Sete anos depois, ninguém foi julgado pelas mortes em cratera do metrô de São Paulo
Buraco em obra da linha Amarela engoliu casas e matou sete pessoa |
Justiça não conseguiu sequer concluir audiências com testemunhas; prescrições começam em 2015
por Rodrigo Gomes, da RBA
São Paulo – Passados exatos sete anos do desabamento na linha 4/Amarela do metrô de São Paulo, ocorrido em 12 de janeiro de 2007, nenhum dos 14 acusados pelo acidente, que provocou sete mortes, foi levado a julgamento. O processo arrastando-se lentamente pela Justiça paulista, que até agora não conseguiu sequer concluir as audiências com as testemunhas do caso. A perspectiva é de impunidade, já que os crimes começam a prescrever em 2015.
Segundo a promotora Eliana Passareli, que assumiu o processo em 2009, a principal dificuldade está em ouvir as 112 testemunhas de defesa.
“Cada réu tem direito a oito testemunhas. É um problema para ouvi-las, pois cada uma está em um lugar e pode-se trocar testemunhas ou alegar o que quiser”, disse ela, referindo-se ao número de convocações e cartas precatórias – utilizadas para o depoimento de uma testemunha que não pode se deslocar – que não obtiveram retorno. Do outro lado, as 110 testemunhas de acusação já foram ouvidas.
Para a promotora, há um risco real de impunidade. “É possível que o crime prescreva, mas não é possível dizer com exatidão quando isso vai ocorrer porque depende da pena concreta de cada réu, se é que eles serão condenados”, afirmou.
O Código Penal determina que a prescrição de um crime se dá com a passagem do dobro do tempo de pena aplicável a ele. Sendo cada crime considerado isoladamente.
A denúncia do caso está elaborada principalmente sobre a responsabilidade – de caráter culposo – pelo desabamento, do qual resultaram mortes e danos estruturais em pelo menos 66 residências. A punição máxima, nesses casos, é de quatro anos de reclusão. Em 12 de janeiro de 2015, se completarão oito anos, dobro da pena máxima possível. E uma condenação depois disso pode não surtir mais efeito algum.
Para o presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Altino Prazeres, a impunidade do caso está permitindo menor rigor na fiscalização das obras atuais.
“Antes, todas as obras eram fiscalizadas pelos metroviários. Agora, parte das obras dos monotrilhos e mesmo da linha Amarela ficam sob fiscalização da própria empreiteira que está operando. E onde ainda podemos atuar, nosso poder de fiscalização foi bastante reduzido”, afirmou.
Já a preocupação sobre a condenação, também apontada pela promotora, se dá porque a denúncia criminal por responsabilidade no desabamento foi apresentada pelo ex-promotor público Arnaldo Hossepian, hoje procurador do estado, em janeiro de 2009, com base em um laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), feito a pedido do Metrô. E desconsiderou o laudo do Instituto de Criminalística, órgão da Polícia Civil.
A escolha já motivou um pedido de anulação do processo, feito pelos réus Fábio Andreani Gandolfo e Alexandre Cunha Martins. O pedido de liminar foi negado pela Justiça, mas segue para apreciação no julgamento de mérito.
Falhas
O laudo do IPT, com 400 páginas, apontou falha nas análises e sondagens do terreno, que começou a ceder com o avanço das escavações no fim de dezembro de 2006. Apesar disso, as obras foram aceleradas e as detonações de explosivos não pararam. A situação exigia avaliações de estabilidade do solo, que também não foram realizadas. Ações que não estavam no projeto, como o aprofundamento de uma rampa, aliada à deficiência na fiscalização dos trabalhos e à inexistência de uma gestão de risco fizeram com que a possibilidade de desabamento não fosse identificada.
Uma reunião entre os responsáveis pela obra chegou a ser realizada no dia 11 de janeiro, em virtude dos problemas estruturais apresentados pela escavação. A única medida definida foi o reforço das paredes do túnel com barras de ferro. Seriam necessários 345 peças, mas o canteiro só contava com 30. E mesmo essa ação o laudo aponta não ter sido executada completamente.
Apesar do risco reconhecido e da visível instabilidade das escavações, foi realizada ao menos uma explosão de rocha na manhã do dia 12.
Tomadas as providências apontadas pelo IPT, o acidente poderia ter sido evitado, na avaliação do promotor à época da denúncia. Com base nisso, Hossepian denunciou 14 pessoas, por negligência ou imprudência.
O Consórcio Via Amarela contestou o laudo e apresentou um outro documento apontando que o terreno esponjoso e a chuva seriam responsáveis pela instabilidade e pelo consequente desmoronamento.
Do grupo de empreiteiras que formam o Consórcio Via Amarela foram denunciados: Fábio Andreani Gandolfo, diretor do consórcio, responsável pelo acompanhamento da obra; José Maria Gomes de Aragão, engenheiro residente; Alexandre Cunha Martins, também engenheiro; Takashi Harada, gestor de projetos; Murillo Dondici Ruiz, projetista responsável pelo túnel que desmoronou; Alberto Mota, projetista; Osvaldo Souza Sampaio, também projetista; e Luis Rogério Martinati, coordenador de projetos.
Já no Metrô foram denunciados: Marco Antonio Buocompagno, gerente de construção; José Roberto Leite Ribeiro, gerente de construção civil; Cyro Guimarães Mourão Filho, coordenador de fiscalização; Jelson Antonio Sayeg de Siqueira e German Freiberg, ambos fiscais de obras, todos funcionários do Metrô. Um mês após a denúncia, o engenheiro do Metrô Celso da Fonseca Rodrigues foi incluído como réu no processo.
No plano governamental, nenhuma sanção foi aplicada ao Consórcio Via Amarela, pelo então governador José Serra (PSDB).
O acidente
Às 15h do dia 12 de janeiro de 2007, uma cratera de 80 metros de diâmetro e 30 de profundidade se abriu no canteiro de obras da estação pinheiros, no túnel sentido estação Faria Lima, engolindo caminhões e materiais no local e também uma parte da rua Capri.
Abigail Rossi, de 75 anos, aposentada, e Cícero da Silva, 58, office-boy, caminhavam pela rua Capri. Francisco Torres, 48, motorista de caminhão, estava trabalhando no canteiro de obras.
No mesmo local, o motorista de lotação Reinaldo Aparecido Leite, 40 anos, o cobrador Wescley Adriano da Silva e os passageiros Valéria Alves Marmit, 37, advogada, e Márcio Alambert, 31, funcionário público, circulavam rumo ao ponto final da lotação, no bairro de Pinheiros, vindos da Casa Verde. Todos foram engolidos pela cratera. A busca pelas vítimas durou 13 dias.
Nas ruas do entorno, 66 casas tiveram sua estrutura abalada pelo acidente.
A empreiteira Odebrecht informou: “Logo após o acidente, as famílias que tiveram parentes vitimados foram indenizadas. O mesmo ocorreu com a maior parte das famílias que tiveram seus bens afetados, com exceção daquelas com as quais o Consórcio não conseguiu chegar a um acordo e que, em razão disso, ingressaram com ações judiciais. Além das indenizações, o Consórcio prestou toda assistência material e psicológica”.
Segundo notícias veiculadas na época, as indenizações ficaram em torno de R$ 100 mil. Mas a informação não foi confirmada pela empreiteira.
A RBA procurou os familiares de vítimas, mas não conseguiu localizá-los. Uma única parente encontrada sintetizou o sentimento das famílias. “Falar o que meu filho? Depois de tanto tempo, a gente só queria justiça, mas nem isso eu acredito mais”, disse.
Quando a estação Pinheiros foi inaugurada, familiares foram exigir do governador Geraldo Alckmin (PSDB) que fosse colocada uma placa no local em memória às vítimas. O pedido nunca foi atendido.
A obra
A linha 4 – Amarela do Metrô de São Paulo começou a ser construída em setembro de 2004 e a previsão era de que fosse entregue em 2008. No entanto, as duas primeiras estações – Faria Lima e Paulista – foram entregues somente em 25 de maio de 2010. Até agora, são somente cinco estações operando: Luz, Pinheiros, Butantã, além das duas outras citadas.
As estações Oscar Freire, Fradique Coutinho e Higienópolis-Mackenzie estão prometidas para este ano. São Paulo-Morumbi e Vila Sônia não têm previsão de entrega.
O Consórcio Via Amarela é formado pelas empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. O sistema de construção é uma Parceria Público Privada, em que a iniciativa privada realiza a construção e recebe a concessão do serviço por 30 anos. Além disso, o valor para construção é pago pela obra completa, ou seja, se as empresas concluírem o processo antes do estimado, o ganho é delas.
O processo é alvo de muitas críticas, justamente por colocar em risco a integridade da obra em nome do lucro.
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