3 de set. de 2016

Dilma: 'Ditaduras não precisam ser militares, podem ser disfarçadas'

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Em entrevista à imprensa internacional, ex-presidenta criticou violência contra manifestantes que rechaçam Temer. "Quando temos medo das palavras, começam as arbitrariedades", disse

por Redação RBA

São Paulo – “É a segunda vez que votam meus direitos políticos. Fui condenada três vezes na ditadura (1964-1985). Ontem, como hoje, ilegítimo”, definiu a ex-presidenta Dilma Rousseff, em entrevista concedida hoje (2) para a imprensa internacional. Ao traçar paralelos entre os golpes, mostrou preocupação sobre o futuro: “Prefiro a voz surda das ruas do que os silêncio das ditaduras (…) sei como começa e como termina a história”.

“As pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam uma menina. Depois, matam alguém, como foi com o estudante Edson Luís (1968). Então dizem que a culpa é do manifestante, pois a violência partiu deles. Isso que ninguém da minha geração pode compactuar. O terrorismo do Estado é gravíssimo. O poder dele para reprimir é muito forte. Assim começam as ditaduras. Não precisam ser militares, podem ser civis disfarçadas”, afirmou em referência às recentes ações violentas da Polícia Militar contra atos contrários ao governo de Michel Temer (PMDB).

Ao lado de seu advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Dilma respondeu aos jornalistas de forma descontraída, sem deixar de lado a seriedade do momento. “Temos que debater. Não é possível o tipo de repressão que estamos vendo. Não é possível que não se possa falar o que quiser, como 'Fora, Temer'. Quando começamos a ter medo das palavras, começa a arbitrariedade. Temer as palavras leva a isso. Veja, jamais tivemos medo das palavras, conheço uma ditadura na pele”, disse.

Em relação ao processo de impeachment, Dilma lamentou que, junto com ela, “foi julgada a democracia”. “Acho gravíssimo que um programa não eleito nas urnas seja executado. Parte da sociedade vai entender isso progressivamente. Infelizmente perdemos e espero que saibamos como reconstruir a democracia. Também espero que sejamos capazes de ter a clareza de que isso nunca mais pode acontecer”, disse. “O golpe parlamentar atua como um parasita que corrói a democracia”, completou.

Dilma argumentou que, com alterações na economia mundial, o Congresso arquitetou formas de desestabilizar seu governo. Além do impeachment, as ações do Legislativo aprofundaram a crise. “A crise econômica começa no final de 2014 nos países emergentes (…) No Brasil, o maior componente foi a crise política. Ela impede sistematicamente a retomada do crescimento econômico. Ao longo de 2015, tivemos todos os projetos negados pela Câmara ou aceitos com alterações. Também tivemos as pautas-bomba”.

“O segundo ponto importante foi a ação do ex-presidente da Casa e deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele é o grande articulador do golpe. Houve uma deliberada tentativa de desestabilizar o meu governo. Além de não aprovar o que mandávamos, eles ampliaram os gastos. Chegamos ao ponto de R$ 130 bilhões em estoque de pautas-bomba no Congresso. Em 2016 piorou: o Legislativo não funcionou. Do dia da abertura, até cinco dias antes de meu afastamento, nenhuma comissão funcionou na Casa”, disse a petista.

Dilma criticou o argumento para sua deposição e ressaltou pontos positivos das gestões petistas nos últimos 13 anos. “Senadores do PSDB e do DEM dizem que os motivos pelo impeachment e as causas da crise são o Plano Safra e os decretos de crédito suplementar. Isso é ridículo, é subestimar a inteligência das pessoas (…) Hoje, o Brasil tem fundamentos sólidos: US$ 378 bilhões em reservas, quando o FHC deixou o governo tinha US$ 34 bilhões. Nossa dívida não é mais denominada em dólares, e sim em reais. Isso significa que controlamos nossa economia, diferente nos tempos anteriores, onde qualquer crise no exterior causava uma corrida contra o real”, argumentou.

Mudanças
Dilma reafirmou seu apoio à convocação de eleições diretas e afirmou que mudanças são necessárias no modelo político brasileiro. “Não existe uma ação homogênea de partidos no Brasil. Por isso, quando propusemos um plebiscito para chamar eleições, falamos de reforma política. Precisamos criar governabilidade. Veja, o FHC precisou de três partidos para obter maioria simples no Congresso e quatro para a composta. Lula precisou de oito e 11. Eu precisei de 14 e 20. Isso, além de que os partidos não tem unidade, na hora de votação, atuam por interesses”, disse.

“Temos que trabalhar para aprofundar o caráter programático dos partidos. Ninguém terá uma governabilidade que não seja 'toma lá, dá cá'. É difícil conviver neste sistema se você tiver convicções. Por isso me chamam de dura, porque recuso e recusei (negociatas). Ora, Cunha queria que três deputados do PT votassem contra sua cassação para que não passasse o impeachment. Não é porque me retiraram da presidência que este processo amenizou”, completou.

Questionada sobre atuações futuras, Dilma disse que nunca deixou a política de lado, mesmo sem atuar em cargos eletivos. “Sempre fiz política sem ter mandato. Não fui presa durante a ditadura enquanto parlamentar. Fui militante e presidente. Não tenho nenhum projeto muito claro, mas para mim, a política é quando me coloco a questão: 'O que acho correto, o que posso fazer para o conjunto de homens e mulheres que dividem comigo este tempo histórico?'. Política é a obrigação de pensar nos outros, não apenas (de forma) partidária”, concluiu.

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