18 de mai. de 2013

Lee Miller na banheira

Lee Miller na banheira
Uma mu­lher lavando-se numa ba­nheira de uma casa qual­quer – nada há de ex­tra­or­di­ná­rio na cena que a foto retrata.

É nos por­me­no­res cui­da­do­sa­mente es­co­lhi­dos pelo fo­tó­grafo David E. Scherman que per­ce­be­mos o que a torna in­tri­gante: o re­trato de Hitler atrás da mo­delo, a es­cul­tura clás­sica à frente, as bo­tas da tropa que dei­xa­ram man­chas de lama no ta­pete, o uni­forme lan­çado para a ca­deira: o mundo de onde veio Lee Miller, a mu­lher na ba­nheira, está de­ma­si­ado sujo.
Nada nes­tes ele­men­tos fa­ria da foto um clás­sico, mas a casa onde Lee Miller e David E. Scherman se en­con­tram é a de Adolf Hitler: aquela é a sua casa de ba­nho, a sua ba­nheira, o seu ta­pete que um dia foi ima­cu­la­da­mente branco.
A foto foi ti­rada a 30 de abril de 1945, mas por esta época já era longo e si­nu­oso o per­curso de Lee Miller, que ti­nha 38 anos quando en­trou na ba­nheira do di­ta­dor nazi.
Começara a sua car­reira como mo­delo em Nova Iorque, aos 19 anos, mas no fi­nal da dé­cada de 20 mudara-se para Paris, ini­ci­ando uma car­reira ainda mais pro­mis­sora como fo­tó­grafa de moda. Em 1932, re­gres­sou a Nova Iorque. Dois anos de­pois, aban­do­nou uma car­reira de su­cesso como fo­tó­grafa para ca­sar com um ho­mem de ne­gó­cios egíp­cio. Em 1937, can­sada de uma vida mo­nó­tona no Cairo, dei­xou o ma­rido e re­gres­sou a Paris, onde co­nhe­ceu o se­gundo ho­mem da sua vida, o pin­tor sur­re­a­lista bri­tâ­nico Roland Penrose.
A guerra alcançou-a em Londres, quando a par­tir de me­a­dos de agosto de 1940 se ini­ciou a Batalha de Inglaterra – uma gi­gan­tesca ofen­siva aé­rea alemã des­ti­nada a ar­ra­sar as prin­ci­pais ci­da­des in­gle­ses e a mo­ral das po­pu­la­ções. Ignorando os pe­di­dos de ami­gos e fa­mi­li­a­res para re­gres­sar de ime­di­ato aos EUA, Miller de­ci­diu tornar-se cor­res­pon­dente de guerra para a Vogue. Os seus pri­mei­ros tra­ba­lhos do­cu­men­tam os bom­bar­de­a­men­tos alemães.
Em 1942, um mês de­pois do Dia D, já se en­con­trava em França. Fotografou a li­ber­ta­ção de Paris e os hor­ro­res dos cam­pos de con­cen­tra­ção em Buchenwald e Dachau. Foi de­pois de Dachau que ela e o fo­tó­grafo David E. Scherman par­ti­ram para Munique, a ci­dade onde Hitler vi­vera desde a dé­cada de 20, «o berço do ter­ror» cuja queda am­bos an­si­a­vam por fotografar.
Quando lá che­ga­ram, já a ci­dade caíra às mãos da 45ª Divisão do exér­cito dos Estados Unidos. Sabiam a mo­rada da casa de Hitler e para lá se di­ri­gi­ram. Depois de com­prar o edi­fí­cio em 1935, o chan­ce­ler trans­for­mara a cave num abrigo con­tra bom­bas e o rés-do-chão e pri­meiro an­dar em aquar­te­la­men­tos para os guar­das, fixando-se no úl­timo piso.
Miller e o co­lega, que por esta al­tura se tor­nara seu amante, en­tra­ram nos apo­sen­tos de Hitler, ob­ser­vando qua­dros «de arte me­dío­cre», ar­má­rios «com as ini­ci­ais A.H.» e uma mesa de reu­niões onde o di­ta­dor se sen­tara, pla­ne­ando com os seus ca­pan­gas na­zis a im­ple­men­ta­ção da Solução Final». Passaram ho­ras na­quela casa, des­fru­tando dos con­for­tos mo­der­nos: a água cor­ria quente nas tor­nei­ras, a ele­tri­ci­dade ainda funcionava.
Pela pri­meira vez em muito tempo, po­diam to­mar ba­nho como pes­soas nor­mais. E a ideia da foto to­mou forma, com Miller afir­mando mais tarde que usara a ba­nheira de Hitler para «lim­par o pó que trou­xera do campo de con­cen­tra­ção de Dachau».
A en­ce­na­ção de fo­tos não era ati­vi­dade es­tra­nha à du­pla de fo­tó­gra­fos, que ho­ras an­tes con­ven­cera um sol­dado a deitar-se na cama de Hitler, fin­gindo que es­tava a ler um exem­plar da fa­mosa auto-biografia po­lí­tica e ide­o­ló­gica do di­ta­dor, Mein Kampf.
O re­trato, a es­tá­tua, as bo­tas, o uni­forme, tudo foi cui­da­do­sa­mente co­lo­cado como se es­ti­ves­sem a pre­pa­rar uma foto para uma re­vista de de­co­ra­ção. E Miller fi­cou co­lo­cada en­tre dois ex­tre­mos, o mons­tru­oso Hitler e a be­leza clás­sica de uma obra de arte, a mão to­cando no om­bro com toda a le­veza do mundo, o rosto mos­trando uma ex­pres­são am­bí­gua, quase indecifrável.
Dachau tam­bém ti­nha os seus pró­prios «ba­nhei­ros», recordava-se Miller, aquele em que as ví­ti­mas eram for­ça­das a despir-se, jul­gando que iriam to­mar ba­nho, para de­pois mor­re­rem ga­se­a­das. E de­pois, para tor­nar a oca­sião (e a foto) ainda mais me­mo­rá­vel, pouco an­tes da meia-noite re­ce­be­ram a no­tí­cia de que Hitler, re­fu­gi­ado no bun­ker de uma Berlim em ruí­nas, se sui­ci­dara para evi­tar ser cap­tu­rado pe­los sol­da­dos so­vié­ti­cos. Um mundo tem­po­ra­ri­a­mente mais limpo.

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