8 de set. de 2018

A farsa do atentado a Bolsonaro

A História ensina que um “fato” só é um fato a partir do momento em que o elemento humano a ele se relaciona. A cada segundo, milhões de “fatos” acontecem por todos os lados do globo, mas só alguns recebem significação pelo sujeito. Assim, é ser humano, em sua complexidade, que diz o que é um “fato” e como ele deve ser entendido dentro da teia de relações e correlações no tempo e no espaço.

por Fernando Horta no GGN

É através da contextualização que o processo de dar significado a algo se inicia. Não basta “ter acontecido”, é preciso que os homens e mulheres falem a respeito. Que estabeleçam o esforço de situar aquilo que “aconteceu” dentro do universo conhecido. As coisas só adquirem significados a partir dos seres que nelas colocam sentido, atenção e a transportam do mundo das insignificâncias para o ambiente político-narrativo.

Houve uma facada. O fato de não ter saído sangue no momento é bastante comum, já que o agressor apenas estocou a faca, não a mudou de direção. Provocou um pequeno corte e não uma laceração externa evidente. Os médicos e atendentes estavam sem luvas e com as máscaras fora do lugar porque a foto que circula do ex-capitão foi tomada no momento em que a equipe, tomada de surpresa, decidia o que fazer. Se não é o melhor procedimento médico, também não é suficiente para colocar em dúvida a gravidade da agressão.

Os vídeos do agredido feliz em visita a um hospital foram feitos pela manhã do mesmo dia, em visita a um hospital do câncer. Daí resulta a mesma roupa e a felicidade de campanha, tão verdadeira quanto as lágrimas de crocodilo. As manifestações, via Twitter, do filho não-fraquejado do ex-capitão só mostram o quanto a figura é despreparada para manejar uma simples ferramenta de comunicação. Não podem, contudo, alimentar a dúvida sobre a veracidade da agressão.

E toda a verdade sobre o “fato” se esgota aqui. A partir de agora, tudo é uma farsa. Montada na simbólica véspera do sete de setembro. O momento da independência sem povo é exaltado pelo exército como a formação deu uma país sem alma. Nos quartéis, a bandeira substitui os laços de solidariedade e é mais comum ver um militar chorando durante o hasteamento do “pavilhão nacional”, do que diante de crianças pobres esfomeadas a dormirem ao relento. Dar significado às coisas é um ato político, e amar uma bandeira mais do que à criança que ela representa é um dos assombros recorrentes das nossas forças armadas.

O vice-general Mourão, saiu rapidamente a montar a farsa do “atentado da esquerda” disparando sobre o Partido dos Trabalhadores e sobre o PSOL. O mesmo general que há poucas semanas honrava a chapa que participa chamando os índios de “preguiçosos” e os negros de “malandros”. É preciso que se diga que o general, claramente de linhagem dinamarquesa-islandesa, se alinhou rápido ao discurso do capitão. Todavia, se o general maneja uma arma (ou um tanque) com a mesma precisão que analisa a história e a política brasileira, entendemos um pouco da incapacidade e despreparo das nossas forças.

A Rede Globo Monopólio de Televisão também adicionou cores à farsa informando que a facada atingira a “democracia brasileira”. A afirmação chega a ser risível. Primeiro porque Bolsonaro não representa, nem nunca representou qualquer ideal de democracia. Simbolicamente o agressor não atacava a “democracia”, mas o fascismo bruto e descarado que o ex-capitão representa. Em segundo lugar, a afirmação da Globo faz parecer que ela sempre foi um bastião na defesa da democracia. E isto, até mesmo o ex-capitão havia jogado no colo dos entrevistadores da empresa como uma mentira mal-vomitada.

A montagem da farsa ainda ganhava outro ator, o presidente do partido pelo qual se candidata o fascista. Segundo aquela figura-referência de conhecimento e educação, “agora é guerra”, como se a campanha inteira do fascista não fosse fazendo apologia e promessa de guerra o tempo todo. Desde crianças de colo a fazerem sinais de armas, até promessas abertas de massacres e abusos em que Sua Santidade a procuradora-geral imperatriz da União Raquel Dodge não enxerga “problema algum”. Por anos, o mundo reconheceu o ex-capitão como um dos seres mais desprezíveis, abjetos e incitadores de violência que atualmente anda sobre este planeta. Não foi somente após a agressão que os fascistas decidiram “ir para a guerra”. Foi apenas uma desculpa para mais desrespeito e ignorância.

Mas a farsa foi completada pela fala da Sua Santidade Divina a Presidenta impoluta do STF, Carmem Lúcia. Sua Santidade deu entrevista em tom e feição que quase convenceu o país que estava preocupada com a “garantia das liberdades dos candidatos e eleitores” como a “expressão de um processo eleitoral democrático”. Sua Santíssima impoluta deverá me perdoar, mas condenar alguém sem provas, apressar julgamento e prender em presunção de inocência, mudar agenda do STF para mantê-lo preso, ignorar ordem da ONU e tratados internacionais e assumir conluio entre o judiciário e o MP para ignorar ordem de soltura são violências extremas contra as “liberdades dos candidatos” e, certamente, não representam “expressão de um processo eleitoral democrático”. E diante das reiteradas agressões de um dos judiciários mais caros do mundo ao seu povo, a faca do agressor se torna pequena, pequeníssima.

Não sou hipócrita, não desejo ao fascista pronto reestabelecimento. Sou justo, desejo a ele exatamente o que ele deseja a negros, índios, militantes de esquerda, do movimento sem-terra, aos transexuais, aos homossexuais e aos que dele divergem. Desejo exatamente o mesmo. Em gênero, número e grau.

A faca atingiu o intestino do fascista, e ter as próprias fezes a misturarem-se internamente com seu corpo é uma caricatura da vida do infelizmente presidenciável. Dar significado às coisas é um ato político.

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