21 de abr. de 2020

Eu sei o que vocês escreveram no verão passado

Foram encurralados: não há mais como 'fantasiar' diante de um Bolsonaro. Ocorre que o atrofiamento do aparato leitor foi tão grande, que sequer eles conseguem ser originais: precisam plagiar as análises já feitas pelos jornalistas desgarrados que optaram por não vender suas almas ao esquecimento."

A situação do jornalismo é triste. Mas a diferença entre imprensa tradicional e jornalismo alternativo, ao menos no quesito 'leitura de cenário', ainda é grande.

Há um delay gigantesco que, não raro, me provoca um sentimento de comiseração (pelo miserável colunismo de aluguel que habita as hostes corporativas dos grande jornais).

A última manifestação do 'atraso leitor' do jornalismo empresarial é a comparação de Bolsonaro com Jim Jones.

Fernando Brito, do Tijolaço, fez essa comparação há uns dois meses.

Agora, Merval Pereira e até a Economist adotam a linha argumentativa, afinal, como definir um fanático que leva pessoas ao suicídio coletivo?

Jim Jones é a referência histórica (vai perder para Bolsonaro - já perdeu).

Foi assim, com a greve dos caminhoneiros (a imprensa demorou 2 semanas para saber que a greve não tinha líder), foi assim com a reforma trabalhista (a imprensa demorou 2 anos para entender que a reforma não ajudou a criar mais empregos), foi assim com a política econômica de Paulo Guedes (transformada em pó depois da pandemia) e foi assim com o próprio Bolsonaro.

Se se pegar as manchetes e matérias dos três grandes jornais brasileiros da última semana, constatar-se-á que são idênticas às manchetes e matérias das mídias alternativas de dois anos atrás.
É um delay humilhante.

A publicidade poderia pelo menos dividir a receita dirigida a esses jornais com as mídias alternativas que, a rigor, acertam muito mais as previsões do que sua irmã siamesa.

Empresários, no entanto, não dão um centavo para o jornalismo livre - que tem seus erros, mas que pelo menos ainda "tenta" ler o mundo com algum tipo de metodologia.

Sobre a constatação empírica do delay, basta fazer uma análise semântico-lexical simples: palavras como 'fanático', 'idiota', 'palhaço', 'inepto', 'genocida', 'irresponsável', 'mentiroso' etc, passaram a ser largamente usadas por esses veículos tradicionais para se referirem a Bolsonaro.

A mídia alternativa já dominava essa dimensão lexical há bem mais tempo.
O que dizer dos grande jornais?

Lerdeza? Dormência? Obsolescência técnica? Preguiça? Rabo preso?
Um pouco de cada coisa.

Mas o traço mais dramático é que jornalistas empregados nas mídias tradicionais perderam a capacidade de análise e de prognóstico.

Foram tantos anos forçando a leitura de país para fustigar a esquerda, que a 'competência leitora' para descrever cenários simplesmente desapareceu.

Mirians Leitões, Mervais Pereiras, Elianes Catanhêdes, Veras Magalhães perambulam como zumbis na cena jornalística, mais perdidos do que 'cachorro cego que caiu do caminhão de mudança'.

Foram encurralados: não há mais como 'fantasiar' diante de um Bolsonaro. Ocorre que o atrofiamento do aparato leitor foi tão grande, que sequer eles conseguem ser originais: precisam plagiar as análises já feitas pelos jornalistas desgarrados que optaram por não vender suas almas ao esquecimento.

Como eu disse acima: dá pena desses zumbis do jornalismo. É doloroso vê-los agora tentando recuperar algum fiapo de reputação que seja.

Queridos 'colegas', lamento informar: tarde demais.

Eu sei o que vocês escreveram no verão passado e toda essa massa textual sangrenta que preparou o esmagamento da democracia será objeto de análise por futuros pesquisadores, historiadores e biógrafos.

E não adianta apagar (até porque a internet não deixa).

Sugestão: relaxem e usufruam deste último momento de exposição. Vivenciem o canto do cisne amargo de uma profissão jogada no lixo. Trafeguem pela própria insignificância, degustando cada cifra de apagamento de memória que lhes resta.

Nada, nada, dá uma ópera.

por Gustavo Conde

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