Foto: José Cruz/Agência Brasil |
A fé que as pessoas tem no sistema moral defendido por Bolsonaro fez com que muitos não se importassem com suas propostas políticas. Tanto que grande parte dos apoiadores do presidente eleito não fazem ideia de quais são suas propostas
Por Raphael Silva Fagundes na Revista Fórum
Em uma conversa civilizada com um trabalhador da segurança pública, o tema do 13° salário veio à tona. Segundo o meu interlocutor, a “dependência” que o brasileiro tem em relação a tal “bônus salarial” trata-se de uma falta de planejamento. Se nós fôssemos mais responsáveis (como ele mesmo se dizia ser) não precisaríamos desse salário.
À época a questão foi levantada por Mourão, vice na chapa de Bolsonaro, em uma reunião com empresários gaúchos. Contudo, semana passada, o presidente eleito disse que o artigo sétimo da Constituição “vai ter que se aproximar da informalidade”. E depois repetiu a ideia estapafúrdia de que ser empresário no Brasil é um tormento.
Segundo uma pesquisa do Ibope, 75% do povo brasileiro acredita que Bolsonaro está indo no caminho certo. E acredito que, mesmo com o imbróglio do ex-assessor, esse número não terá uma queda expressiva. Muito menos por conta do fim do Ministério do Trabalho.
A fé que as pessoas tem no sistema moral defendido por Bolsonaro fez com que muitos não se importassem com suas propostas políticas. Tanto que grande parte destes 75% não fazem ideia das propostas do político.
Isso leva uma pessoa defender ideias contrárias a ela mesma. Um indivíduo que se simpatiza com a minha moral, dificilmente irá me prejudicar, logo tudo que ele disser ou fizer eu concordarei, pensam os cérebros do senso comum.
Não é ignorância, é uma questão de adesão espiritual promovida pela retórica. Nas igrejas neopentecostais, onde é sabido que muitos pastores se aproveitam dos fiéis, estes são influenciados constantemente pelas palavras do pregador. Porque, este último, está na comunidade, ouve os sofrimentos, visita os enfermos. O trabalhador chega de um dia de trabalho onde foi humilhado e escuta o sermão que afirma que ele é um escolhido deDeus. Ali ele é confortado. Esse acolhimento apaga qualquer tipo de dúvida em relação a idoneidade do pastor.
O mesmo acontece com o discurso político. As pessoas revoltadas com o establishment ouviram o discurso revoltado de alguém que parecia compartilhar do sentimento popular. O tom aqui valeu mais do que as palavras que foram ditas nas entrelinhas. Por isso a afirmação de Roland Barthes é precisa: “São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para dar uma boa impressão”. Bolsonaro fundiu o seu caráter à insatisfação do povo.
Essa imagem que o presidente criou o blinda contra a enxurrada de críticas que a mídia, intelectuais e entidades sociais vêm fazendo dele, dando-o liberdade para fazer algumas atrocidades, principalmente contra a classe trabalhadora. Assim como Deus esperou que Adão dormisse para arrancar-lhe a costela, o povo é iludido pelo ethos do presidente para que assim seja mais fácil arrancar-lhes os direitos.
Se não denunciarmos as táticas de fabricação desta imagem e para quem o indivíduo por trás dela trabalha vamos continuar dando murro em ponta de faca. Rebater o discurso produzido pelo presidente eleito não é o suficiente. É preciso criar uma outra narrativa que ouça os anseios populares, como o pastor da igreja ou do senhor revoltado aos berros no bar. É preciso abrir os olhos de todos para enxergarem um caminho que realmente possa ajudá-los a encarar, ou talvez superar, as dores da vida.
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