A privatização bilionária de Agnelo no DF
Governo do Distrito Federal planeja entregar à iniciativa privada todos os serviços de limpeza urbana e tratamento de lixo da capital federal. Investimentos, porém, somam apenas 6,5% do valor do contrato
Por Brasil de Fato / Pedro Rafael
Com a promessa de resolver os problemas de limpeza urbana e tratamento adequado dos resíduos sólidos, o governo do Distrito Federal (GDF) está trabalhando na montagem de uma parceria público-privada (PPP) que pode custar R$ 11,7 bilhões aos cofres públicos pelos próximos 30 anos. Os serviços seriam todos entregues a uma única concessionária, a ser escolhida mediante concorrência pública.
A iniciativa está preocupando movimentos sociais, trabalhadores e cidadãos que acompanham o setor. Apesar da dimensão do projeto, poucos dados foram divulgados pela equipe do governador Agnelo Queiroz (PT). No site da Secretaria de Governo, os documentos disponíveis não trazem números. Há apenas duas minutas de contrato, sem valores, e uma apresentação do projeto com um breve panorama do que se pretende com a PPP.
De acordo com a assessoria da Secretaria, “todas as informações obrigatórias, por lei, estão no site”. Sobre o valor do projeto, acrescenta, somente após a licitação por concorrência pública é que o mesmo será apresentado. Muito pouco para que sociedade civil possa examinar com cuidado a medida, que vai afetar a vida da população de Brasília nas próximas décadas. É o que afirmam especialistas.
“É uma absoluta falta de transparência. Então querendo fazer as coisas sem explicitar, e fazem apenas o mínimo necessário. É para que não se saiba mesmo o que está acontecendo. Se quisessem mesmo partilhar com a população, não fariam isso”, aponta Jorge Artur de Oliveira. Engenheiro agrônomo especialista em gestão de resíduos, foi diretor de planejamento do GDF no governo Cristovam Buarque (1995-1998) e hoje assessora as cooperativas de catadores de materiais recicláveis.
Muito gasto, pouco investimento
Nos estudos restritos sobre o projeto aos quais o Brasil de Fato teve acesso, o recurso que o GDF gastará por mês, com o serviço, pode chegar a R$ 390 milhões. Durante toda a vigência do contrato, as cifras chegarão aos R$ 11,7 bilhões. Trata-se do montante do orçamento a ser repassado para a futura concessionária.
Em contrapartida, a empresa contratada se comprometeria a investir, em 30 anos, um total de R$ 762 milhões para compra de equipamentos, construção de aterro sanitário, galpões de triagem, estações de transferência, contêineres, entre outros. O total do investimento, embora seja a principal justificativa do GDF para a concessão, não passa de 6,5% do valor previsto para o contrato.
“É um absurdo. O governo entra com o dinheiro e a empresa, com o bolso”, critica Rosival Pereira do Carmo, presidente da cooperativa Planalto e diretor financeiro da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do DF (Centcoop), que articula 25 organizações de catadores.
Para Jorge Artur, não há o que justifique essa “sangria” de recursos públicos prevista no projeto. “De 1995 a 1998, fui diretor de planejamento da limpeza pública do DF. O orçamento, naquele período, era de R$ 82 milhões para todo o serviço. Hoje, a limpeza pública deve custar cinco vezes mais, mas a cidade cresceu 30% em termos populacionais e a inflação no período também não aumentou na mesma proporção, de modo que os recursos disponíveis hoje, frente à demanda, são suficientes. Porém, a cidade está muito mais suja e a limpeza pública caiu de qualidade”, compara.
O jornalista Antônio Carlos Queiroz, que assessora a Centcoop na discussão sobre a PPP para o lixo, concorda. Segundo dados do próprio GDF, o orçamento de limpeza urbana gira em torno de R$ 200 milhões. “Vamos fazer uma conta aritmética. Se o governo pretende quase dobrar esses gastos, passando para R$ 390 milhões ao ano, como prevê o projeto, só o que se vai gastar a mais, em quatro anos, já somaria todo o valor de investimento prometido para os 30 anos, que é de R$ 762 milhões. Do jeito que estão fazendo, esses cálculos são irresponsáveis”, analisa.
Reação
Por causa dessas contradições e da pouca informação oficial, os catadores de materiais recicláveis chegaram a fechar, por uma semana, entre os dias 11 e 17 de outubro, o lixão da Estrutural, local para onde é levado todo o lixo produzido na cidade diariamente. A área existe há mais de 30 anos.
A reação dos catadores, que somam mais de quatro mil em todo o DF – metade atuando no lixão –, foi uma resposta à postura do GDF, que no dia 10 de outubro protagonizou uma fracassada tentativa de audiência pública, que reuniu mais de mil catadores em uma sala para 100 pessoas no Teatro Nacional. Sem espaço para acomodar os trabalhadores e sem qualquer informação sobre os estudos técnicos e financeiros do projeto disponibilizados previamente, o encontro teve de ser suspenso.
“Eles não nos convidaram para a audiência, que foi marcada, primeiro, para outro lugar, no centro de convenções, que tem um espaço maior. Quando souberam que os catadores estavam se mobilizando, mudaram às pressas de lugar”, critica Rosival, da Centcoop. A próxima audiência pública está marcada para 12 de novembro, no Museu Nacional, e a expectativa dos catadores é mobilizar ao menos duas mil pessoas.
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