1 de jul. de 2017

Não há eleição limpa com a força do dinheiro

Ilustração: André Zanardo 
Um dos principais problemas no funcionamento das democracias eleitorais é o constante transbordamento do poder econômico para a política. Embora o ideal democrático exija a igualdade entre todos os cidadãos (e cidadãs), quem controla mais recursos materiais costuma exercer uma influência maior nas decisões públicas. Parte do problema é estrutural e advém do casamento turbulento entre o capitalismo e a democracia, em particular da vulnerabilidade social às decisões privadas dos detentores do capital. Outra parte se liga às interações entre agentes do campo econômico e do campo político, tal como lobbies, corrupção e também o financiamento de campanhas.

No Brasil, o amplo reconhecimento de que o poder do dinheiro compromete as disputas eleitorais não levou, até agora, a soluções efetivas para o problema. As eleições municipais do ano passado foram as primeiras, neste século, em que as doações de empresas foram vedadas. Norma similar havia sido revogada nos anos 1990, a partir do argumento de que a proibição era ineficaz e alimentava o financiamento ilegal (caixa dois). O retorno da proibição, que enfrentou oposição renhida de atores políticos importantes, em particular o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o então senador Aécio Neves e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi saudado como uma vitória da democracia.

Os resultados, porém, foram menos do que auspiciosos – mesmo que se dê um desconto pelas circunstâncias em que o pleito ocorreu, uma vez que o golpe de maio e agosto de 2016 ensinou aos agentes da política brasileira que está vigorando o vale-tudo. Foram detectados vários mecanismos para burlar a proibição, o caixa dois continuou em funcionamento e candidatos milionários apareceram como os principais beneficiados.

Ainda que funcione, porém, a proibição apenas do financiamento empresarial mantém a desigualdade política. A capacidade de influência na eleição permanece dependendo da disponibilidade de recursos de cada um. Se eu posso doar mil reais para meu candidato, valerei dez vezes mais que o meu concidadão mais pobre, que só pode doar cem – e dez vezes menos do que aquele, rico, que é capaz de doar dez mil. As doações têm muito pouco a ver com nosso envolvimento político ou com a importância que atribuímos à eleição; são função da utilidade marginal daqueles reais. Ou seja: os mais ricos influenciam mais mesmo que tenham preferências menos intensas.

A solução passa, portanto, pelo financiamento público exclusivo das campanhas. Mas é necessário discutir como implementá-lo. Em primeiro lugar, decidir como distribuir o dinheiro. Dar parcelas iguais a todos os partidos ou candidatos é premiar projetos irrelevantes e estimular a aparição de oportunistas. Distribuí-lo proporcionalmente aos resultados das eleições anteriores trabalha contra a regra democrática que as minorias devem ter condições de se tornarem maiorias. De um jeito ou de outro, o monopólio da gestão destes recursos reforça o poder das oligarquias partidárias. A alternativa, que seria a distribuição de vouchers para que cada cidadã ou cidadão defina a destinação da verba, parece exigir um grau relativamente elevado de maturidade política, sob pena de incentivar práticas de corrupção.

O outro problema é o impacto nas contas públicas. Ainda que se reconheça que o financiamento privado sempre sai mais caro (pois os financiadores cobram a conta dos eleitos), a preocupação é válida. Viciados em campanhas suntuosas, os políticos tendem a projetar valores estratosféricos. É melhor um financiamento público pouco generoso, que traria outras duas vantagens, além da economia para os cofres do Estado. Primeiro, permitiria identificar com mais facilidade quem burlasse a regra e obtivesse recursos de outras fontes. Em segundo lugar, a abundância de dinheiro nas campanhas trabalha contra a qualidade do debate eleitoral. Sem as pirotecnias que a campanha cara proporciona, os candidatos teriam que investir no discurso político.

As campanhas baratas, porém, também não são isentas de problemas. Elas reduzem a força dos partidos e candidatos diante de outras instituições que intervêm no processo eleitoral. Sem controlar a ação das máquinas públicas, dos meios de comunicação de massa e das igrejas, o resultado pode ser uma disputa ainda mais desigual.

Não há solução fácil, se o objetivo é nos aproximar um do ideal da democracia como igualdade política e autonomia coletiva. No Brasil de hoje, claro, essa discussão é quase que só acadêmica. Ainda precisamos dar o primeiro passo, que é garantir que os resultados das urnas sejam respeitados.

por Luis Felipe Miguel noJustificando
Doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)

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