19 de jul. de 2017

Revolta na missa de catador assassinado

Foto Roberto Parizoti CUT
POPULAÇÃO DE RUA
Revolta e emoção marcam missa de 7º dia de catador assassinado por policial
O ouvidor da Polícia Militar, Julio Cesar Neves, disse que ficou claro que a cena do crime foi descaracterizada, para que não se possa esclarecer o ocorrido

por Rodrigo Gomes, da RBA 

São Paulo – Com a Catedral da Sé cheia, artistas, jornalistas, militantes de direitos humanos e amigos do catador Ricardo Silva Nascimento, o Negão, assassinado com três tiros no dia 12, por um Policial Militar, no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital paulista, cobraram justiça e o fim da corporação. “Quanto vale a vida de uma pessoa? Certamente mais que um pedação de pizza, mas também mais que um carro ou uma joia. Mais violência não vai gerar a paz. É a vida de uma pessoa que foi tirada. Não importa onde, nem por que. Não podemos aceitar isso”, disse o bispo auxiliar Dom Devair Araújo da Fonseca, que celebrou a missa na tarde desta quarta-feira (19).

Ricardo foi morto na Rua Mourato Coelho, em Pinheiros. O policial José Marques Medalhano alegou que o catador estava alterado e tentou agredi-lo com um pedaço de madeira. Testemunhas negam essa versão e dizem que Ricardo não se aproximou do policial, mesmo assim foi alvejado no peito duas vezes e levado pelos policiais.

“Cheguei ao local 15 minutos depois. Vi os policiais recolhendo as cápsulas e intimidando as pessoas que haviam filmado a execução para apagarem os vídeos. Ele era um trabalhador. Foi absurdo o que aconteceu e isso não é um caso isolado”, contou o grafiteiro Mundano, criador do projeto Pimp My Carroça, que apoia o trabalho dos catadores.

O ouvidor da Polícia Militar, Julio Cesar Neves, disse que ficou claro que foi descaracterizada a cena do crime, para que não se possa esclarecer o ocorrido. “O ato do PM foi desproporcional e gratuito. A conduta dele foi irresponsável, não poderia jamais ter atirado no peito do Ricardo”, afirmou.

O padre Júlio Lancellotti, que coordena a Pastoral do Povo da Rua, destacou que a Catedral da Sé estava celebrando hoje mais uma missa para uma vítima da brutalidade do Estado, como já o fizera com o jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura, e o metalúrgico Santo Dias da Silva, assassinado por um policial durante um piquete na zona sul de São Paulo, ambos durante a ditadura civil-militar (1964-1985).

“Ricardo foi executado friamente pela PM. Aqui nós rezamos pelos moradores de rua massacrados em 2004. Pelas pessoas mortas de frio na cidade esta noite. Estamos aqui e queremos que a população de rua seja respeitada, que os catadores sejam respeitados. Ainda hoje jogam água na população de rua na Praça da Sé. Promovem várias violências contra as travestis e as pessoas transexuais. Isso tudo é inaceitável”, afirmou Lancellotti.

Representando os moradores de Pinheiros, Ana Christina Domineghetti disse, às lágrimas, que Ricardo morava na região havia três anos. “É muito emocionante estar aqui. Tínhamos o Ricardo como nosso vizinho. Um jovem trabalhador, muito querido e generoso. Quando recebia comida e já tinha se alimentado ele sempre dizia pra gente passar pra outra pessoa. Toda noite ele organizava os materiais coletados e dormia em um dos carrinhos”, afirmou. Para ela, nada justifica a ação do policial.

Durante a missa, manifestantes estenderam grandes faixas no chão da catedral pedindo o fim da matança contra jovens pobres e negros, entre outras reivindicações. Entre os presentes estavam os atores Sérgio Mamberti e Letícia Sabatella, os jornalistas Audálio Dantas, Juca Kfouri e Eliane Brum, e o ex-secretário nacional e municipal de Direitos Humanos Rogério Sottili.

Após a celebração, todos se dirigiram à escadaria da catedral, onde cantaram em coro que a população em situação de rua “têm de viver”, que os catadores “têm de viver”. Também entoaram coro pelo “fim da PM assassina”.

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), o inquérito está sendo conduzido pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil. Algumas testemunhas já foram ouvidas e a arma do PM envolvido na ocorrência – que está afastado das funções – foi enviada para perícia. 

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