"Um dia um homem branco me falou, que no Brasil não tem branco... mas quando olho em todo canto, eu vejo o branco dominando..."
Giovane Sobrevivente
Poeta e Ativista Cultural
Por: Valdeck Almeida de Jesus (*)
no Pravda.ru
Posso começar este texto com as afirmações "sou racista, sexista, machista, homofóbico, gordofóbico, xenófobo, intolerante religioso...", pois vivo em um país de desigualdades e de discriminações e aprendi na infância, na adolescência e juventude, através do discurso dominante, inconscientemente, a negar a existência dessas desigualdades e discriminações. Também posso começar o mesmo texto dizendo que estou em processo de educação ao participar de debates, mesmo quando fico somente ouvindo, calado; quando vou a eventos onde se discute a desconstrução de toda e qualquer forma de discriminação e dou, apenas, pequenas contribuições.
Nesse sentido convido a todos os brancos e brancas, meus conhecidos ou não, a se irmanarem num grande debate sobre a humanidade negra, pra fazer um exame de consciência sobre o assunto, expor suas ideias e pensamentos, participar da luta contra os privilégios. É hora de cada um dos privilegiados começar a abrir corações e espaços de poder para que o debate seja posto, incluindo, certamente, recortes de raça, gênero e expressão sexual. Cito aqui grupos que poderão se sentir incluídos nesse chamado: juízes, advogados, delegados, deputados, senadores, vereadores, gestores públicos, governantes, prefeitos, presidentes, comando das polícias, jornalistas, escritores, artistas, empresários etc.
Não se deve calar diante das injustiças e desrespeitos praticados contra irmãos e irmãs negros e negras, contra minorias sexuais, contra mulheres. O momento é crucial e as bases precisam ser abaladas para que todos e todas sejam incluídos nos espaços de poder e protagonismo. É necessário que os portadores de privilégios façam exame de consciência e apoiem as lutas de minorias por afirmação e empoderamento.
Aqueles que não têm amadurecimento suficiente para se engajarem numa luta mais qualificada, podem auxiliar de outras formas. Afinal, sempre tem algo que se pode fazer. A empatia é o primeiro exercício necessário, se colocar no lugar do outro, tentar compreender as razões, ouvir, atentamente, o outro, e se permitir a escuta silenciosa, atenciosa, para o aprendizado que pode, também, advir desse processo, e se educar, e se empoderar para se desnudar dos preconceitos e das visões deturpadas de mundo.
Estou nesse processo de aprendizado, de compreensão do meu papel perante todo esse cenário de crimes, e estou tomando consciência de que sou um privilegiado por ter a pele branca. E não adianta apelar que tenho mãe índia e avó negra, que nos Estados Unidos sou considerado negro, pois no Brasil as portas se fecham somente para quem tem pele negra, fenótipo negro. Já passei por discriminações por ter nascido e crescido em uma favela, mas atualmente não passo mais por isso; ainda sou vítima de outros tipos de discriminações, que não vem ao caso descrevê-las aqui. Mas não sofro e nem sei o que é sentir a mesma discriminação que sente quem tem a pele negra, de quem mora na periferia por amor ou falta de opção, de quem é mulher, de quem é gordo, de tantos outros tipos horríveis de discriminação. Mas posso me irmanar, me permitir entender, compreender, perceber que o outro tem os mesmos direitos que eu, e labutar junto para que ele tenha acesso ao que lhe é de direito.
Ainda que eu me irmane, continuo sendo um privilegiado por causa da pele branca e sinto vergonha, principalmente, por não ser parado em blitz e não ser seguido nos corredores de lojas e supermercados, o que é feito descaradamente por autoridades desse país, as mesmas autoridades que deveriam proteger seus cidadãos; me solidarizo com a luta contra o racismo e toda espécie imunda de discriminação. Ojerizo os assassinatos praticados contra jovens negros e negras de todas as periferias do Brasil, não importam os motivos, todo cidadão tem direito à vida. Condeno o machismo, sexismo, homofobia, lesbofobia, transfobia, gordofobia etc. Não posso falar por meus irmãos e irmãs nem dizer o que devem fazer, mas me coloco à disposição, no apoio e lado a lado na luta. Outros amigos de pele branca, também privilegiados, podem e devem se perfilar nesse apoio, e usar de seus lugares de fala, dos microfones, das redes sociais, salas de aula, local de trabalho, onde quer que estejam, para mudar esse cenário de desigualdades.
Quem não tem intimidade com microfones ou desenvoltura diante de plateias, pode ajudar de outras formas. E maneiras de apoiar não faltam. Coloque seus pensamentos no papel, em forma de poema, crônica ou artigo, mesmo que você não seja de pronto compreendido e que perca amigos. O que não vale é fazer de conta que o país é cordial e que não existem diferenças e discriminações. O preço da omissão é alto demais e machuca muito. A hora é de combate a todo e qualquer tipo de discriminação e desrespeito aos Direitos Humanos.
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(*) Valdeck Almeida de Jesus é jornalista, poeta, escritor ativista cultural.
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