18 de dez. de 2018

Jair Bolsonaro, Direitos Humanos e a Palestina

Arte: Caroline Oliveira
Os evangélicos apoiam Israel e odeiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é resultado do mesmo processo

Por Simony dos Anjos* no Justificando

No último domingo, 9 de dezembro, em uma aula de escola bíblica dominical, eu comentava sobre a questão do Estado Israelense frente aos palestinos. De certo modo, parece-me que a questão é bastante controvérsia no meio cristão, pois há uma falsa simetria entre o Israel da religião cristã e o Estado Israelense. E essa falsa simetria é justamente o capital político que os líderes evangélicos usam para conseguir apoio popular no tocante às relações internacionais sórdidas entre o Brasil e Israel.

O povo evangélico, de modo geral, tem se “judaizado” e se aproximou de um Israel político achando que é o outro religioso. Como efeito direto disso, as excursões para Jerusalém aumentaram exponencialmente. A famosa foto do Jair Bolsonaro em um batismo no Rio Jordão, por exemplo, foi feita numa dessas peregrinações  de grupos de evangélicos para a Terra Santa. Neste caso, seu batismo ocorreu concomitantemente com o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, ocasião na qual o presidente eleito participou da comemoração dos 68 anos do Estado de Israel.

O fato é que no governo eleito, as grandes lideranças são fortemente marcadas pelo viés ideológico e religioso. Nesse ínterim, já vimos de “Jesus no pé de goiaba” a pastor orando na diplomação do presidente eleito. Isso me preocupa profundamente, pois o imaginário do cristão médio é que a vida é um grande jogo maniqueísta no qual sempre tem um lado errado a ser combatido – neste caso, os negros, os gays, as feministas, os palestinos  etc.

Na semana em que a Declaração Universal dos Direitos humanos completa 70 anos, gostaria de chamar a atenção à postura dos evangélicos frente à questão da Palestina, que para mim é um grande contrassenso. Vejamos, a Declaração dos Direitos Humanos, assinada em 1948 por cerca de 60 países é um movimento concomitante à repatriação dos judeus e a expulsão dos palestinos da área que hoje se encontra o Estado de Israel, após a Segunda Guerra Mundial. Até aí nenhum problema, contudo, os evangélicos apoiam Israel e odeiam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é resultado do mesmo processo. Ou seja, como pode ser favorável ao Estado mas ser contra a declaração que o ajudou a se compor enquanto nação?

Segundo Hanna Yousef Emile Safieh, “a aprovação da Resolução 181 da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1947 referente à partição da Palestina, dando 56% do seu território para os imigrantes judeus para que nele formassem um Estado e deixando 44% para os próprios palestinos formarem seu Estado, é uma outra violação dos direitos humanos mais elementares destes últimos anos, e contraria frontalmente a própria carta da ONU”.

Pois bem, momentos históricos à parte, eu gostaria muito de retomar uma passagem bíblica que aponta para a falta de honestidade desses pastores evangélicos defensores do Estado de Israel (um estado genocida, truculento, que tem  matado milhares de inocentes em consonância com o imperialismo americano).

Na narrativa bíblica que traz a história dos patriarcas das grandes religiões monoteístas – Abraão, Isaque e Jacó –, são dois filhos de Abraão que dão origem ao povo judeu e ao povo palestino. Isaque, o filho legítimo de Abraão com Sara, dá origem ao povo judeu, o povo “eleito por Deus”. Ismael, o filho bastardo de Abraão nascido de Agar, dá origem ao povo palestino. Os crentes evangélicos ignoram uma importante passagem bíblica (Gênesis 16) que mostra que Deus não só se apresenta a Agar, mãe de Ismael, como salva o menino da morte. Deus abençoa Ismael e diz que ele seria uma grande nação.  Na narrativa bíblica, os palestinos são tão abençoados por Deus quanto os judeus.

Contudo, para os Estados Unidos (maior nação protestante-capitalista do mundo) foi muito proveitoso apagar a narrativa da bênção de Agar e de Ismael e defender o povo Judeu como povo eleito abençoado por Deus. Desta forma, um país fundado em 1948 com apoio de uma nação formada por cristãos que acreditavam estar agradando a Deus através da formação do Estado de Israel, se tornou a porta de entrada dos EUA no oriente médio e na disputa pelo petróleo – os governantes sabem muito bem o poder da religião na formação da opinião de uma sociedade.

Retomando meu pensamento, eu vejo que muitos estão comemorando os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitos estão criticando a postura do presidente eleito Jair Bolsonaro frente ao Estado de Israel. Contudo, não vejo a questão dos palestinos ser levantada nesse contexto. Há um imaginário judaico-cristão operando em nosso país e que não está sendo o suficientemente discutido, ou não de forma conjunta. Afinal de contas, é possível falar da Declaração Universal dos Direitos Humanos sem falar da repatriação artificial dos Judeus e do massacre Palestino? Acredito que não. E acrescento, ainda, que a religião cristã propicia um controle social efetivo para que se humanize os judeus em detrimento dos palestinos. Os EUA, maior responsável pela crise no Oriente Médio é a maior nação capitalista protestante. A falsa simetria religiosa entre a Israel dos Patriarcas e o Estado Israelense, que habita o imaginário cristão brasileiro vai afetar as nossas relações internacionais com o Oriente Médio como um todo. Que Jeová tenha misericórdia de nós!

Simony dos Anjos é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mestranda em Educação na Universidade de São Paulo (USP) e estuda a relação entre antropologia, educação e a diversidade.

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