25 de mar. de 2013

General diz que é preciso combater o comunismo

Mantendo o 'status quo'

Em entrevista à RHBN, general da reserva fala sobre o golpe de 64, tortura contra guerrilheiros e ainda afirma que é preciso combater o comunismo na América Latina. 

General Bandeira folheia o livro que faz apanhado de ataques
dos guerrilheiros durante ditadura
Quando indagado sobre o que assegura a nossa democracia, contra o comunismo que, segundo ele, ainda hoje assola o Brasil e a América Latina, o assessor especial do presidente do Clube Militar, o general Clóvis Purper Bandeira, ou apenas general Bandeira, não titubeia em citar a liberdade de expressão. Ele defende, porém, a censura feita pelos governos militares. À época, afirma ele, era por uma questão de “segurança nacional”.
Na longa entrevista concedida à Revista de História, por conta de nosso Especial Guerrilheiros, o porta-voz do presidente da centenária instituição civil e privada, instituição esta que sempre aparece nos jornais por conta das comemorações do golpe de 31 de março, o general também abordou a importância da hierarquia nas Forças Armadas. Ele citou como uma das principais causas da "contrarrevolução” de 1964 o fato de o então presidente João Goulart ter ido à hoje famosa reunião com os sargentos no Automóvel Clube, no dia 30 de março de 1964.
Ao falar sobre o Orvil (2012), o livro de quase mil páginas produzido por militares no fim da ditadura com informações detalhadas dos atos “terroristas”, ele lembra que a obra não foi publicada quando terminada por conta da boa relação com o presidente da época. José Sarney, o primeiro civil após 21 anos de generais no comando do país, havia concedido “reformas de quartéis muito velhos, no tempo do império, compra de blindados, os helicópteros”, ele conta. Leia o restante da entrevista abaixo:

REVISTA DE HISTÓRIA - Como o senhor - ou o clube - vê, hoje em dia, os movimentos que lutaram com armas contra a ditadura militar?
General Clóvis Purper Bandeira – Muitos sócios mais velhos, os que têm tempo de frequentar o clube, porque estão na reserva, participaram na luta contra o terror e a guerrilha. São frontalmente contrários ao que aconteceu e se sentem injustiçados com a leitura que está sendo feita sobre fatos de 64, de 70 e 80.

RH - Qual seria essa leitura?
GB - Eles [os militares] impediram que o poder no Brasil fosse tomado por grupos comunistas e são acusados de terem feito isso. Aí vem a pergunta: e se o outro lado tivesse vencido? Haveria estudos sobre o período?

RH - Como o clube vê a criação da Comissão da Verdade?
GB - É a comissão da meia verdade. E meia verdade pode ser pior que uma mentira inteira. Porque como ela contém verdade, quem atacá-la estará atacando a verdade.

RH - Como foi publicar o Orvil, depois de tantos anos circulando apenas uma versão clandestina pela internet?
GB - Como eles explicam aqui [manuseia o livro], o centro de inteligência do Exército que fez esse trabalho. Uma equipe de analistas chefiada pelo general Del Nero, que morreu. Na época que isso ficou pronto, a ideia era publicar e o nome seria esse: “Tentativas de tomada do poder”, esse é o nome original do trabalho. Na época, o ministro [do Exército] é o general Leônidas. Ele estava num relacionamento muito bom com o governo, que eu acho que era o Sarney. Estava saindo reformas de quartéis muito velhos, no tempo do império, compra de blindados, os helicópteros do Exército. Ele achava que isso seria tacar fogo em algo que estava andando bem. Melhorou muito o relacionamento com o governo, o Exército está se reequipando. [O livro] saiu em 2012. Fizemos um lançamento aqui [no Clube Militar]. Foi lançado aqui, em Porto Alegre, em Brasília, em São Paulo. Está muito bem feito e com um detalhe... As coisas que têm aqui, só quem estava lidando 24 horas com isso pode saber. Quem tal dia foi para tal lugar e encontrou fulano e aí se reuniram na fazenda não sei o que e publicaram tal manifesto, e esta aí o manifesto.

Contrarrevolução de 64
RH - Como o senhor chama o movimento que aconteceu em 1964?
GB - Acho que é difícil. Primeiro porque ainda existe muita gente viva. Nem os historiadores têm um distanciamento histórico. Todo mundo na minha faixa etária, mesmo os mais novos, que foram educados na mesma linha, não tem isenção suficiente. Estavam envolvidos emocionalmente nesses fatos. Sessenta e quatro vai fazer agora 50 anos. Há muita gente viva. Não temos ainda isenção para falar sobre. Isso não quer dizer que não devamos pensar e discutir. Agora devemos pensar e discutir, como estamos falando, não com raiva, com ódio, com posições extremadas.

RH - O senhor acha, então, que é complicado dar um nome para esse movimento de transição?
GB - Eu acho. Na minha ideia particular, acho que houve uma contrarrevolução. Porque a revolução estava em andamento. Tinha até cédulas impressas pela casa da moeda da República Socialista do Brasil. Ou sindicalista. Uma coisa assim. Porque ali todos usavam os outros como companheiros de viagem e esperavam usar os outros para passar para trás. Os comunistas, os populistas, os sindicalistas. Todo mundo remando para lá, mas “na primeira oportunidade, eu me livro dele e fico sozinho”. A esquerda diz que não havia revolução, que isso é uma teoria conspiratória, mas vá à Biblioteca Nacional e pegue os jornais do Rio de Janeiro, de São Paulo, Minas, de 1962, 63, 64. Veja se nós não vivíamos um clima revolucionário, de assalto ao poder.

RH - O Orvil fala sobre tentativas de tomada do poder pela esquerda antes mesmo de 1964, como por exemplo em 1961.
GB - Acho que de 1961 a 64, foi um processo de assalto ao poder que foi se intensificando, até que entrou na hierarquia e na disciplina das Forças Armadas e ali foi posto um basta. A gota d´água foi o comício na Central do Brasil, quando Jango assumiu de público que faria a Revolução na lei ou na marra – um presidente não pode falar isso, um presidente tem que fazer na lei. E o encontro no Automóvel Clube, onde ele se dirigiu aos sargentos das Forças Armadas.

RH - Quando o senhor cita que Jango deveria ter seguido a lei não é uma contradição com a sua deposição, que foi antidemocrática?
GB - Toda vez que o comunismo se implantou pela via parlamentar, pela via pacífica, foi explorando as liberdades democráticas. “Eu não posso proibir ele de comprar arma porque é um direito dele. Eu não posso proibir ele de fazer uma assembleia porque é um direito dele.” Então, a esquerda, no mundo inteiro, se aproveitou das franquias democráticas, vamos dizer assim, para montar, para assaltar o poder. E continua fazendo isso, na Venezuela, no Equador, na Bolívia, na Argentina, no Brasil.

Liberdade de expressão
RH - Como é ver ex-militantes da esquerda hoje em dia no poder?
GB - É decepcionante e preocupante. Porque quando você abre esse livrinho aqui [o Orvil], a luta é constante, e quando um objetivo é conquistado, eles já estão avançando em outro, e em outro. Como foi de 1961 a 1964.

RH - O senhor acha que hoje em dia podemos nos transformar em um país comunista?
GB - Enquanto a imprensa puder falar, é a nossa garantia.

RH -O senhor diz que é uma preocupação os ex-militantes assumirem posições de poder. Mas diz que confia na imprensa. Então qual seria a preocupação? Manter a imprensa livre?
GB - Sem dúvida. Fizemos no ano passado um excelente painel aqui sobre a liberdade de imprensa, com a presença do advogado da Abert [Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão], e a mediação do Merval Pereira. Foi justamente na época em que se agitava o controle social da imprensa, que na novilíngua do George Orwell, é censura. 

RH - Mas houve censura no período militar: como esses dois processos podem existir?
GB - No período do governo militar, houve censura, mas havia uma infiltração grande, como há hoje.

RH -Infiltração...?
GB - Infiltração comunista.

RH - Então, para o governo, qual era o objetivo dessa censura?
GB - Segurança interna. Eu acho que a esquerda cometeu um grande erro ao tentar uma vitória militar. E com isso, ela causou um endurecimento. Quando esses primeiros incidentes aconteceram, a bomba no aeroporto em Guararapes, a bomba na embaixada americana, a bomba na ABI, a polícia estava perdida. Não tínhamos experiência para lidar com esse tipo de crime. A polícia estava acostumada a prender ladrão de galinha, jogo de bicho, não é? E de repente ela se envolve em um novo tipo de rival. Guerrilheiro. Com tática, com doutrina, com ideologia, com armamento. Muitos deles, já em 1964, com curso em Cuba. E na Universidade Patrice Lumumba, de Moscou. A Polop já foi uma primeira dissidente do PCBão, já mais voltada para o ‘foquismo’.

Luta armada
'Orvil': livro sobre a ditadura,
escrito por militares
RH -O senhor diz que o erro foi o endurecimento da luta armada: por que o senhor acha que eles fizeram essa opção?
GB - Mesmo em 1935, na Intentona do Prestes, eles acreditaram na própria propaganda. A propaganda era uma seção de qualquer Partido Comunista, chama-se Agitprop. Seção de agitação e propaganda. E a propaganda é uma arma terrível. Acaba por convencê-los que eles têm uma força... Eles já têm aquela versão messiânica de que são os salvadores do mundo e do povo. E acabam se convencendo disso. Acreditam no que querem acreditar. Com isso tentam, com o golpe armado, muito antes, e não estão prontos para isso. O Brasil é um país muito grande! Esse movimento não empolgava o Rio de Janeiro todo. Era a Zona Sul e tinha na Zona Norte uns aparelhos escondidos. São Paulo, Salvador, Recife. Vamos dizer dez cidades. Isso não é nada no Brasil. O Brasilzão. Os outros 100, 120 milhões de habitantes. Nossa riqueza está indo para lá [interior], dinheiro, economia, tudo. Felizmente e finalmente. Depois de 500 anos, temos que interiorizar.

RH - O senhor fala sobre dificuldades de enfrentar os guerrilheiros. Em que momento houve a virada?
GB - A necessidade de criar instrumentos para enfrentar esse novo inimigo, que não é mais um criminoso individual, já é um crime organizado, politicamente organizado, foi a criação dos organismos de segurança interna. Os departamentos de operações, os centros de operações, os DOI-Codi. Juntava polícias Civil, Militar, Exército para juntar de uma maneira mais inteligente os meios que tinham. E levantar com operações de inteligência o que estava acontecendo. Porque, de certa maneira, de uma hora para outra começou a explodir bomba por aí. A história de que eles lutaram pela democracia é altamente discutível.

RH - Então o senhor acredita que não houve nenhum episódio específico para a mudança da tomada de atitude por parte da repressão? Reitero porque muitas pessoas falaram que o grande episódio para a mudança da repressão aconteceu com o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick.
GB - Mas não foi só ele. Houve do alemão, do suíço, a morte do major americano. Embaixador? Foi para dar uma dimensão internacional.

“Na guerra se aceita matar”
RH - O senhor citou os organismos de segurança, inclusive o DOI-Codi. Dentro desses órgãos havia tortura. Como o senhor vê a tortura nesse período?
GB - Eu acredito que tenha havido. Pelo background dos componentes. A nossa polícia sempre torturou, continua torturando nas delegacias. Não foi uma coisa inventada na hora. Já havia e continua havendo. Não é bonito. Mas que faz parte dos usos e costumes da nossa polícia, em todo o Brasil. A tortura que muitos alegam às vezes faz parte da propaganda. Muita gente foi presa e agora diz que na verdade não foi torturada, não.

RH -O general Leônidas fala em uma entrevista sobre o “Orvil”: “Estávamos em guerra e a única coisa bonita numa guerra é a vitória”. O senhor acha que vivíamos em guerra?
GB - Sim.

RH -E na guerra vale tudo?
GB - Na guerra, se aceita matar. Matar é um crime, nas condições normais de temperatura e pressão. A guerra é uma situação de exceção onde eu admito matar, arrombar, invadir outro país, obrigar a população a vir para um lado ou para o outro, se não fizer eu bombardeio.

RH -Mas existe algum limite?
GB - Existem coisas que a repressão não podia fazer, mas o guerrilheiro podia. Ele lutava pelo bem maior, ele podia matar, sequestrar, explodir.

RH -Mas houve mortes e, senão sequestros, prisões do lado da repressão.
GB - Sim.

RH -Então, de certa forma...
GB - Era uma guerra.

RH -O que, então, não pode ser feito?
GB - A convenção de Genebra. Ela se aplicou a alguma guerra, ou ela se aplica só depois da guerra para quem perdeu? Ao vencedor as batatas, e aos perdedores, um prêmio de guerra. 

Ditadura na Argentina foi pior
RH - Como o senhor vê as constantes condenações de personagens da repressão em países vizinhos como Chile e Argentina em comparação ao que acontece no Brasil?
GB - Tivemos uma transição mais política, mais pacífica. Foi decretada a anistia, os exilados voltaram, reassumiram os cargos, como o Brasil fez muitas e muitas vezes. Lembro dessa história do clube, em 1955, toda hora. Fazia a anistia, todo mundo voltava, assumia os seus cargos, os seus postos, e seguia tudo novamente. Até o próximo confronto. É uma coisa nossa. Não tenho dúvida disso. Nós somos pacifistas, por temperamento, educação, tradição. O pai do presidente Fernando Henrique foi exilado. Temos uma tradição de conciliação. Da maneira como foi feito, você comparando, no Chile e a Argentina, uma revolta popular derrubou o governo militar. No Chile nem tanto. Pinochet perdeu por 51% a 49%.

RH - Então, na Argentina houve um clamor popular?
GB - Sim. Esse clamor popular em geral é causado pelos excessos cometidos na repressão. Não é pela repressão em si. Tanto que a esquerda não assumiu o poder. Não quer dizer que havia um apoio popular às teses de esquerda. Quer dizer que houve excesso, que provocou a reação, mas que não colocou a esquerda no poder.

RH -O senhor é contrário ao pagamento de indenizações e reparações?
GB - Uma reparação histórica, sim. Não virar um meio de enriquecimento. Temos gente que ganha R$ 20 mil por mês, R$ 25, R$ 27 mil. E isento de Imposto de Renda. Limpinho. Eu acho que é isso é uma injustiça. Uma espécie de vingança. É uma vingança contra o Estado, contra a sociedade, que talvez não soube compreender a pureza dos ideais, a justiça das intenções. Muita gente foi cassada não por crimes políticos. Foi cassada por ser desonesto, por ser mal profissional, por ser homossexual.

RH -Nas forças armadas ou em geral?
GB - Em geral. Mas todos eles foram cassados. Todos eles são vítimas da repressão, da ditadura. E todos eles, mesmo os que não foram cassados por sua condição de vítima, ganham a mesma indenização, que o outro que botou o seu couro lá.

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