Ilustração: Reprodução/Pinterest |
Para muitas pessoas, ser religiosa e feminista é algo incompatível. Para mim não, já que as duas coisas me formam, formam meu modo de agir, de pensar e ser no mundo. E as duas se complementam.
Fui criada dentro da doutrina espírita e cheguei a me afastar um tempo dos trabalhos, justamente por achar que alguns julgamentos feitos dentro da instituição eram incompatíveis com a minha vivência enquanto mulher feminista – mesmo que na adolescência ainda não soubesse que o nome do que eu vivia e pensava era feminismo.
Mas voltei porque é na casa espírita que me sinto em casa. Orando, estudando as palavras de Jesus, acompanhando os trabalhos é que me harmonizo para viver o dia a dia.
Aprendi na casa espírita valores que são muito importantes para mim.
E o que seria da minha saúde física e mental se aos 14 anos, quando descobri ter uma doença incurável e degenerativa (esclerose múltipla), eu não tivesse minha fé? E fé pra mim é algo vivido em cada ato, não apenas rezando em voz alta.
Tenho fé de que nunca estou sozinha, de que tudo tem um propósito e é essa fé que me ajuda a seguir adiante mesmo nos momentos mais difíceis.
E o que isso tem a ver com feminismo?
Tudo. Porque eu não me vejo serena e feliz sem minha fé religiosa e não me vejo forte e empoderada sem o feminismo. E isso, sem dúvida, me trouxe alguns problemas dentro das instituições.
Durante um tempo foi muito complicado pra mim algumas questões relativas ao meu direito de ser dona de mim e de toda mulher ser dona de si e de suas escolhas, além de certo autoritarismo de julgamentos que a religião faz sobre nós.
Na leitura que eu faço do evangelho de Jesus, vejo que não devemos julgar nossas irmãs, mas sim apoiá-las nas suas escolhas, ainda que não sejam as nossas. E não era isso que eu via (e infelizmente continuo vendo) na maioria das casas espíritas em relação a questão do aborto, por exemplo, um tema muito debatido na minha religião.
Enquanto mulher, quero poder escolher se quero ser mãe ou não e quando quero. Depois de me tornar mãe, essa questão se tornou mais forte ainda porque eu sei o quanto de dedicação e abdicação é necessário para exercer a função da maternidade.
E sei que a nossa sociedade não apoia a maternidade
A verdade é que todo mundo acha “lindo de morrer” ser mãe, mas ninguém pega junto.
Se uma mulher, que não quer ser mãe, engravida e está dentro de uma instituição religiosa, os membros da instituição vão condená-la se escolher abortar, mas ninguém vai ajudar e pegar junto na maternagem se ela decidir ter o filho.
Sei disso porque eu, que escolhi ser mãe, não tenho o apoio que gostaria dentro da minha religião. Enquanto isso, homens abortam o tempo inteiro. Não fosse assim, não teríamos a realidade de milhões de pessoas sem o nome do pai na certidão de nascimento.
Ninguém incrimina um homem que se nega a ser pai
Enquanto mulher, mãe e espírita, acredito que quem mais sofre em todo um processo de aborto é a mulher.
Mulheres que abortam espontaneamente sofrem. Mulheres que escolhem abortar sofrem. Mulheres que não podem escolher se querem ou não ser mães sofrem. E o sofrimento não é apenas emocional, mas físico também, já que muitas fazem (a maioria mulheres pobres, porque as ricas fazem com todo o conforto)o procedimento em condições precárias e morrem por conta disso.
Mas Bruna, e o espírito da criança que iria reencarnar, não conta? Conta sim, sem dúvida.
Acredito que nossos filhos e filhas estão ligados a nós muito antes da concepção. Então, sim, o bebê sofre também com esse desligamento. Mas ele também tem capacidade de perdão, entendimento e crescimento nesse processo.
Acredito que a vida daquela que já reencarnou e está num processo de evolução e aprendizado é mais importante nesse momento. Somente ela, enquanto mulher e espírito em desenvolvimento numa sociedade como a nossa sabe o que fazer e, sendo assim, não deve ser tratada como uma criminosa por exercer um direito sobre a sua vida.
Mas então, é incoerente ser espírita e ser a favor da legalização do aborto?
Na minha visão não. Enquanto mulher, mãe e espírita, quero ser dentro da casa espírita a pessoa que acolhe quem busca informação sobre a maternidade e que apoia as decisões das mulheres sem julgamentos.
Quero ser aquela que abraça aquelas que, por algum motivo que não cabe a mim julgar, escolheram não ser mães agora e que, com toda certeza do mundo, sofrem sim com essa decisão também.
Sou contra os julgamentos morais que se fazem sobre as escolhas de cada uma de nós. Afinal, o livre arbítrio tá aí. Não acho que uma mulher que comete um aborto seja uma assassina como muitos dizem. Nem que seja uma pessoa melhor ou pior.
Estamos todos aqui para aprender, amar e evoluir. Jesus nos disse “amai-vos uns aos outros” e não julgai-vos. Acredito que as mulheres, independente das escolhas que façam, precisam ser abraçadas, acolhidas e amadas dentro das religiões. E eu posso fazer isso hoje.
Bruna Rocha Silveira é Publicitária, Mestre em Comunicação Social, Doutora em Educação, Pós-doutoranda em Educação (UFRGS), blogueira, mulher, feminista, espírita, mãe do Francisco.
fonte Justificando por Bruna Rocha Silveira
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