(Foto: Tasnim News Agency/ Reuters) |
Nos últimos dias de 2017, o mundo foi pego de surpresa por uma onda de manifestações políticas no Irã. Imediatamente, o presidente norte-americano Donald Trump demonstrou seu apoio ás manifestações e afirmou que “o grande povo iraniano se levantou e está faminto por comida e liberdade”. Curiosa declaração de respeito para alguém que sequer permite a entrada de iranianos em seu país e que há poucos meses chamou o Irã de “uma nação de terroristas”. A embaixadora norte-americana na ONU Nikki Haley propôs uma reunião de emergência para discutir como a ONU poderia apoiar os manifestantes.
Mas afinal, quem são esses manifestantes, quais os interesses envolvidos neste jogo e o que originou a maior onda de protestos no país desde 2009?
As razões primárias dos protestos se originaram em Mashhad (segunda maior cidade iraniana) e depois se espalharam para Teerã e outras grandes cidades são econômicas: o acordo intitulado P5+1 de 2015 (que envolveu os 5 países membros do Conselho de Segurança, mais a Alemanha), propunha que as sanções contra o Irã, que já duram quase 40 anos, seriam suspensas em troca de um drástico recuo no programa nuclear do país. Criou-se então uma enorme expectativa entre a população de que, com o fim do embargo o Irã finalmente sairia do sufoco econômico, receberia maciços investimentos estrangeiros, empregos seriam gerados e que sua qualidade de vida daria um salto qualitativo. Não foi o que aconteceu.
Na verdade, quase três anos depois, muitas das sanções seguem em vigor. Pra piorar, o presidente Donald Trump logo no início de seu mandato, aprovou dois novos pacotes de sanções e, em outubro não certificou o Acordo, empurrando, sem consultar os demais países signatários, a decisão final sobre a sobrevivência do mesmo para o Congresso Norte-Americano. Assim, o povo iraniano se sente duplamente enganado: pelo seu governo que prometeu que o Acordo valia a pena e pelo P5+1 que,em sua visão,não tem honrado o mesmo. A iniciativa privada local não se sente encorajada a investir em projetos de longo prazo num país marcado por sanções econômicas. Segundo dados oficiais, o desemprego no país é de cerca de treze por cento, mas há analistas que afirmam que esse índice na verdade pode ser bem maior.
Claro que nem todos os problemas do país tem origem nas sanções. O Irã é um país com sérios problemas estruturais que se arrastaram por todo o século XX e que ainda não foram solucionados a contento. Burocracia excessiva, corrupção, dependência do petróleo, altos impostos, aumentos nos preços dos alimentos e até do combustível. No mês passado quando foi votado o orçamento do país, o presidente reeleito Hassan Rohani justificou o aumento do preço da gasolina com a necessidade da manutenção de instituições religiosas pelo Estado. Essa declaração foi um dos estopins da revolta, especialmente no clima de frustração de expectativas que vive o país. Há também uma enorme dependência dos investimentos da Guarda Revolucionária, instituição criada em 1979 para proteger o Irã de um golpe que reconduzisse o Xá Reza Pahlevi ao poder,que teve uma atuação fundamental na Guerra Irã-Iraque e que hoje representa uma elite não apenas militar,mas principalmente econômica do país,responsáveis pela maior parte dos investimentos,com um fortíssimo lobby no Parlamento e respondendo somente ao Líder Supremo, o Aiatolá Ali Khamenei.
Porém, o que começou como um protesto pela alta dos preços de produtos básicos passou a ser instrumentalizado tanto pela oposição interna ao regime (entre eles muitos saudosos do regime monárquico) quanto por elementos externos. Assim, as manifestações legítimas do povo iraniano têm sido sequestradas por grupos políticos com agendas próprias. Vários opositores do regime no exterior têm usado as redes sociais para estimular as manifestações e transformar um protesto pontual (como os ocorridos em 1999 e 2009) num questionamento do regime como um todo. Como sempre acontece quando há protestos no Irã, analistas internacionais e a mídia, especialmente anglo-americana, prevê a implosão do regime, algo muito improvável,dado tanto ao substancial apoio que o regime possui entre o grosso da população (que também tem saído ás ruas), quanto pelo controle total que o governo possui dos meios de comunicação,da economia e das Forças Armadas,amplamente fiéis ao regime.
Após as malfadadas invasões de Iraque e Líbia devemos ficar sempre muito atentos a quais são os interesses ocultos por detrás de cada discurso em nome da “democracia, liberdade e direitos humanos”.
*Andrew Traumann é Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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