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“A discriminação em Portugal é um fato”, diz energicamente Paula Toste quando questionada pelo UOL sobre a forma como foi tratada quando viveu na capital portuguesa Lisboa por duas vezes. “Sentia a discriminação pelo sotaque, era começar a falar que já olhavam de outra maneira.O fato de eu ser do Brasil era pior devido à péssima fama das brasileiras que vão para a Europa se prostituir.”
Como Paula, outras mulheres brasileiras que decidem emigrar para Portugal queixam-se cada vez mais de discriminação e do preconceito por parte dos portugueses em diferentes momentos da sua vida, mas principalmente na hora de arranjar casa para morar.
Mas o UOL apurou também que elas sofrem ainda insultos ou diferenciação salarial no trabalho, abusos de autoridade das forças de segurança e incorreto atendimento nos serviços públicos pelas situações do cotidiano. Estes fatos são os que mais queixas de discriminação racial geram neste país da Europa.
Um estudo apresentado em julho de 2007 pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), intitulado “Imigração Brasileira em Portugal” e coordenada pelo professor Jorge Malheiros, revelou que o 45,3% dos entrevistados consideram ter visto “bastantes” casos de discriminação da parte dos portugueses em relação aos brasileiros. Considerando conjuntamente os que assinalam “bastantes” casos e “alguns” casos, esse número sobe para 71,9%.
Apenas 19,3% dos entrevistados disseram nunca ter visto “nenhuma” situação dessas. Além disso, o relatório revela que 34,5% dos brasileiros entrevistados declararam ter tido conflitos com cidadãos portugueses pelo fato de serem brasileiros, mas 65,3% afirmam nunca ter tido esse problema.
A pesquisa ouviu 400 brasileiros que vivem em Portugal, sendo 255 homens e 145 mulheres. O levantamento foi feito a partir de entrevistas diretas, pessoais, que duraram cerca de 25 minutos e foram realizadas na residência dos entrevistados ou em locais públicos, de acordo com um questionário previamente elaborado.
Paula é luso-descendente. Nasceu no Rio de Janeiro e nos últimos anos esteve por duas vezes vivendo em Portugal, “uma porque ganhei uma bolsa do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português; outra, a procura de uma nova experiência profissional”, conta ela, que diz se sentir à vontade para comentar o assunto pelo fato de a sua origem ser portuguesa, o que reforça o seu desgosto. “O meu pai emigrou dos Açores para o Brasil”.
Sensivelmente magoada pela sua experiência européia, ela diz que trabalhou 9 meses em uma dependência do MNE e foi bem recebida, mas não se cansa de afirmar que a discriminação em Portugal existe e é visível, sobretudo para os imigrantes que não estão legais.
Paula, que é graduada em Comunicação Social por uma universidade do Rio de Janeiro, diz que não quer voltar mais ao país. “Portugal para mim só de passeio para matar as saudades dos familiares e amigos, que vivem nas Ilhas dos Açores. Viver ali novamente, nem pensar! Só voltaria a morar em Portugal se por acaso estivesse trabalhando em uma empresa do Brasil e fosse transferida. Mesmo assim, só iria se eu não tivesse opção de escolha!”
Discriminação por telefone
“As brasileiras começam a ser discriminadas já quando telefonam para pedir informações sobre aluguel de apartamentos”, conta Paula. “Uma amiga brasileira ligou perguntando o preço e a dona do apartamento disse que já tinha sido ocupado. Logo pediu para uma amiga portuguesa ligar e a mesma mulher disse o valor do aluguel e informou que ainda estava disponível. Ou seja, por causa do sotaque e percebendo que era brasileira foram negadas as informações.”
Aline também emigrou do Rio de Janeiro. Preferindo não divulgar o seu sobrenome, ela disse ao UOL que quando chegou a Aveiro, cidade no centro do país, procurou um apartamento para viver enquanto estudava. “Telefonei para várias pessoas. Uma senhora me disse que não queria brasileiras no apartamento dela. Expliquei que estava na Universidade de Aveiro e ela falou que já tinha ouvido essa história antes e encerrou a conversa. Outra senhora me convidou para visitar o apartamento só para saber como eu era, pois já tinha negado a uma outra pela ‘aparência duvidosa’.”
Para esta estudante, o preconceito se torna mais agressivo por ser quase declarado. Mas ela ressalta que não é só com os brasileiros que isso ocorre. “Também discriminam mães solteiras, pessoas que vão morar junto sem se casar. São coisas já ultrapassadas em outros países e que em Portugal são ainda importantes.”
Problema é pior na periferia
O ACIDI é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, que tem como missão colaborar na concepção, execução e avaliação das políticas públicas relevantes para a integração dos imigrantes. O relatório do organismo sublima que os casos de “discriminação” estão se acentuando nos locais com maior concentração de imigrantes brasileiros, situados na periferia da capital portuguesa.Em contrapartida, o espaço caracterizado pelo maior cosmopolitismo e pela freqüência mais elevada de contatos interétnicos – que seria a capital Lisboa – registra a maior porcentagem de respostas no conjunto das categorias “pouco e nenhum caso de discriminação” e claramente a menor na categoria “bastantes casos de discriminação”.
No contexto da União Européia, um inquérito realizado pelo Observatório Europeu dos Fenômenos Racistas e Xenófobos, entre 2002 e 2005, a 1.619 imigrantes cabo-verdianos, guineenses, brasileiros e ucranianos residentes em Portugal revela que a maior taxa de discriminação se incidia na compra ou aluguel de um imóvel ou no pedido de um crédito bancário (42%) e no emprego (32%).
O último relatório de atividades da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) informa que, entre setembro de 2005 e dezembro de 2006, as grandes áreas de denúncias foram a laboral, forças de segurança e Estado, que representavam quase metade das 85 queixas apresentadas por particulares e associações.
Neste contexto, Manuel Correia, fundador da Frente Anti-Racista Portuguesa, alertou para as formas “sutis” de discriminação racial, que considera que têm grande peso. “São formas de discriminação disfarçadas para diminuir o outro, mas nem sempre se pode provar que se está a discriminar”, avalia.
Correia admite que se criam situações de “desencorajamento ao aluguel” de casas aos africanos e brasileiros, de “incorreto atendimento nos estabelecimentos públicos”, a falta de promoção de carreiras, os baixos vencimentos e “as expressões injuriosas” das chefias no posto de trabalho e a “desproporcionalidade do uso da força da polícia junto da comunidade negra”.
“Brasileiros fazem bagunça”
“Na minha opinião, os portugueses que alugam casas criam um preconceito em relação aos brasileiros e resolvem ignorá-los à sua maneira”, diz Flavia Santos, uma bolsista de investigação brasileira que está estudando na Universidade Nova de Lisboa.
Flavia contou ao UOL que em uma das ligações que fez durante a procura de apartamento, uma senhora perguntou a ela de onde era. Quando disse que era do Brasil, a senhora falou que não alugava quartos a brasileiros. “Perguntei a ela o motivo e ela me disse: ‘já tivemos experiência antes e sabemos como são os brasileiros. Gostam de pôr a música nas alturas e fazem bagunça’. As palavras dela apenas confirmaram o que eu já sabia.”
A estudante disse que é difícil fazer comparações, mas pensando em experiências que teve em Lisboa e em Londres, na Inglaterra, percebe que a situação em Portugal é mesmo mais grave. “Em Londres, consegui arrumar um quarto no mesmo dia em que cheguei. Portugal é um país provinciano. A maioria da população é idosa e isso dificulta a negociação e vem se somar à barreira do preconceito que têm com brasileiros e com africanos. Ao final disto tudo, acabei por arranjar um quarto em uma casa que divido com outros brasileiros.”
Ana Paula Bittencourt atualmente trabalha em uma clínica médica para poder custear o curso de mestrado em uma universidade de Lisboa. Ela diz que na chegada ao país foi mais difícil o convívio porque sentia muito as diferenças. “Agora já não ligo muito. Acho que o pior era uma certa desconfiança do que você está fazendo por aqui”, diz ela.A estudante diz que na primeira casa que alugou o dono mal falava com ela. “Só ficamos amigos depois que ele percebeu que eu não vim para cá para ‘tentar a vida’ [prostituir-se]. Quando saí de lá, o proprietário da casa onde moro atualmente comentou que se não tivéssemos um amigo em comum ele não alugaria a casa para uma brasileira.”
A jovem que emigrou de Joaçaba (Santa Catarina) sente que a discriminação com os negros e imigrantes do leste europeu é muito maior que com brasileiros. “Tenho a idéia de que o pensamento aqui é que existem muitos brasileiros ‘gente boa’, que são simpáticos e trabalhadores. E trabalham naquilo que os portugueses não querem trabalhar. Mas com os negros isso não acontece. Nenhum se salva.”
Conflito interno entre portugueses
Para o sociólogo carioca Marcos de Oliveira Gaspar – filho de um cidadão português emigrado para o Brasil na década de 1950 – e que chegou a Lisboa em maio de 2001 por meio de uma bolsa do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português (MNE), a discriminação com os brasileiros é um conflito interno entre os portugueses.
“Como pode um povo discriminar os brasileiros e participar de forma tão intensa de um festival como o Rock’n Rio/Lisboa, com diversos artistas brasileiros. Acho que os brasileiros entraram em um processo de discriminação que é um fenômeno europeu, em decorrência da globalização econômica que, por conseqüência, atrai cidadãos de outros continentes que sofrem com as freqüentes crises econômicas, políticas e sociais das últimas três décadas.”
Gaspar estudou o fenômeno da imigração em uma universidade de Lisboa e afirma que na hora de alugar uma casa, os portugueses irão preferir sempre um cidadão português. “No Brasil também é mais fácil alugar uma casa para um brasileiro do que a um estrangeiro. Fica mais fácil de resolver a documentação e confiar. No meu caso, que aluguei um apartamento com um amigo argentino, acabei tendo a preferência em relação a uns italianos. Mas claro que o fato de os dois sermos filhos de portugueses ajudou.”
Liliana é um exemplo de brasileira que nunca sentiu o preconceito por ser do Brasil, mas sim por ser simplesmente imigrante. Ela migrou para Lisboa em 2002 e trabalha para um órgão do governo. “Eu me sinto discriminada por ser imigrante e não por se brasileira”, afirma. “Como não posso ter Bilhete de Identidade, também não posso comprar uma casa ou pedir um empréstimo. Não posso nem ter cartão de descontos da Fnac porque não tenho documento português”.
Mas o sociólogo diz acreditar que se não houvesse essa forte imigração para Portugal, os brasileiros continuariam sendo muito bem recebidos. “Como ocorreu até o final da década de 1980, coincidência ou não, o período que Portugal entra na Comunidade Européia e o Brasil vive sua pior crise econômica.”
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