Partindo da ideia de racismo estrutural apresentada por Sílvio Almeida (Racismo Estrutural, 2019), diferente de uma patologia ou comportamento negativo a ser atribuído a alguém, em que pese até possa se manifestar exteriormente dessa forma, o racismo é, sobretudo, uma superestruturação da sociedade que se molda de forma a estabelecer privilégios em favor de uma raça, e em detrimento de outra(s). No caso brasileiro, tais privilégios restaram estabelecidos em favor da raça branca em face das raças “não-brancas”, sobremaneira negra e indígena, vítimas históricas da escravidão e do genocídio por parte dos brancos europeus, que conquistaram e colonizaram nossa terra a base de espoliação e violência, muitas vezes mortal, mas invariavelmente desumana.
Calcula-se em cerca de 5 milhões o número total de negros escravizados que tenham desembarcado em solo brasileiro, boa parte deles crianças, e um número próximo de dois milhões de mortos ainda em alto-mar, na repugnante travessia do tráfico negreiro, que tinha o Brasil (e sua capital Rio de Janeiro) como principal destino, no que foi possivelmente o pior dos crimes já cometidos na história da humanidade. A expectativa de vida de um escravo negro no Brasil era de dezenove anos, a partir de uma política de trabalho forçado até a morte, adotada universalmente pelos senhores de escravos brasileiros.
Por outro lado, números modestos estimam em cerca de 3 milhões a população indígena no território brasileiro quando da conquista portuguesa, ao passo que a fatia da população que se declara indígena atualmente é inferior a 1 milhão. Tais números demonstram a grandeza do genocídio indígena praticado ao longo da nossa história, principalmente considerando que a população brasileira aumentou praticamente 70 vezes depois da dominação portuguesa, ao passo que a população indígena chegou próxima da extinção, e hoje é inferior a um terço do que era no período pré-colombiano.
Essa breve introdução da história das populações negra e indígena no Brasil se mostra necessária, pois são as únicas que passaram pelo processo de escravização e assassínio coletivo ao longo da história nacional, que, diga-se, infelizmente é ainda contemporânea, já que o genocídio de negros e índios em nosso país parece estar longe do fim.
É notória a invasão ilegal de terras indígenas para garimpo e agricultura extensiva, com desmatamento e poluição de áreas de proteção ambiental classificadas como terras indígenas, além do uso da violência e da morte contra os índios por parte dos invasores como meio de dominação. Tal situação não é só tolerada pelas autoridades centrais que atualmente ocupam Brasília, como por vezes incentivada, motivando uma série de denúncias a órgãos internacionais contra o Estado Brasileiro, inclusive uma representação no Tribunal Penal Internacional em face do atual presidente.
Em relação à população negra, da mesma forma, os números são aterrorizantes. Conforme o Atlas da Violência de 2019, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil em 2017 eram pessoas negras, tendo a taxa de homicídio contra pessoas negras crescido 33,7% entre 2007/2017, ao passo que cresceu apenas 3% em relação às pessoas não-negras. De acordo com o mesmo Atlas, um jovem negro possui 2,3 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um jovem não-negro. Ainda, pessoas negras são mais encarceras (65% do total do contingente carcerário é composto de pessoas negras, segundo levantamento do DEPEN de 2016), tem índice de desemprego mais elevado (26,1% em 2019, mais que o dobro da média nacional de 11%, de acordo Pnad Contínua do IBGE) e menor escolaridade (36,1% dos jovens brancos cursaram ou terminam o ensino superior em 2019, enquanto o número foi de apenas 18,3% entre os jovens negros, segundo o IBGE).
Porém, mesmo diante desse quadro que indica, à margem de qualquer dúvida, o racismo estrutural que marginaliza as populações negra e indígena no Brasil, o que se nota a partir de 2016 é um movimento reformista que busca a redução da atuação do Estado justamente nas áreas que mais impactam no combate ao racismo e a desigualdade, e um assombroso esquecimento da área tributária, grande responsável, junto com o aparato punitivo estatal, pela manutenção da terrível desigualdade social e racial do país.
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