12 de jan. de 2014

Sete anos depois, ninguém foi julgado pelas mortes em cratera do metrô de São Paulo

Sete anos depois, ninguém foi julgado pelas mortes em cratera do metrô de São Paulo
Buraco em obra da linha Amarela
engoliu casas e matou sete pessoa
Justiça não conseguiu sequer concluir audiências com testemunhas; prescrições começam em 2015

por Rodrigo Gomes, da RBA

São Paulo – Passados exatos sete anos do desabamento na linha 4/Amarela do metrô de São Paulo, ocorrido em 12 de janeiro de 2007, nenhum dos 14 acusados pelo acidente, que provocou sete mortes, foi levado a julgamento. O processo arrastando-se lentamente pela Justiça paulista, que até agora não conseguiu sequer concluir as audiências com as testemunhas do caso. A perspectiva é de impunidade, já que os crimes começam a prescrever em 2015.

Segundo a promotora Eliana Passareli, que assumiu o processo em 2009, a principal dificuldade está em ouvir as 112 testemunhas de defesa.
“Cada réu tem direito a oito testemunhas. É um problema para ouvi-las, pois cada uma está em um lugar e pode-se trocar testemunhas ou alegar o que quiser”, disse ela, referindo-se ao número de convocações e cartas precatórias – utilizadas para o depoimento de uma testemunha que não pode se deslocar – que não obtiveram retorno. Do outro lado, as 110 testemunhas de acusação já foram ouvidas.

Para a promotora, há um risco real de impunidade. “É possível que o crime prescreva, mas não é possível dizer com exatidão quando isso vai ocorrer porque depende da pena concreta de cada réu, se é que eles serão condenados”, afirmou.
O Código Penal determina que a prescrição de um crime se dá com a passagem do dobro do tempo de pena aplicável a ele. Sendo cada crime considerado isoladamente.

A denúncia do caso está elaborada principalmente sobre a responsabilidade – de caráter culposo – pelo desabamento, do qual resultaram mortes e danos estruturais em pelo menos 66 residências. A punição máxima, nesses casos, é de quatro anos de reclusão. Em 12 de janeiro de 2015, se completarão oito anos, dobro da pena máxima possível. E uma condenação depois disso pode não surtir mais efeito algum.

Para o presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Altino Prazeres, a impunidade do caso está permitindo menor rigor na fiscalização das obras atuais.
“Antes, todas as obras eram fiscalizadas pelos metroviários. Agora, parte das obras dos monotrilhos e mesmo da linha Amarela ficam sob fiscalização da própria empreiteira que está operando. E onde ainda podemos atuar, nosso poder de fiscalização foi bastante reduzido”, afirmou.

Já a preocupação sobre a condenação, também apontada pela promotora, se dá porque a denúncia criminal por responsabilidade no desabamento foi apresentada pelo ex-promotor público Arnaldo Hossepian, hoje procurador do estado, em janeiro de 2009, com base em um laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), feito a pedido do Metrô. E desconsiderou o laudo do Instituto de Criminalística, órgão da Polícia Civil.

A escolha já motivou um pedido de anulação do processo, feito pelos réus Fábio Andreani Gandolfo e Alexandre Cunha Martins. O pedido de liminar foi negado pela Justiça, mas segue para apreciação no julgamento de mérito.

Falhas
O laudo do IPT, com 400 páginas, apontou falha nas análises e sondagens do terreno, que começou a ceder com o avanço das escavações no fim de dezembro de 2006. Apesar disso, as obras foram aceleradas e as detonações de explosivos não pararam. A situação exigia avaliações de estabilidade do solo, que também não foram realizadas. Ações que não estavam no projeto, como o aprofundamento de uma rampa, aliada à deficiência na fiscalização dos trabalhos e à inexistência de uma gestão de risco fizeram com que a possibilidade de desabamento não fosse identificada.

Uma reunião entre os responsáveis pela obra chegou a ser realizada no dia 11 de janeiro, em virtude dos problemas estruturais apresentados pela escavação. A única medida definida foi o reforço das paredes do túnel com barras de ferro. Seriam necessários 345 peças, mas o canteiro só contava com 30. E mesmo essa ação o laudo aponta não ter sido executada completamente.

Apesar do risco reconhecido e da visível instabilidade das escavações, foi realizada ao menos uma explosão de rocha na manhã do dia 12.
Tomadas as providências apontadas pelo IPT, o acidente poderia ter sido evitado, na avaliação do promotor à época da denúncia. Com base nisso, Hossepian denunciou 14 pessoas, por negligência ou imprudência.

O Consórcio Via Amarela contestou o laudo e apresentou um outro documento apontando que o terreno esponjoso e a chuva seriam responsáveis pela instabilidade e pelo consequente desmoronamento.

Do grupo de empreiteiras que formam o Consórcio Via Amarela foram denunciados: Fábio Andreani Gandolfo, diretor do consórcio, responsável pelo acompanhamento da obra; José Maria Gomes de Aragão, engenheiro residente; Alexandre Cunha Martins, também engenheiro; Takashi Harada, gestor de projetos; Murillo Dondici Ruiz, projetista responsável pelo túnel que desmoronou; Alberto Mota, projetista; Osvaldo Souza Sampaio, também projetista; e Luis Rogério Martinati, coordenador de projetos.

Já no Metrô foram denunciados: Marco Antonio Buocompagno, gerente de construção; José Roberto Leite Ribeiro, gerente de construção civil; Cyro Guimarães Mourão Filho, coordenador de fiscalização; Jelson Antonio Sayeg de Siqueira e German Freiberg, ambos fiscais de obras, todos funcionários do Metrô. Um mês após a denúncia, o engenheiro do Metrô Celso da Fonseca Rodrigues foi incluído como réu no processo.

No plano governamental, nenhuma sanção foi aplicada ao Consórcio Via Amarela, pelo então governador José Serra (PSDB).

O acidente
Às 15h do dia 12 de janeiro de 2007, uma cratera de 80 metros de diâmetro e 30 de profundidade se abriu no canteiro de obras da estação pinheiros, no túnel sentido estação Faria Lima, engolindo caminhões e materiais no local e também uma parte da rua Capri.

Abigail Rossi, de 75 anos, aposentada, e Cícero da Silva, 58, office-boy, caminhavam pela rua Capri. Francisco Torres, 48, motorista de caminhão, estava trabalhando no canteiro de obras.

No mesmo local, o motorista de lotação Reinaldo Aparecido Leite, 40 anos, o cobrador Wescley Adriano da Silva e os passageiros Valéria Alves Marmit, 37, advogada, e Márcio Alambert, 31, funcionário público, circulavam rumo ao ponto final da lotação, no bairro de Pinheiros, vindos da Casa Verde. Todos foram engolidos pela cratera. A busca pelas vítimas durou 13 dias.

Nas ruas do entorno, 66 casas tiveram sua estrutura abalada pelo acidente.

A empreiteira Odebrecht informou: “Logo após o acidente, as famílias que tiveram parentes vitimados foram indenizadas. O mesmo ocorreu com a maior parte das famílias que tiveram seus bens afetados, com exceção daquelas com as quais o Consórcio não conseguiu chegar a um acordo e que, em razão disso, ingressaram com ações judiciais. Além das indenizações, o Consórcio prestou toda assistência material e psicológica”.

Segundo notícias veiculadas na época, as indenizações ficaram em torno de R$ 100 mil. Mas a informação não foi confirmada pela empreiteira.
A RBA procurou os familiares de vítimas, mas não conseguiu localizá-los. Uma única parente encontrada sintetizou o sentimento das famílias. “Falar o que meu filho? Depois de tanto tempo, a gente só queria justiça, mas nem isso eu acredito mais”, disse.

Quando a estação Pinheiros foi inaugurada, familiares foram exigir do governador Geraldo Alckmin (PSDB) que fosse colocada uma placa no local em memória às vítimas. O pedido nunca foi atendido.

A obra
A linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo começou a ser construída em setembro de 2004 e a previsão era de que fosse entregue em 2008. No entanto, as duas primeiras estações – Faria Lima e Paulista – foram entregues somente em 25 de maio de 2010. Até agora, são somente cinco estações operando: Luz, Pinheiros, Butantã, além das duas outras citadas.

As estações Oscar Freire, Fradique Coutinho e Higienópolis-Mackenzie estão prometidas para este ano. São Paulo-Morumbi e Vila Sônia não têm previsão de entrega.

O Consórcio Via Amarela é formado pelas empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. O sistema de construção é uma Parceria Público Privada, em que a iniciativa privada realiza a construção e recebe a concessão do serviço por 30 anos. Além disso, o valor para construção é pago pela obra completa, ou seja, se as empresas concluírem o processo antes do estimado, o ganho é delas.

O processo é alvo de muitas críticas, justamente por colocar em risco a integridade da obra em nome do lucro.

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