ETERNIDADE PASSAGEIRA – POR IBERÊ LOPES
O ano era 1826, paisagem mais modernamente bela não poderia existir além dos telhados padronizados do interior da França. Joseph Nicéphore Niépce conseguira capturar o tempo e o espaço utilizando a ação da luz do sol, na comuna francesa de Viviers-le-Gras (localizada na região administrativa de Lorraine). Obviamente este processo requer uma riqueza de detalhes técnicos que não me atreverei a descrever por não ser este o motivo desta explanação. O que importa aqui é o fato de que o homem estava dando seu primeiro passo – após as pinturas rupestres e o advento das artes plásticas – em direção à eternização dos momentos vividos. Tornamo-nos imortais, com a riqueza e os contrastes do real, quando descobrimos a fotografia.
Considerada a primeira foto permanente do mundo, a imagem citada no primeiro parágrafo deste texto foi feita sobre uma placa de estanho, coberta com betume branco e exposta durante cerca de 8 horas à luz solar. O nome exato para este processo é heliografia. Minha curiosidade e inquietação me levaram para um passeio encantador por Viviers-le-Gras através do Google Street-View, utilizando bem menos minutos de vida e sem sair do lugar. A comuna parecia congelada desde a Revolução Industrial (1760 a algum momento entre 1820 e 1840). Casas e sobrados em formatos quase iguais, nostalgicamente intocados como um álbum de fotos amareladas.
Contextualizados, podemos seguir em frente pelas avenidas virtuais destas mal traçadas linhas contemporâneas. Fico bastante impressionado com a infinidade de recursos imagéticos que utilizamos para gravar nossa passagem por este punhado de chão, chamado terra. Câmeras digitais, lentes que captam quase com a precisão da íris cada instante. Além disto, inventamos mecanismos – especificamente as redes sociais da teia mundial (World Wide Web) – que tratam de mostrar aos mais diferentes e distantes cidadãos planetários nossas peripécias mundanas. O sentimento de eternidade que regamos cotidianamente é, em grande parte do tempo, por reconhecimento de nossos feitos. E qual outro sentido teria a existência, pós-moderna, senão a construção de uma efígie?
Ariano Suassuna responderia sabiamente: “cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.” Com esta rica reflexão perguntaria a mim mesmo ou aos meus botões: qual o motivo desta busca pelo eterno? Imprimir nossa marca nesta galáxia poderia implicar em devotarmos mais horas ao amor fraterno e ao entendimento de diferentes culturas na busca da paz. O cultivo da esperança é um bem que jamais estará ausente em mim. Talvez sofra de um idealismo de cores quentes e indefinida profundidade ególatra, própria do capitalismo. Vou pensar…
O retrato que ouso visualizar não é mais o mesmo, cinza e sem foco, do descobridor da fotografia Joseph Nicéphore Niépce. “No mundo há riqueza suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não para alimentar a ganância de cada um”, alertou Mahatma Gandhi. Pretendo ver outra humanidade mais justa e igualitária num presente próximo. Enquanto este sonho quase infantil não acontece, carregado de sinceridade, seguirei tentando escrever – sem a pretensão individualista de alcançar fortunas e/ou fama – algumas palavras sobre as imagens de tudo que vejo e creio existir. Excessivamente existencialista, findo minha reflexão assim: “um homem é sempre um contador de histórias. Ele vê tudo que lhe acontece através delas. E, ele tenta viver a sua vida, como se estivesse contando uma história”.
Jean-Paul Sartre.
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