19 de set. de 2020

Sim, as reformas liberais são racistas!


 Por Clovis Bozza Neto no Justificando

Partindo da ideia de racismo estrutural apresentada por Sílvio Almeida (Racismo Estrutural, 2019), diferente de uma patologia ou comportamento negativo a ser atribuído a alguém, em que pese até possa se manifestar exteriormente dessa forma, o racismo é, sobretudo, uma superestruturação da sociedade que se molda de forma a estabelecer privilégios em favor de uma raça, e em detrimento de outra(s). No caso brasileiro, tais privilégios restaram estabelecidos em favor da raça branca em face das raças “não-brancas”, sobremaneira negra e indígena, vítimas históricas da escravidão e do genocídio por parte dos brancos europeus, que conquistaram e colonizaram nossa terra a base de espoliação e violência, muitas vezes mortal, mas invariavelmente desumana.

Calcula-se em cerca de 5 milhões o número total de negros escravizados que tenham desembarcado em solo brasileiro, boa parte deles crianças, e um número próximo de dois milhões de mortos ainda em alto-mar, na repugnante travessia do tráfico negreiro, que tinha o Brasil (e sua capital Rio de Janeiro) como principal destino, no que foi possivelmente o pior dos crimes já cometidos na história da humanidade. A expectativa de vida de um escravo negro no Brasil era de dezenove anos, a partir de uma política de trabalho forçado até a morte, adotada universalmente pelos senhores de escravos brasileiros.

Por outro lado, números modestos estimam em cerca de 3 milhões a população indígena no território brasileiro quando da conquista portuguesa, ao passo que a fatia da população que se declara indígena atualmente é inferior a 1 milhão. Tais números demonstram a grandeza do genocídio indígena praticado ao longo da nossa história, principalmente considerando que a população brasileira aumentou praticamente 70 vezes depois da dominação portuguesa, ao passo que a população indígena chegou próxima da extinção, e hoje é inferior a um terço do que era no período pré-colombiano.

Essa breve introdução da história das populações negra e indígena no Brasil se mostra necessária, pois são as únicas que passaram pelo processo de escravização e assassínio coletivo ao longo da história nacional, que, diga-se, infelizmente é ainda contemporânea, já que o genocídio de negros e índios em nosso país parece estar longe do fim.

É notória a invasão ilegal de terras indígenas para garimpo e agricultura extensiva, com desmatamento e poluição de áreas de proteção ambiental classificadas como terras indígenas, além do uso da violência e da morte contra os índios por parte dos invasores como meio de dominação. Tal situação não é só tolerada pelas autoridades centrais que atualmente ocupam Brasília, como por vezes incentivada, motivando uma série de denúncias a órgãos internacionais contra o Estado Brasileiro, inclusive uma representação no Tribunal Penal Internacional em face do atual presidente. 

Em relação à população negra, da mesma forma, os números são aterrorizantes. Conforme o Atlas da Violência de 2019, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil em 2017 eram pessoas negras, tendo a taxa de homicídio contra pessoas negras crescido 33,7% entre 2007/2017, ao passo que cresceu apenas 3% em relação às pessoas não-negras. De acordo com o mesmo Atlas, um jovem negro possui 2,3 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um jovem não-negro. Ainda, pessoas negras são mais encarceras (65% do total do contingente carcerário é composto de pessoas negras, segundo levantamento do DEPEN de 2016), tem índice de desemprego mais elevado (26,1% em 2019, mais que o dobro da média nacional de 11%, de acordo Pnad Contínua do IBGE) e menor escolaridade (36,1% dos jovens brancos cursaram ou terminam o ensino superior em 2019, enquanto o número foi de apenas 18,3% entre os jovens negros, segundo o IBGE).

Porém, mesmo diante desse quadro que indica, à margem de qualquer dúvida, o racismo estrutural que marginaliza as populações negra e indígena no Brasil, o que se nota a partir de 2016 é um movimento reformista que busca a redução da atuação do Estado justamente nas áreas que mais impactam no combate ao racismo e a desigualdade, e um assombroso esquecimento da área tributária, grande responsável, junto com o aparato punitivo estatal, pela manutenção da terrível desigualdade social e racial do país.

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