25 de mar. de 2013

Ensino público do Império abrigava pobres e negros


O bê-á-bá no caos

Relatórios antigos mostram que o ensino primário da rede pública, na época do Império, funcionava muito mal, mas abrigava crianças pobres e pequenos escravos

Por Maria Luiza Marcilio


Em geral o interior de nossa escola mais se assemelha a uma prisão (...) meia dúzia de bancos, uma mesa no chão, o clássico pote e mais nada; as paredes sujas e esburacadas, manchas de tinta por toda parte, ausência completa dos diversos objetos indispensáveis para o ensino (...)”. Assim José Marcelino Cavalheiro, um conceituado professor de Bragança, no interior paulista, descrevia, no seu relatório de 1878, o estabelecimento onde ensinava as primeiras letras. Ele reclamava da “falta de um edifício apropriado para as escolas onde possa o professor desenvolver todos os preceitos da ciência pedagógica” e recomendava, para compensar aquela situação de “desordem”, o emprego de enérgicos meios disciplinares: “Vê-se o professor na penosa alternativa de ou deixar os alunos entregues à anarquia, acarretando a si as censuras de seus superiores e do povo, ou a fazer uso da férula [vara de açoite], transgredindo assim disposição que deveria ser o primeiro a respeitar”.

Este e outros relatórios de mestres de primeiras letras, bem como os elaborados pelos presidentes de províncias sobre a instrução pública, guardados em sua maior parte no Arquivo Público de São Paulo, nos permitem reconstituir o que era o ensino básico brasileiro no final do Império. Primeira constatação: não havia prédios escolares. As aulas de primeiras letras funcionavam num cômodo da casa do professor, geralmente alugada, e cujo aluguel, em bem poucos casos, era pago pelo governo. O professor, para poder ensinar, acabava por subtrair parte de seus magros proventos para alugar a casa onde morava e onde dava suas aulas. Em seu relatório anual de 1847, o presidente da província do Rio Grande do Norte mostrava a situação de uma das escolas de sua região, que funcionava “num miserável quarto que não tem mais de 12 palmos de fundo, dez de largo e outros tantos de altos, todo cheio de fendas, ameaçado de ruína, úmido, coberto de limo, asqueroso, indigno, era o lugar em que o respectivo professor lecionava o crescido número de seus alunos, a maior parte dos quais iam escrever em suas casas, tendo os poucos que ficavam de escrever de joelhos sobre os desgraçados e poucos bancos em que se sentavam”.

Não era uma situação excepcional. Em todas as províncias da época, como então se chamavam os estados, das mais ricas às mais pobres, são encontradas descrições semelhantes. O presidente de São Paulo, centro da produção cafeeira do país, escrevia: “As escolas públicas da província permanecem, na generalidade, funcionando em local impróprio, muitas vezes sem condições higiênicas e desprovidas de tudo quanto lhes é indispensável”. Outro problema generalizado, já apontado pelo professor José Marcelino, dizia respeito à extrema precariedade, e ausência mesmo, de mobiliário e material escolar. Fica difícil entender como poderia haver aprendizagem naquelas condições. Numa época em que as crianças se iniciavam nas primeiras letras com giz de pedra, em suas lousinhas individuais, para só depois escreverem em papel, que era raro e caro, inicialmente a lápis e depois à tinta, usando penas de ganso ou de pato e, nos melhores casos, penas de aço acopladas em canetas de madeira, esses objetos raramente eram fornecidos pelo governo. No caso dos alunos pobres, quando os pais não os podiam comprar, acabava sendo o professor que mais uma vez subtraía, de seu minguado salário, uma parte para comprar material.

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