3 de set. de 2016

O Golpe foi consumado, mas isso não é o fim

Dilma no Ato pela democracia no Teatro dos Bancários em Brasília, 24/08/2016
Foto de Brito Júnior
Dilma venceu Cérbero e nos mostra que venceremos o Golpe 
por Paulo Vinícius Silva

O Golpe foi consumado, é certo, mas isso não é o fim, a luta continua. E o maior exemplo foi dado pela Presidenta Dilma, a quem coube enfrentar a duríssima batalha que desmoralizou o próprio golpe, e cujo corolário é o fato de ter sido impossível ao Senado cassar-lhe os direitos políticos, a primeira grande vitória na luta contra o golpe. Isso é tanto mais importante quando aprofundamos a compreensão de que o Golpe não se trata da Presidência, apenas, mas da desconstrução dos avanços contidos na CLT, na Constituição de 1988 e na vitória contra a Ditadura, acrescida dos avanços obtidos desde a vitória de Lula à Presidência da República.

Talvez, só a assinatura da Lei Áurea – e há muito o que se questionar sobre o episódio – tenha conferido papel tão decisivo às mulheres na História do Brasil. Mas, desta vez, não há dúvida quanto ao protagonismo, à fidelidade ao lado representado e à coragem encarnadas na Presidenta Dilma. Em tempos de internet e de celulares conectados, expôs-se ao mundo em tempo real a vilania do golpismo. Todavia, o Partido da Imprensa Golpista e nossos erros na própria luta em curso poderiam ter levado à legitimação do golpe.

Trata-se de uma luta heroica, dessas que, para explicar, apelamos aos mitos gregos. O golpe já era realidade há meses. Impediram o voto popular de decidir desde 2014. Para derrubar a Dilma, entregar o Pré-Sal, rasgar os direitos do povo, inviabilizaram seu mandato. A derrota era certa e como é duro posicionar-se diante da derrota anunciada. E nesse ambiente, marcado pela confusão e pelas fragilidades intrínsecas e acessórias à força dirigente do processo, o Partido dos Trabalhadores, Dilma pôs-se de espada e escudo em punho para enfrentar as três cabeças de Cérbero, o mítico cão monstruoso que resguardava os portões do Tártaro, o inferno da mitologia grega, cuja ferocidade se dirigia aos que ansiavam por se livrarem daquela terra de sofrimentos. Reitero: o golpe já fora dado, mas a reação a ele poderia ter sido de tantos modos, que coube à Presidenta Dilma conduzir-nos para esse confronto e ela própria enfrentar a criatura nefasta, por isso é importante entender e tirar as devidas lições do episódio que ilumina a próxima etapa da resistência.

A primeira cabeça monstruosa que Dilma enfrentou foi a das mentiras urdidas para legitimar o Golpe. A sessão de mais de 14 horas em que ela enfrentou a súcia do Senado será lembrada na História, e foi a sua atitude, sua postura serena e firme, seu brilho que impediram a farsa de se manter de pé. Um a um, uma a uma, vimos os e as golpistas tombarem diante da verdade pura e simples da ilegitimidade do golpe.

A segunda cabeça monstruosa que Dilma abateu foi a do hegemonismo e da tibieza que se expressaram no anticlímax provocado pelas declarações do Presidente do PT, Rui Falcão, e de quem o apoiou, quando em nome da Frente Brasil Popular, posicionou-se contra as mobilizações levadas a cabo pela Frente Povo Sem Medo no dia 31 de agosto, unicamente porque continham a consigna “Que o Povo Decida”, e a sua inacreditável, reprovável, obtusa e grosseira rejeição à palavra de ordem do Plebiscito após a declaração da própria Presidenta Dilma. Ora, quem é da luta social sabe o efeito devastador que isso teve no último mês de mobilização contra o Golpe. Foi a expressão mais acabada do limite que o hegemonismo impõe à unidade das forças democráticas, patrióticas e dos trabalhadores e trabalhadoras, um tiro no pé na unidade do nosso campo, a razão de pulularem as especulações sobre o apoio do PT à Presidenta Dilma. Aqui, complicou. Poderia ter sido um Deus nos acuda e o anticlímax se sentiu por toda parte.

Mas, Dilma foi unindo ponta a ponta, incorporou a defesa das Diretas como o caminho da pacificação democrática pela afirmação da soberania popular; embalou a primavera feminista como um ascenso de participação que supera a divisão e as correntes. Fez a sua defesa reafirmando a nossa unidade em tudo, superando a esquerda, ampliando as bandeiras para a defesa do campo que se insurge contra o Golpe, da defesa da Democracia, da Soberania ameaçada e dos direitos do povo e da classe trabalhadora. Naquele momento, toda a insegurança, toda a divisão, todo o hegemonismo se mostraram vãos, e um despertar foi ocorrendo por todo o país. Naquele dia, estávamos na Esplanada, e não estávamos triste, não se viam choros. Dilma enfrentara por nós os fantasmas de nossos próprios medos, e matara a segunda cabeça de Cérbero, guardião dos padeceres sem saída, estávamos eletrizados porque unidos, porque na luta, porque acreditamos em nós mesmos e na vitória. Mas este ente organizativo da unidade ainda engatinha. Todavia, as mobilizações espontâneas, ferozmente reprimidas por todo o país são filhos daquela coragem. E sua fala ao final do Golpe abre uma nova onda de mobilizações, indispensáveis nessa fase da resistência. E a luta pelas eleições diretas está no centro, contra o golpismo

Já a terceira cabeça do Cérbero que Dilma cortou foi a do ineditismo do seu gesto face à às forças que levaram Getúlio Vargas ao suicídio heroico, Jango ao exílio e à cilada e ao envenenamento. Diante do incontornável padecer, ela nos ensina a valiosa lição da coragem que resta. Ela encarna a coragem de todas as mulheres que, no passado e no presente, desempoderadas, cuidaram sozinhas das famílias, inclusive quando os maridos estavam na luta, na prisão, desaparecidos, e elas estavam na luta sem ribalta, sem estátua, aquela luta do sofrimento diário, sem menções, como a dos agricultores e agricultoras que lavram a terra, como a da clandestinidade que não tem horizonte de se findar, e que obriga, antes de tudo, à sobrevivência com discrição, e à resistência do silêncio face à tortura. Dilma não se matou, não fugiu, sequer tremeu. Seus algozes, outra vez, empalideceram frente aquela firmeza. Ela nos deu a mensagem da sobrevivência. E eles não puderam cassá-la, não puderam.

Exemplos muitos de heroísmo há, de martírios, de superações. Todavia, quantas vezes pudemos contar que uma mulher liderasse um país da dimensão do Brasil, ocupando esse lugar central, e com essa formidável contribuição individual? Procuro e não encontro. Também esse feito ficará na História e terá consequências irresistíveis pelo exemplo que encerra, pelas portas que abre ás mulheres na luta do povo. Poderemos muito mais com as mulheres que Dilma motiva, e com a ternura e admiração que ela inspira em nós, homens, nesse aprendizado do emancipacionismo, tão difícil e tão importante na luta pelo socialismo.

Foi ela quem deu a senda da vitória diante da adversidade. O Golpe não pode expor à luz sua carranca inominável. Estamos unidos. E ela está viva, conosco, e a luta continua, sempre.

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