Matemática explica como boato do Bolsa Família se espalhou tão rápido
Boatos sobre bônus e fim do Bolsa Família lotaram bancos em 12 estados.
Professor diz que boato usa 'força da cumplicidade social' para se espalhar.
Paulo Guilherme
Do G1, em São Paulo
Boatos se espalham de forma exponencial, segundo Nicolau Saldanha, professor do Departamento de Matemática do Centro Técnico Científico da PUC-Rio. Se uma pessoa conta um boato para outras duas, e cada uma delas para mais duas – e assim sucessivamente –, em dez "rodadas" o boato terá se espalhado para 1.024 pessoas. Após vinte voltas, o rumor terá circulado por mais de um milhão de pessoas. Esta é uma explicação simples para mostrar como os falsos rumores sobre o fim do Bolsa Família rapidamente circularam no último fim de semana.
Boatos sobre a suspensão de pagamentos do Bolsa Família e também sobre um inexistente bônus pelo Dia das Mães levaram milhares de beneficiários a procurar agências da Caixa Econômica Federal, o que gerou filas e tumultos em pontos de saque em 12 estados.
A origem dos boatos ainda é desconhecida, e o governo pediu que a Polícia Federal investigue o caso.
"É um modelo muito simplificado. Na realidade, se você espalha uma notícia assim, muitas vezes a mesma pessoa recebe o boato várias vezes", afirma o professor. "Com isso, a pessoa talvez passe a acreditar que aquela notícia realmente é verdade ao saber de duas fontes diferentes."
Saldanha diz ainda que, pelo "grau de importância" de um boato, a falsa notícia se espalha de forma muito mais rápida do que um desmentido. "É mais rápido espalhar um boato de que se você fizer uma coisa muito rápido vai se dar muito bem [como sacar o dinheiro do Bolsa Família], e se não fizer vai se dar mal. Por outro lado, se é só para dizer que não está acontecendo nada demais, que aquela notícia era falsa, não há um estímulo tão grande."
Espalhado no 'boca a boca'
O professor e pesquisador em comunicação e semiótica na Universidade Católica de Brasília (UCB-DF), Luiz Carlos Iasbeck, afirma que todo boato tem a ver com o imaginário coletivo, e o boato espalhado no 'boca a boca' reforça a confiança que uma pessoa tem em quem lhe passou informação. "Boato usa esta força da cumplicidade social, da credibilidade que uma pessoa tem com a outra. Espalham no nível da confidencialidade, dá sensação de credibilidade. E o movimento, se todo mundo vai eu também vou", afirmou Iasbeck.
"São os medos, valores, temores das pessoas que compartilham entre si em grupos afins. O pavor de cada um, quando reunidos, vira pânico, gerado por uma informação que não se sabe de onde surgiu."
Iasbeck afirma também que, neste caso, as redes sociais na internet aparentemente tiveram pouca influência na disseminação do boato. "Rede social não é um privilégio da tecnologia. A internet não é lugar exclusivo de interação. Na pré-história as pessoas já se comunicavam", salienta.
"Pessoas de baixo nível de escolaridade não usam tanto a internet porque não têm acesso à tecnologia pelo alto custo. Elas não foram checar se o boato era verdade na internet, e nem usaram o caixa eletrônico para retirar o dinheiro. Ao contrário, foram sacar lá na boca do caixa."
Na hora em que surge uma dúvida sobre o programa, elas [favorecidas] querem se preservar. A pessoa pensa: 'se não vai ter mais dinheiro, quero pegar o meu antes que acabe"
Luiz Carlos Iasbeck, professor e pesquisadorna Universidade Católica de Brasília (UCB-DF)
Para Iasbeck, a principal questão relacionada aos falsos rumores sobre o programa Bolsa Família não é identificar quem espalhou o boato, mas saber "por que ele pegou". "Na hora em que surge uma dúvida sobre o programa, elas [favorecidas] querem se preservar. A pessoa pensa: 'se não vai ter mais dinheiro, quero pegar o meu antes que acabe'", afirmou.
Estudioso do fenômeno, Iasbeck acredita que o boato sobre o Bolsa Família serve de alerta ao governo sobre a confiabilidade do usuário no programa de assistência. "Isso mostra que o discurso do governo não está impregnado nas pessoas, que acreditam que é possível mudar a regra no meio do jogo."
Ainda no sábado, o governo federal desmentiu os boatos. "Não há qualquer veracidade nos boatos relativos à suspensão ou interrupção dos pagamentos do Programa Bolsa Família", disse, em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelo programa.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar a origem do boato. "A determinação foi para que a apuração seja rigorosa a fim de que se possa tomar com rapidez as medidas criminais cabíveis contra todos os envolvidos na origem e na divulgação destes boatos", disse, em comunicado, o Ministério da Justiça.
Nesta segunda, a presidente Dilma Rousseff disse, em Ipojuca (PE), que o autor do boato de que o programa iria acabar é "desumano" e "criminoso". "Espalhou-se um boato falso, negativo. Esse boato que leva intranquilidade às famílias mais pobres", afirmou a presidente.
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