16 de out. de 2014

O ódio contra o nordestino e o voto

“Deveria levar uma surra para procurar seu lugar!” Era criança e ouvia frases assim quando alguém de segmento social minoritário se comportava contrário aos padrões recorrentes. 

Por Marcelo Lacerda
Colaborou Pablo Pereira

Parecia haver um único lugar no mundo possível para minorias: mulher em casa, gay dentro do armário, negro em posto de trabalho subalterno. 

Caso ocorressem desvios, a coerção moral - ou pela força - deveria garantir a preservação dos bons costumes. Isso era natural, aceitável e até desejável. Hoje, quando vejo o ódio contra nordestinos que votaram em Dilma, lembro daquelas frases e de épocas obscuras.

Rememoro aqueles tempos, ao ver que alguns eleitores do sul e sudeste creem que lugar de nordestino e nortista é abandonado pelo Estado e invisível, clamando o uso da força e da barbárie, para nos enquadrar no nosso suposto lugar. 

Para essa gente, é ameaçador e incômodo constatar que os paraíbas podem definir eleição presidencial e que nosso voto vale tanto quanto o de qualquer um. Frente à igualdade nas urnas, alguns se comportam como criança mimada que não quer dividir os brinquedos e o carinho dos pais com o irmão recém-chegado: Xinga, grita, agride, deseja a morte. Assim como o moleque birrento, o que falta é maturidade e noção de dignidade humana!

Não há diferença na cabine de votação e isso nos diz muito. Nossa desigualdade foi construída pelo processo histórico de concentração de poder, mas por conquista popular, vivemos numa democracia que nos dá o direito de divergir. 

Nordestino não é obrigado a aceitar o que alguns acham ser melhor para o país. Posso assegurar que, nos últimos anos, houve atenção aos que viviam na miséria, bem como investimentos foram feitos para diminuir as desigualdades. Burrice seria não reconhecer isso com o voto, contudo graças à liberdade e ao pluralismo político, muitos daqui - que inclusive gozam dos avanços governamentais - são contrários a Dilma.

O que você chama de privilégio, assistencialismo e bolsa vagabundo é direito externado na própria Constituição, quando traça como objetivos da República a construção de uma sociedade justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza. 

Outros objetivos do Estado, apontados também no texto constitucional, são reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

O problema é que há pouco entendimento de humanidade, liberdade e respeito à diferença, o que impede de ver nesses programas o governo assumindo a responsabilidade diante da miséria do povo.
Também vejo a tentativa de desqualificar as cultura e capacidade intelectual nordestinas, portanto seria contraditório votar contra Dilma, pois nunca se investiu tanto em ensino superior. 

Quando criança, universidade era luxo: federal, redoma de alunos oriundos dos melhores colégios particulares; privada, extremamente cara. Não havia interiorização do ensino e quem quisesse fazer faculdade, tinha que vir a Capital. Preciso dizer que isso representa custos?

Agora, a realidade é outra! Estudei em universidade paga e vi amigos brilhantes beneficiados pelo prouni, outros que financiaram os estudos - graças ao governo. 

Tenho colegas que estudam em cursos “nobres” em universidade federal por causa das cotas. Outros que saíram da capital, para estudar medicina no interior. O ensino é libertador! Torço para chegarmos ao estágio em que não precisemos de políticas desse gênero, em que haja igualdade de oportunidade para todos, mas, por enquanto, a melhor opção é o PT e admitir isso não é vergonha, idiotice ou falta de “cultura” – aliás, procure se informar sobre o conceito de cultura, pois independente de qual seja, todos têm, porque ela é indissociável do ser humano.

Por isso, votarei em Dilma, tendo em mente tudo que deu certo: hoje tenho telefone, internet, viajo de avião, amo quem quero, pago meu segundo curso universitário, sou microempreendedor individual, e minha mãe, que não terminou o ensino médio, tem acesso a tudo isso também! Porque vejo mulheres combatendo o machismo, brigando por iguais condições, pelo fato de ver debates sobre criminalização da homofobia. 

Votarei PT, pelos milhões que saíram da miséria, por ver amigos chegando longe com o programa Ciência sem Fronteiras. Nesse tempo de PT, vi universidades e médicos chegando ao interior, um negro na presidência do STF e outros tantos na universidade. Voto Dilma, porque a base aliada de Aécio representa o que há de mais conservador e retrógrado na sociedade.

Votarei com consciência, por tudo o que há de errado e por entender que 12 anos é pouco para corrigir 500 anos de desigualdades. Voto sabendo que o Partido dos Trabalhadores não mais representa as bandeiras que um dia levantou, pois sujou as mãos para fazer política. 

Que essa eleição seja um motivo para que se apurem mais desvios, concluam-se as obras inacabadas e atentem para as alianças. Votarei sabendo que cota não extermina preconceito; facilitar o acesso à universidade não resolve os problemas do ensino básico; lei Maria da Penha não extingue violência doméstica; e Bolsa família acaba com miséria, mas não com pobreza. Por saber, ainda assim, que caminhamos como nunca para correção das discrepâncias sociais construídas ao longo da história e agora, no segundo turno, não vejo opção melhor.

Voto Dilma, porque sei que há muito o que ser feito, pois, em nosso país, ainda há pessoas que morrem de diarreia e vivem sem energia elétrica. Deve-se interiorizar justiça, saúde, educação e sem concursos públicos isso não é possível – no governo de FHC não houve preocupação com tais coisas. Quero reformas tributária e política sem a condução de um Executivo conservador.

 Votarei Dilma, porque o voto livre é meu direito e quem decide meu lugar no mundo também sou eu. Voto, porque esse ódio contra nordestino e nortista desce pela garganta como estilhaço de vidro e dá um nó no peito, mas desejo que o rancor que sinto agora se torne humanidade, amor, luz e sabedoria, porque será suficiente para transparecer quão supérflua é a existência de quem prega extermínio de pessoas.
‪#‎Dilma13‬ 13bjos

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