaram ao longo dos últimos anos. Foi pensar na relação que ela desenvolveu com outras mulheres que fez com que ela se sentisse tranquila em expor tanto da sua história. “A maternidade me aproximou muito de outras mulheres. Então ter coragem de me expor é, num certo sentido, quase uma forma de agradecimento às outras mulheres que me deram força para conseguir vencer as minhas batalhas durante o processo eleitoral”, conta. Ela também menciona a importância desse apoio em outras decisões que tomou durante sua carreira política, como, por exemplo, não concorrer à prefeitura de Porto Alegre nas eleições de 2016. “A gente olha o livro e pensa que é o livro de quem foi candidata a vice-presidente, mas na verdade é o livro de quem não foi candidata à prefeita e foi candidata a vice. As escolhas muito fortes que eu fiz na minha vida foram acolhidas, principalmente, por mulheres. É uma forma também de eu agradecer a elas, pagando o preço da minha exposição por todas nós”, afirma.
Manuela ainda diz que o livro não tem a pretensão de esgotar o debate sobre a forma como a maternidade ainda é vista pela sociedade. “É só um livro de reflexões individuais de uma mulher cheia de privilégios. Uma mulher branca, que tinha emprego quando a Laura nasceu, que tem um companheiro que divide responsabilidades, que tem dinheiro pra colocar a filha na creche. Que está no topo dos privilégios das mulheres do nosso país, mas que mesmo assim é talvez uma das poucas mulheres que ocupou o espaço público como eu ocupei, por isso também que eu decidi escrever ele”.
Para ela, o tema acerca da maternidade ainda é um debate complicado até mesmo dentro do feminismo. “Existem construções de maternidades e nós lutamos pela não compulsoriedade da maternidade, mas isso não significa nós negarmos a possibilidade da existência de uma maternidade que enfrente também o capitalismo de frente. Dizer que a gente ama alguém, que gostamos de ser mães e continuar existindo fora do padrão de bela, recatada e do lar também é uma forma de enfrentamento”, diz.
Foto: Guilherme Santos/Sul21 |
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