9 de out. de 2016

Precisamos falar sobre o sistema prisional brasileiro

Vinte e quatro homens em uma cela para quatro. Ratos, baratas e comida estragada. Essa é a realidade do Complexo Prisional de Pedrinhas, no Maranhão, que voltou a ser o ponto central de uma nova onda de violências no final de setembro.

O sistema prisional do Brasil está em colapso. Não é a primeira vez que rebeliões acontecem em presídios com o objetivo de reivindicar melhores condições prisionais. Em 2013, Pedrinhas também foi palco de violências que resultaram na morte de 22 presos, muito deles decapitados.

Em visita ao Brasil, na época, o relator especial da ONU para tortura, Juan Méndez, disse que a própria superlotação das unidades é um fator crucial para o agravamento da situação de maus-tratos dentro das prisões brasileiras. Em 2014, o número de vagas existentes era de 376.669, com um déficit de 231.062.

Desde a rebelião de 2013, algumas coisas mudaram dentro das prisões maranhenses. O Estado passou a separar os presos por facções a fim de diminuir as mortes dentro dos presídios. Contudo, as condições prisionais parecem ser as mesmas, segundo fotos divulgadas hoje pela BBC Brasil. Marcos Fuchs, diretor do Instituto Pro Bono, afirma que “quanto mais preso e mais superlotação, mais você fortalece o estado paralelo”.

Não há projetos de ressocialização ou educação no contexto carcerário, mas o inverso disso tudo: violência dos agentes contra os presos; o uso de gás lacrimogênio e de balas de borracha; a falta de saúde; de uniformes e de comida.

O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, aproximadamente 700 mil presos, atrás somente dos Estados Unidos da América, China e Rússia. O número de detentos cresceu 575,2% desde 1990, mantendo esse ritmo, em 2030, teremos 1,9 milhão de adultos encarcerados.

Pedrinhas volta ser ponto central de uma nova rebelião
As rebeliões iniciaram no dia 24 de setembro, no presídio de Pedrinhas, e foram intensificadas por incêndios a ônibus, carros e escolas, que serviriam como pleitos eleitorais. As facções, responsáveis pelos ataques e que atuam dentro e fora dos presídios, ameaçavam impedir que as eleições municipais acontecessem, caso as suas reivindicações de melhores condições prisionais e respeito aos direitos humanos não fossem atendidas.

No dia 30, o governo decidiu intervir enviando 700 agentes à unidade com o objetivo de realizar um “pente fino” e encontrar os mandantes dos crimes. A “Operação Resposta” – nome dado a ação do Estado – foi concluída com a transferência de 23 presos para o presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, um dia após a entrada dos agentes. Para o governo maranhense, a rebelião ocorreu devido ao fim dos privilégios ilegais dentro dos presídios.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária afirmou, em nota, que não tinha registros de feridos, mortos ou reféns durante a operação. Contudo, organizações de direitos humanos que monitoram o complexo, discordam desse discurso. Desde o dia 30 de setembro, três detentos foram encontrados mortos dentro de Pedrinhas, o que eleva para ao menos 79 o total de óbitos registrados na unidade desde 2013.

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a Justiça Global e a Conectas Direitos Humanos fizeram uma inspeção no presídio, no dia 26, e constataram que a situação dos detentos é precária. Consequentemente, enviaram um documento de urgência à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, denunciando as violações encontradas na penitenciária.

Sistema prisional falido
607.731. Esse é o número de pessoas estavam presas no Brasil em 2014, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A cada 100 mil brasileiros, 421 são presos. E os números só tendem a aumentar.

A população prisional no país cresceu 575,2% desde 1990. Mantendo este ritmo, em 2030 – ano em que as Nações Unidas pactuaram como base para as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – teremos 1,9 milhão de adultos encarcerado. Para receber toda essa população, o Brasil precisaria construir, nesse período, 5.780 novas unidades prisionais que serão somadas as 1.424 já existentes.

A “Nova Lei de Drogas”, que começou a vigorar em 2006, só piorou esse cenário. A norma despenalizou o usuário e inseriu penas mais duras para presos por tráfico, aumentando o tempo mínimo de encarceramento de três para cinco anos. Ainda que seu propósito geral tenha sido retirar os usuários das prisões, a lei não estabeleceu a quantidade que diferenciava os dois grupos, deixando para a livre interpretação dos juízes, promotores e policiais.

Nos primeiros 9 anos de execução da nova lei, a proporção de população encarcerada por tráfico passou de 14% para 27%, tornando-se a maior causa de encarceramento no Brasil, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Prisional Brasileiro de 2015. Entre os homens, 25% são presos em decorrência desse crime, enquanto entre as mulheres, o percentual sobe para 63%. O número de presas quase dobrou desde a aprovação da nova lei. Para se ter uma ideia, em 2005, 34% da população carcerária feminina respondia por crimes ligados ao tráfico.

Em um artigo escrito para a Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, Luciana Boiteux, doutora em direito penal, afirma que “apesar da ampla aceitação (e ratificação) das convenções de controle de drogas pelos países, os almejados objetivos de redução do consumo, impedimento da produção e erradicação das substâncias não foram alcançados, muito embora os índices de encarceramento por crimes de drogas sejam altos na maioria dos países, especialmente na América Latina”.

Hélen Freitas é estudante de jornalismo e colaboradora do site Sobreviva em São Paulo. Participa do 3º Curso de Informação sobre Jornalismo e Direitos Humanos, módulo do projeto “Repórter do Futuro”, organizado pela Conectas Direitos Humanos, Oboré e Abraji.

fonte justificando.com

Nenhum comentário: