17 de jan. de 2014

Sexo no cinema nem sempre é bonito

CRÍTICA: Ninfomaníaca – Vol. I
Enock Carvalho

Lars Von Trier poderia ter derrapado ou até mesmo dado de cara com o chão. Mas não foi isso que aconteceu. Muito pelo contrário, seu polêmico Ninfomaníaca – Vol. I parece que vai tropeçar a cada momento, mas se equilibra na direção do diretor e principalmente, na atuação do bom elenco. Ninfomaníaca mostra que sexo no cinema nem sempre é bonito. Para Lars Von Trier, ele pode ser digno de pena.

O roteiro, escrito pelo próprio diretor como de costume em seus filmes, conta a história de Joe (Charlotte Gainsbourg), uma mulher encontrada desacordada por Seligman (Stellan Skarsgard) numa noite fria em um beco. Com aparência de uns 50 anos de idade, Joe está frágil e abatida o suficiente para ser levada por Seligman a sua casa, onde lhe promete uma xícara de café com leite que renderá uma história incomum sobre seu vício por sexo. É a própria personagem quem se autodiagnostifica uma ninfomaníaca e começa a contar o desenvolvimento do seu prazer sexual desde a infância.

Ainda antes do primeiro capítulo (dos cinco que são apresentados neste Vol. I), o filme quebra sua tranquilidade quando eleva o espectador a um outro nível, começando a trama com uma música que promete o clima hard-core que vem a seguir. Provocante, mas ainda assim, contido, Lars Von Trier aposta numa narração pela própria protagonista para levar seu filme a infância desta e a adolescência, quando Stacy Martin entra em cena para chocar.

Apesar de Gainsbourg aparecer e desaparecer em vários momentos do longa, é Stacy quem guia a descoberta do prazer e do sexo vazio de sentimentos que jamais perde o ritmo ou a audácia pornô. A versão lançada nos cinemas, contudo, não cumpre exatamente o que o diretor vinha falando há muito tempo devido a cortes feitos por conta da censura. Apesar do sexo explícito, os órgãos que protagonizam tais cenas parecem se esconder da câmera, com exceção de certo momento onde fotos de pênis dominam a tela quase como um slideshow.

Skarsgard, na pele do desconhecido Seligman, se assemelha a um psicólogo interessado e cada vez mais curioso. Pouco a pouco ele vai arrancando os segredos que Joe guardava na memória, sem tecer julgamentos (a princípio). Ela conta a história de uma competição que fez com uma amiga, na qual a que transasse com o maior número de homens em um trem ganharia um saco de chocolates. Enquanto ele é o responsável por estabelecer uma comparação entre a prática de caça da ninfomaníaca e as estratégias que ele próprio usa para pescar com o anzol, atribuindo a ela a noção de que sua atitude se explica por extinto natural.

Ninfomaníaca – Vol. I explora a tragicomédia de várias maneiras. Diante da história que está sendo contada, Lars Von Trier ainda mostra seu lado didático quando brinca na tela e exibe números, linhas e suas tão conhecidas figuras ilustrativas. Em certo momento, quando esta técnica vem pela primeira vez à tona, Joe está contando como perdeu sua virgindade e uma contagem gigante toma parte da imagem registrando o número de penetrações que acontece durante o ato sexual. Em outro momento, Lars Von Trier desenha no asfalto o movimento sutil de uma baliza que a personagem realiza em um carro.

A teatralidade tão notável em Dogville (2003) retorna no terceiro capítulo do Vol. 1, onde Uma Thurman rouba a cena. É de maneira inteligente e discreta que o formato de tela muda ao início do capítulo, deixando largas bordas pretas nas laterais afim de aproximar os personagens que estão em cena. Thurman, que interpreta a esposa abandonada por um marido que se apaixonou por Joe, aparece na porta do kitnet da amante com seus três filhos pequenos para que se despeçam do pai. A situação é tão cômica que parece uma piada genuína de Lars Von Trier: a traída visitando a amante para tomar um chá e conhecer o apartamento em que o ex-marido irá morar. Um tanto teatral, a própria performance da atriz remete a um palco (dadas as bordas pretas que aqui soam como cortinas), representando um risível ato dentro do filme. Na tela do cinema, a sequência parece uma janela dentro da janela.

Diante de todo o Vol. I, vemos um novo lado da preocupação de Lars Von Trier com os costumes humanos e principalmente, com a mente. O que ele consegue com Joe é fazer com que o espectador entenda a origem de seus atos, mas ainda assim, ficar tão perdido quanto ela em relação a seus significados. A maior culpa disso é o fato do filme ter sua outra metade separada, deixando uma lacuna não preenchida na história da ninfomaníaca. Se ele poderia ter condensado seu roteiro e feito um único filme com três horas de duração? Só é possível saber assistindo o Vol. II.

fonte http://www.cinemarcado.com.br/

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