20 de mar. de 2014

Drag queen reabilita usuários de drogas

Viviane Viva Voz: humor e irreverência nas ruas de Recife
Divulgação/Foto: Michel Rodrigues
Viviane Viva Voz é diferencial de consultório de rua recifense
Método utilizado pela drag queen, que alia humor e informação, contribui para a reabilitação de usuários de drogas
O recifense Jonathan Reis mudou completamente a vida quando, poucos anos atrás, resolveu criar uma personagem, a “Viviane Viva Voz”, para compor a equipe de um “consultório de rua” na capital pernambucana. 
O método utilizado por Jonathan, que alia humor e informação, foi uma combinação perfeita, e vem ajudando de forma efetiva na “redução de danos” e até reabilitação de muitos moradores de rua que são usuários de drogas.

Jonathan fala dos principais desafios que enfrenta na empreitada, de como tudo surgiu e foi se consolidando, além das perspectivas futuras. Jonathan fala da alegria que é ajudar pessoas desesperançadas a encontrarem “uma alternativa”, além de sua satisfação por ter conseguido mostrar para a sua família – em especial a sua mãe – a importância de seu trabalho como drag queen.

Durante a IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família, ele concedeu esta entrevista ao (En)Cena, grupo formado no Centro Universitário Luterano de Palmas (TO) que objetiva discutir temas relacionados à saúde, especialmente a saúde mental, e que fez parte da equipe de comunicação colaborativa do evento, contando com a participação de entidades da sociedade civil e de organismos governamentais, inclusive o Portal Brasil.

(En)Cena – Qual é a sua participação aqui na mostra?
Jonathan – Eu vim para o lançamento nacional do documentário sobre políticas integrativas no SUS, tendo em vista que, em Recife, eu trabalho com “redução de danos” entre usuários de drogas que moram nas ruas.

(En)Cena – Qual é a abordagem propriamente dita que vocês fazem com as populações de rua?
Jonathan – Na redução de danos nós procuramos focar no indivíduo. Nós abordamos uma pessoa, por exemplo, que é usuária de crack, e daí vamos tentar fazer com que essa pessoa troque esta droga pela maconha. Se nós conseguirmos isso, já é um passo para, mais à frente, conseguirmos que esta pessoa largue totalmente as drogas, pois ela demonstrou maleabilidade em relação à questão.

(En)Cena – E o trabalho para por aí, ou você e a equipe que você faz parte age em outras frentes?
Jonathan – Não, nós fazemos um esforço intenso para reinserir o usuário na sociedade. Para tanto, entramos em contato com outros setores do serviço público e procuramos encontrar encaixes que sejam compatíveis com o perfil deste usuário que demonstra disposição para largar as drogas.

(En)Cena – E como ocorre o contato inicial com as populações de rua? O que é feito para “quebrar o gelo” e gerar confiança?
Jonathan – Eu não sou muito convencional (risos). Você percebeu que tenho 1,90m, mas o salto e a peruca ajudam a criar uma empatia. No entanto, nos consultórios de rua atuam cinco personagens, eu sou apenas uma delas. Na verdade, a “Viviane Viva Voz” foi a última personagem construída. Ela surgiu depois que eu participei de um seminário de comunicação para o público GLBT. Com o passar do tempo, me convidaram para participar de uma ação informativa no carnaval. O sucesso foi tão grande, as pessoas receberam com tanto carinho, que minha agenda foi se ampliando, até que eu fui contratada para atuar com as equipes dos “consultórios de rua”, dentro do projeto de Práticas Integradoras de Saúde. Ou seja, tudo começa numa brincadeira, mas a informação e o cuidado são passados, o que é mais importante. Hoje nosso trabalho é conhecido no Brasil inteiro, e equipes de outros estados vão até Recife observar nossas práticas.

(En)Cena – Você tem alguma militância, atua em alguma ONG fora deste trabalho que é feito junto à Prefeitura de Recife?
Jonathan – Eu também ajudo numa ONG chamada “Movimento Cultural Fazendo Arte”, que reúne jovens de diferentes níveis sociais e faixas etárias, e procura incentivá-los, pela arte, a desenvolverem suas habilidades. Lá é ensinado dança, teatro. No começo, a ONG atuava na região periférica da cidade. Com o sucesso do projeto, passamos para o centro de Recife, e o ambiente é bem heterogêneo, já que não há restrição de público.

(En)Cena – E como foi a construção da personagem Viviane? Houve muitas dificuldades?
Jonathan – Houve sim. Eu até desconfio daqueles personagens que parecem ter caído do céu. É importante que, no desenvolvimento do projeto, os desafios contribuam para a maturação. No começo nós não recebemos apoio de nada, e inclusive há dificuldade com o figurino mais básico. Com o passar do tempo, se você faz um trabalho com consistência e focado no benefício, na melhora da qualidade de vida das pessoas – afinal, fazemos rir –, então vão aumentando a confiança em nós e passam a contribuir financeiramente para o projeto avançar. Também me marcou muito a mudança da minha família, sobretudo a minha mãe. No começo, ninguém aceitava a minha homossexualidade, e aparecer vestido de mulher causou um grande impacto. No entanto, quando começaram a perceber a importância do meu trabalho, começaram a ver o respeito que as pessoas nutriam por mim, aí sim mudaram de ideia a respeito.

(En)Cena – Você tem conhecimento se o seu trabalho é pioneiro?
Jonathan – Olha, eu sei que tem um grupo de drags em São Paulo e uma drag em Brasília que também atuam na divulgação dos programas de prevenção e de saúde, mas elas não ficam totalmente envolvidas com a questão da saúde, como no meu caso. Desta forma, no formato que atuamos, creio mesmo que seja um trabalho pioneiro. Eu presto serviço à Prefeitura de Recife, de forma terceirizada, exclusivamente para desenvolver este trabalho.

(En)Cena – Você está satisfeito com o que faz?
Jonathan – Você nem imagina o quanto eu me sinto gratificado quando vejo que atuei de forma positiva na vida de uma pessoa. Fico extremamente feliz quando encontro um usuário ou ex-usuário e ele me diz que, a partir do nosso contato, ele mudou o curso da sua vida, mesmo que isso tenha ocorrido de forma discreta. Isso é o que me motiva.

Por Sonielson Luciano de Sousa, colaborador do (En)Cena

Fonte: Portal (En)Cena

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