Foto Joaquim Dantas/Arquivo |
Ministro interino das Relações Exteriores foi ao Uruguai, acompanhado do também tucano Fernando Henrique Cardoso, para tentar evitar que Venezuela assuma presidência rotativa do Mercosul
por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – A imprensa uruguaia noticia hoje (6) que o ministro das Relações Exteriores interino do Brasil, José Serra, acompanhado do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, “conseguiu” o adiamento da passagem da presidência rotativa do Mercosul, atualmente com o Uruguai, para a Venezuela, que estava prevista para o dia 12. “Serra logrou que a passagem da presidência pro tempore à Venezuela por parte de Uruguai fique em stand by até agosto”, disse o jornal El País.
O uruguaio El Observador anota que o atual chanceler do “gigante da América do Sul”, depois de uma visita de poucas horas e uma reunião com o presidente Tabaré Vázquez e o chanceler Rodolfo Nin Novoa, conseguiu adiar a transferência. O pedido do representante brasileiro será analisado formalmente na segunda-feira (11) pelos chanceleres do bloco, informa o periódico, quando o adiamento será, ou não, confirmado.
“O que vemos nesse episódio é uma visão que demonstra improvisação e falta de seriedade (da atual política do Itamaraty), além de uma perspectiva colonial, no sentido de se assumir uma posição em que se acredita estar sendo rigoroso, mas na realidade sendo mais papista que o papa. É uma missão colonial dessas duas pessoas (Serra e FHC)”, avalia o coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luis Fernando Ayerbe.
“Eles vão ao Uruguai reivindicar, de um órgão sub-regional como o Mercosul, que a Venezuela não pode exercer funções internacionais como Estado a partir de critérios que deixam de lado a legalidade. Entretanto, nas Nações Unidas, isso não acontece. Em fevereiro, a Venezuela ocupou a presidência rotativa do Conselho de Segurança. Ou seja, num órgão superior ao Mercosul, da ONU, ninguém toma medidas como essa”, lembra Ayerbe.
O chanceler interino brasileiro defendeu, a El Observador, que até meados de agosto a Venezuela “tem que cumprir exigências para entrar (definitivamente) no Mercosul, o que ainda não apresentou”. Serra defende a mesma posição do governo argentino de Mauricio Macri. Apesar de aparentemente ter aceitado os argumentos dos brasileiros, o presidente Tabaré Vázquez havia manifestado antes a intenção de entregar, como previsto, o cargo ao presidente venezuelano Nicolás Maduro, por entender que não havia argumento jurídico que impedisse, como informa o jornal uruguaio.
Para Ayerbe, estão sendo criados expedientes para negar o direito à Venezuela, “para mostrar credibilidade frente a não sei quem”. Em sua opinião, a atitude brasileira prejudica muito o governo de Nicolás Maduro, num momento em que se discute, na Organização dos Estados Americanos (OEA), a busca de negociação sobre a situação interna venezuelana.
No final de maio, a OEA invocou a chamada Carta Democrática Interamericana contra a Venezuela e pediu a convocação de um conselho permanente dos Estados-membros para discutir a “alteração da ordem constitucional” do país, segundo o secretário-geral da OEA, Luis Almagro. A alegação é de que haveria "alteração constitucional que afeta gravemente a ordem democrática" do país.
Em reunião dia 23 de junho, uma sessão extraordinária do Conselho Permanente da OEA sobre a crise venezuelana não chegou a nenhuma decisão.
Miriam Gomes Saraiva, pesquisadora do departamento de graduação e pós-graduação de Política Externa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, lembra que o Brasil não está sozinho em sua posição sobre a questão venezuelana. “Não é uma coisa só da política externa brasileira. Dentro do Mercosul há a posição do Paraguai, que não quer a Venezuela de jeito nenhum, e a Argentina, que toleraria, mas também não quer. O Uruguai é o país único que aceita de bom grado.”
Ideologia
Para ela, apesar do argumento de Brasil, Argentina e Paraguai ser tecnicamente correto, pelo fato de a Venezuela ainda não ter aderido a uma série de regras do Mercosul, e portanto não ser um membro pleno do bloco, a questão política permeia a atitude de Serra. “É um argumento técnico verdadeiro. Agora, esse foi o motivo? Provavelmente não. O motivo é não só a situação caótica da Venezuela como uma posição política do novo chanceler (brasileiro) contra o governo venezuelano.”
Na opinião da professora, se é correta a avaliação do ex-chanceler brasileiro Celso Amorim, de que o Brasil está ideologizando a política externa, é também verdade que não se pode separar a política das relações internacionais e é natural que qualquer governo adote sua própria ideologia. “No passado existia uma visão de que quem faz política externa é diplomata, que política externa não tinha nada a ver com política. Mas isso é uma ficção. A política externa é ligada à política.”
Na segunda-feira, Celso Amorim criticou a atuação de Serra à frente do Itamaraty. “Não podemos olhar para a política externa com uma atitude mesquinha. Tem gente ganhando com a ideia de o país se enxergar como vira-lata", disse.
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