7 de abr. de 2015

Bancada evangélica quer acabar com direitos de travestis

Deputados da bancada evangélica tentam acabar com direito de travestis e transexuais de usarem nome social
Parlamentares apresentaram projetos para acabar com resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação que orienta escolas e universidades a reconhecer e adotar o nome social de travestis e transsexuais, além de garantir que a pessoa transgênero escolha qual banheiro ou vestiário vai usar


Deputados federais da chamada bancada evangélica apresentaram dois Projetos de Decretos Legislativos (PDC, por ter origem na Câmara dos Deputados), no fim de março, para cassar a resolução nº 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, que orienta escolas e universidades a reconhecer e adotar o chamado nome social de travestis e transexuais, além de garantir que a pessoa transgênero – cujo sexo não corresponde a como ela se entende, se apresenta e se comporta – escolha qual banheiro ou vestiário (masculino ou feminino) vai utilizar.

Segundo o documento, em vigor desde 12 de março, escolas e universidades devem utilizar o nome social de transexuais e travestis – nome escolhido pela pessoa, em acordo com a identidade de gênero dela –, em crachás, listas de chamada e formulários, mantendo em cadastro o nome do registro civil da pessoa. A solicitação também pode ser feita por adolescentes, sem a necessidade de autorização dos pais. A norma objetiva combater a discriminação e garantir o acesso e a permanências das pessoas trans nesses locais.

Mas, para os deputados, a norma é ilegal, pois a definição nome social não está prevista “no Código Civil ou na Lei dos Registros Públicos”, justificou o deputado federal Eros Biondini (PTB-MG), autor do PDC 30, de 2015. Ele também defende que a norma imponha uma obrigação à comunidade “determinando como certa pessoa deverá ser chamada”.

A ativista trans Daniela Andrade explicou que não é o Estado que vai dizer qual o nome que deve ser usado, mas sim a pessoa que reivindicar a alteração. “A identidade de gênero é de autorreconhecimento soberano. Ninguém tem o direito de dizer que eu não sou mulher. Só quem pode entender isso sou eu mesma. A Constituição define que o Estado brasileiro vai prezar pela dignidade da pessoa humana. Será que é possível tratar dignamente uma pessoa, que se reconhece como mulher e quer ser chamada de Maria, chamando-a de João? Evidentemente que não”, defendeu.

Daniela ressaltou que a lei de registros públicos – Lei 6.015, de 1973 – definiu que o nome civil poderia ser mudado em algumas situações, como a exposição ao ridículo. “Eu fui registrada com um nome que me expõe ao ridículo. Eu vivo como mulher, me reconheço como mulher, mas o meu registro diz que eu sou o João”. O artigo 56 da lei define que a pessoa interessada em alterar o nome pode fazê-lo, “desde que não prejudique os apelidos de família”, durante o primeiro ano após atingir a maioridade.

Para a ativista, os deputados deviam se preocupar em legislar sobre saúde, educação, segurança, em vez de se mobilizarem para derrubar direitos da população LGBT. “Eu queria saber o que mais eles fazem além de agir contra os poucos direitos conquistados por nós. Parece que vai acontecer a terceira guerra mundial, porque as pessoas trans vão ter o direito de ser chamadas pelo seu nome social”, protestou.

O deputado federal Ezequiel Teixeira (SD-RJ), autor do PDC 26, de 2015, não chega a falar em guerra, mas defende que a resolução poderia provocar “caos social” nas instituições de ensino, pois permite a alteração de nome e utilização de espaços segregados a partir de uma “mera solicitação”. Ele argumenta ainda que a norma ataca o poder familiar, ao permitir que a solicitação seja feita mesmo por menor de idade, sem necessidade de consentimento dos pais.

Marco Feliciano deputado federal pelo PSC paulista também quer cassar a resolução nº 12, através do PDC 16, de 2015. E vai além, propondo sustar ainda a resolução nº 11 do conselho, que trata do nome social em Boletins de Ocorrência (B.O.), sob alegação de que tal determinação “não tem respaldo legal pelo Código Penal e Processo Penal”, com o PDC 17, de 2015. As mesmas propostas são defendidas pelo parlamentar Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Para a presidenta da Comissão Especial da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, os deputados estão “querendo chamar atenção”. “O que causa insegurança neste país é essa omissão perversa, preconceituosa, criminosa, do nosso Congresso Nacional em legislar, como é a sua função, para a proteção de um segmento da população, como é o caso de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Interssexuais (LGBTI)”, afirmou.

Segundo Maria Berenice, não há nenhuma ilegalidade na resolução. “O conselho de combate à discriminação tem poder para fazer esse tipo de recomendação, assim como os demais conselhos, em relação ao negro, às mulheres”, explicou.

A presidenta considera “meio ridícula” a alegação de que alguém possa se aproveitar da norma para adentrar espaços destinados ao gênero oposto. “Acreditar que um homem vá para o colégio, todos os dias, vestido de mulher, andando como mulher, só para poder acessar o banheiro feminino não me parece razoável. Ao mesmo tempo, se uma mulher trans for obrigada a usar o banheiro masculino, sendo ela uma mulher, ela realmente corre o risco de sofrer uma agressão”, defendeu.

Para ela, os projetos não devem prosperar, pois o judiciário vem agindo no sentido de reconhecer o direito de travestis e transexuais alterarem o nome, inclusive, no registro civil. “E, no Rio Grande do Sul, já existe legislação que determina a todos os órgãos públicos a utilização do nome social”, completou Maria Berenice.

O Decreto 48.118, de 17 de maio de 2011, entrou em vigor em 17 de maio de 2012 e permite a mudança do nome no Registro Geral (RG). No entanto, o documento só vale dentro do estado. Para obter a mudança no RG nacionalmente é preciso ingressar com uma ação judicial.

Para a ativista Daniela, o Brasil está extremamente defasado em direitos LGBT. “Nome social é diferente de nome no registro civil. Para grande parte das pessoas trans que desejam a alteração de seu nome, o nome social é um tipo de cidadania gambiarra. É a cidadania precária. O direito de fato seria possibilitar que as pessoas trans alterassem o seu nome civil”, defendeu. Ela destacou que, na Argentina, a lei de identidade de gênero reconhece o direito de mudança de nome no documento nacional de identificação a qualquer pessoa transexual ou travesti. Não é preciso recorrer ao judiciário.

Nenhum comentário: