18 de set. de 2017

Há 48 anos, ditadura assassinava Carlos Lamarca

"Eu vim servir ao Exército pensando que o Exército estava servindo ao povo, mas quando o povo grita por seus direitos é reprimido. Aqui o Exército defende os monopólios, os latifundiários, a burguesia. O povo é sempre reprimido. Esse Exército é podre e eu não aguento mais…"

Reproduzimos a seguir o texto “A queda do comandante Carlos Lamarca”, de autoria de Ivan Seixas. Resistente à ditadura civil-militar (1964-1988), Lamarca foi assassinado pelo Exército em Ipupiara, no sertão da Bahia,  em 17 de setembro de 1971.

Preso pela ditadura em 1971 aos 16 anos, Ivan Seixas testemunhou o assassinato de seu pai, Joaquim Alencar de Seixas, no DOI-Codi/SP em 1971

A queda do comandante Carlos Lamarca

*Por Ivan Seixas

O carcereiro chegou com um jornal na mão, dizendo: “Vocês souberam que mataram o Lamarca?” Não acreditamos e perguntamos de onde ele teria tirado aquela história absurda. Ele nos deu o jornal pela janelinha da porta da cela para vermos e estava tão atônito quanto nós com a notícia. Lamarca era o combatente mais procurado do país, a ditadura tinha um ódio visceral dele por ter tido a coragem de romper com as Forças Armadas e se unido à guerrilha contra o regime entreguista, torturador e assassino.

A frase dele, em sua carta ao povo brasileiro quando decidiu romper com a ditadura foi:

“Eu vim servir ao Exército pensando que o Exército estava servindo ao povo, mas quando o povo grita por seus direitos é reprimido. Aqui o Exército defende os monopólios, os latifundiários, a burguesia. O povo é sempre reprimido. Esse Exército é podre e eu não aguento mais…”
—Carlos Lamarca, em 1966.

Capa da revista Veja noticiando a morte de Lamarca
Naquele dia de setembro de 1971 eu estava de volta ao DOPS de São Paulo, depois da repressão militar ter me mantido escondido no DOPS de Porto Alegre, por dois meses seguidos. Na minha cela estavam vários companheiros de luta do Comandante Carlos Lamarca e alguns meus companheiros também.

Carlos Lamarca morou por alguns meses na minha casa, que era um aparelho do MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes, minha Organização, que abrigava o Comandante depois dele ter saído da experiência vitoriosa da Guerrilha do Vale do Ribeira. A ditadura estava furiosa com o fato dele ter driblado 5 mil soldados das 3 forças armadas, escapado de bombardeios com napalm, cercos espetaculares e ter voltado à cidade ileso e vitorioso.

Depois que saiu do Vale do Ribeira, ele foi abrigado na casa do nosso Comandante Henrique, nome de guerra do torneiro mecânico e gênio militar Devanir José de Carvalho, durante dois meses. Como estavam concentrados na mesma casa duas lideranças enormes da Guerrilha Brasileira, foi decidido que deveriam ficar em aparelhos separados. Por isso, ele foi morar conosco.

Posso afirmar que Carlos Lamarca, que para nós era o Comandante Cid, da VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, era um homem extraordinário. Líder dedicado tinha a preocupação de nunca deixar perguntas sem respostas, mas adorava ouvir a opinião dos outros. Até eu, um menino de 15 anos apenas era perguntado sobre várias questões e ele ouvia atentamente o que eu tinha para falar.

Ele gostava mesmo de conversar com minha mãe e meu pai, ambos antigos militantes com trajetória no PCB, rompimento com o PCB e militância em outras organizações clandestinas (MR-26 – Movimento Revolucionário 26 de Março, em homenagem à primeira ação de guerrilha contra a ditadura, que tomou cidades do norte do Rio Grande do Sul) depois do golpe e que mantinham o marxismo-leninismo presente na militância diária. Ele ficava horas na cozinha junto com minha mãe, ajudando ela a preparar o almoço e conversando sobre os destinos de nosso país sufocado por uma ditadura.

Estudioso do marxismo e de táticas militares, passava a maior parte de seu tempo lendo e, principalmente, escrevendo textos para sua Organização e seus militantes.

Falava de seus filhos com muita saudade e dizia ter a esperança que um dia conseguiria sair do país para visitá-los em Cuba, onde estavam abrigados pela solidariedade do povo cubano. Tinha o maior respeito por “Marina”, nome de guerra de Maria Pavan Lamarca, mãe de seus filhos Cesar e Claudia Pavan Lamarca. Uma vez o vi chorando ao ler uma carta que veio de Cuba e falava de seus filhos ou era escrita por eles.

Carlos Lamarca era odiado e temido pelo nosso inimigo, mas era amado e idolatrado pelos militantes da esquerda armada, justamente por ser uma pessoa respeitosa e carinhosa com todos com quem se relacionava. Aprendi muito com ele.

Carlos Lamarca faz muita falta hoje. Não perdoo quem o levou para o sertão da Bahia sem uma infra estrutura mínima para sua manutenção. Tenho o maior respeito pelo Zequinha Barreto, que o carregou nos ombros na fuga até serem abatidos a tiros pelos assassinos do DOI-CODI, seus irmãos Otoniel e Olderico, seu pai José Barreto, Antônio Santa Bárbara, e todos os moradores de Brotas de Macaúbas, que foram torturados em praça pública para entregar o Comandante Carlos Lamarca e se mantiveram firmes. Até hoje a população da cidade tem medo das Forças Armadas por causa da repressão empreendida nessa época.

Comandante Carlos Lamarca está presente!
Ousar Lutar, ousar vencer!

por Nocaure

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