25 de abr. de 2015

Advogado que visitou Cuba fala de experiência única

O advogado Juan  Ricthelly
Foto arquivo pessoal - Facebook
Um advogado do Gama fala da sua experiência ao visitar Cuba

Do Gama
Joaquim Dantas
Para o Blog do Arretadinho

O jovem advogado e morador do Gama, Juan Ricthelly, 24, esteve recentemente em terras cubanas e falou com exclusividade ao Blog do Arretadinho sobre as coisas que viu na ilha. Ele contou que praticamente cruzou o país de ponta à ponta, hospedou-se em casas de cidadãos cubanos e descreveu suas impressões sobre o modo de vida do povo.

Marcamos o encontro às 15 h no Espaço Ideias, no setor Norte do Gama, e sob um forte temporal que desabou na região na tarde desta sexta-feira (24), começamos nossa conversa. Confira a entrevista na íntegra:

Blog do Arretadinho: Primeiramente eu gostaria de agradecer por você nos conceder esta entrevista e nos dar a oportunidade de ouvir o seu relato e as suas impressões sobre Cuba. A propósito, foi a sua primeira vigem à ilha?

Juan Ricthelly: É a primeira vez que eu saio do país, na verdade, eu nunca havia saído do Brasil antes, nunca saí. Foi a minha primeira viagem internacional.

BA: O voo é direto ou tem escalas?

Para o advogado a viagem à Cuba foi uma viagem no tempo
Foto arquivo pessoal - Facebook
JR: Tem escala na cidade do Panamá, mas me parece que mês que vem vai ter um voo direto de Campinas para Santa Clara. Antigamente havia um voo direto de São Paulo, sem conexão.

BA: Qual foi a sua primeira impressão ao desembarcar em Cuba, qual foi o seu sentimento na hora?

JR: O primeiro contato que a gente tem é no Aeroporto José Martí, que é o patriarca da independência de Cuba. Ele era advogado e não era um homem de armas, tanto que na primeira batalha que participou ele morreu, ele era um homem de ideias e é muito cultuado em Cuba, ele é um herói nacional. O aeroporto é bem simples, lembra uma rodoviária, mas é muito bem estruturado. Quando se olha em volta se vê pessoas uniformizadas, homens, mulheres, brancos, negros. Muitas mulheres bonitas.

Saí do aeroporto e peguei um táxi com destino à Havana em um Lada. Eu me senti como se estivesse viajando no tempo vendo aqueles carros antigos, da década de 50, coloridos e muito bem conservados. Edifícios com aquela arquitetura antiga me fizeram ter a plena impressão de estar viajando no tempo, que eu estava indo para uma outra época, diferente dessa que a gente vive.
Nas ruas eu vi jovens, crianças indo para a escola uniformizados, moças no estilo colegial. Mas a melhor definição foi uma viagem no tempo.

BA: Eu nunca fui à Cuba, mas fui informado que lá eles tem uma espécie de programa governamental para hospedar turistas nas casas das famílias cubanas. Você usou esse serviço ou ficou em hotel mesmo?

JR: Odeio viajar para hotel ou com pacote turístico. Penso que viajar é a única forma de enriquecer gastando dinheiro e é algo que enriquece a alma, enriquece a pessoa, então quando você transforma "viajar" em uma mercadoria, eu acho você tira a essência disso, você deixa de viver muita coisa quando fica enclausurado em um hotel. Eu me hospedei exclusivamente pelo sistema de casa particular. Muitos cubanos alugam quartos em suas casas, mas têm que atender a padrões estabelecidos pelo governo, não é só dizer que vai alugar um quarto para um turista, tem que ter ar condicionado, quarto com suíte, etc. Tem que atender a requisitos mínimos para receber um turista em casa. Eles pagam uma taxa mensal para o governo de 50 CUCs, mesmo que não tenham turistas para hospedar, além de 10% do lucro que obtiverem com a hospedagem, Cuba tem duas moedas e podemos falar disso depois, 50 CUC equivale a US$ 50. 

Existe uma distinção entre as casas que hospedam turista. Tem as que são independentes, onde o turista é hospedado mas o proprietário não tem contato nenhum com o ele, e tem as casas de família mesmo, onde você janta com eles, toma café da manhã, assiste televisão. Eu tive as duas experiências mas gostei mais de ter contato com as família, de jantar com as pessoas, de olhar no olho. Mas lá também existe o turismo no estilo da CVC (operadora de turismo que atual no Brasil).

BA: Qual foi a sua impressão quanto a segurança, por exemplo, como se comportam os moradores em suas casas, eles vivem trancados como a maioria dos brasileiros?

JR: A Segurança Pública em Cuba é algo muito presente. Eu caminhei várias vezes sozinho na rua, de madrugada, em locais ermos e em momento algum em senti medo de caminhar na rua. Eu conversei muito com os cubanos e eles deixam seus filhos saírem e eles não tem preocupação alguma com isso porque eles sabem que seus filhos vão voltar para suas casas.

A polícia é muito respeitada em Cuba e a polícia respeita as pessoas. As pessoas não tem medo da polícia como aqui no Brasil. Com relação as casas, elas não tem muro e as pessoas me perguntavam "como são as casas no Brasil?" e eu respondia que as casas no Brasil pareciam castelos. Em Cuba as casas não tem muro e quando tem são muretas baixas de cerca de 1 metro. As casas que não tem muro ficam com a porta da sala aberta, você passa na rua e vê as pessoas jantando, assistindo televisão, jogando dominó ou xadrez. A Segurança pública em Cuba foi algo que eu senti muita inveja deles, muita inveja.

BA: A que você atribui essa sensação de segurança ser tão latente em Cuba, aos Comitês de Defesa da Revolução, CDRs, ou ao policiamento ostensivo?
Foto arquivo pessoal - Facebook

JR: Eu acho que a violência é algo complexo. Eu encaro a violência como uma doença social, uma sociedade violenta é uma sociedade doente. Eu vejo que existem dois ingredientes no Brasil que fomentam a violência, existem outros claro, mas esses são os principais que eu não vi em Cuba e aqui no Brasil existem, uma sociedade consumista mas uma sociedade desigual. Essas duas coisas vão fomentar a violência, porque quando você tem uma sociedade consumista onde a tônica é o consumo e há uma desigualdade onde as pessoas não tem a mesma capacidade de consumir, isso vai gerar a violência. Uma parte da população vai ficar privada de ter aquilo que uma parte da população tem e necessariamente isso vai gerar a violência, em Cuba não existe o consumismo exagerando que existe aqui no Brasil, embora eles desejem um pouco de consumismo, o que eu acho justo até.

Em Cuba existem ricos e pobres, mas a distância entre uns e outros não é tão grande como aqui no Brasil. Em nosso país 1% da população possue 50% da riqueza nacional, em Cuba isso não existe. Lá existem pessoas com uma condição econômica melhor, mas essa distância entre os que tem uma condição pior, não é tão grande como no Brasil. Ou seja, em Cuba não existe um consumismo como existe aqui no Brasil e não existe uma desigualdade exagerada. O filho do pobre e o filho do rico vão para a mesma escola, o pobre e o rico vão para o mesmo hospital, todos tem os mesmos direitos.

BA: Entendi. Então você acha que essa sensação de segurança é atrinuída à uma aplicação de uma justiça social maior?

JR: Sim!

BA: Mas será que os CDRs também não influenciam porque, até onde eu sei, em cada bairro existe um delegado onde as pessoas levam as demandas do bairro para ele e se, eventualmente, um cidadão tiver qualquer comportamento violento essa informação será levada ao delegado para que tome providências?

JR: Sim, os CDRs também contribuem para a questão da segurança. No meu último dia em Havana eu fui visitar um local onde estava acontecendo uma eleição para delegado de bairro e eu perguntei para uma cubana como é que funcionavam as eleições para eles, se havia prefeito, governador, vereador, tudo isso que nós temos aqui no Brasil e ela falou que não, ela me disse que o povo escolhe os delegados dos bairros, os delegados dos bairros escolhem os que vão compor os Conselhos de Delegados dos Bairros, os conselheiros dos delegados dos bairros escolhem os presidentes dos Conselhos dos Bairros e assim até chegar aos governadores das províncias que vão eleger os integrantes do Conselho de Estado que vão eleger o presidente do país. Então começa com o povo lá em baixo, escolhendo os delegados dos bairros em uma cadeia, até chegar ao dirigente máximo do país.

BA: Compreendo, mas ainda há pouco você falava da existência de duas moedas no país, como é isso?

JR: Existem duas moedas em Cuba, os Pesos cubanos e o *Peso Cubano Convertível, CUC.

BA: Seria uma espécie de URV quando o Real foi implantado no Brasil?

JR: Não, porque o objetivo é diferente da URV creio eu, não é para conter a inflação e sim levar uma moeda forte para o país. Eu conversei com alguns cubanos que me disseram que, na década de 90, US$ 1 era equivalente a 127 Pesos cubanos, então o que é que ocorre hoje, US$ 1 é equivalente a 1 CUC e 1 CUC é igual a 25 Pesos cubanos, então algumas coisas se compra com CUC e outras com Pesos cubanos, por exemplo, a moeda do turismo é o CUC. Para você comprar uma passagem na Via Azul, que é a empresa responsável em transportar os turistas, ou uma cerveja por exemplo. Outras coisas você paga em Pesos como comer um pastel na rua e lá tudo é muito barato. Eu andei de ônibus em Cuba e paguei 1 peso cubano pela passagem, o que equivale a cerca de menos de 30 centavos de Real.

BA: Você percebeu a prática de câmbio negro para troca de moedas?

JR: Não, isso não existe. Em cuba existem as casas de câmbio que eles chamam de CADECA, nos bancos também se troca dinheiro, mas as CADECAS são as mais utilizadas. O mercado negro que percebi não estava voltado para a troca de moeda mas para os charutos, que eles chamam de tabaco, Rum e prostituição também.
Foto arquivo pessoal - Facebook

BA: A prostituição é bastante evidente em Cuba ou é mais camuflada?

JR: É mais camuflada, você não vê as chamadas profissionais do sexo na rua, você não vê isso.

BA: Mas elas fazem abordagem ou existem intermediários para isso?

JR: Existe uma coisa em Cuba que são os jineteros, são cubanos que abordam os turistas com aquele papo malandro "olá, você é de onde?", "ah você é do Brasil, eu tenho um amigo lá" e falam um nome de uma cidade qualquer do Brasil e continuam a "sedução" dizendo que "se você quiser eu posso te levar para um festival de salsa" - só que não tem festival de salsa em Cuba - "posso te levar para conhecer umas chicas (meninas)", mas existem as jineteras também, elas levam os turistas para restaurantes caros para que eles gastem pagando comida e bebidas caras para elas, que também ganham comissão dos restaurantes.

BA: Acredito que certamente você tenha conversados com os cubanos sobre essa reaproximação com os EUA, como você percebeu a reação das pessoas?

JR: Eles estão esperançosos com o fim do embargo americano, porque eles passam por algumas privações, por culpa do embargo. Eles estão sofrendo com um embargo econômico há quase de 60 anos, por parte da maior potência econômica, militar e política do planeta. Em razão disso eles sofrem algumas privações e eles estão muito esperançosos com essa aproximação e que esse embargo tenha um fim, para que a vida deles melhore

BA: Qual foi a sua percepção, acerca do sentimento do povo cubano, com relação a continuidade do socialismo na ilha com o fim do embargo, eles querem a continuidade do socialismo, a devoção ao socialismo e à revolução tende a diminuir?

JR: Olha, eu percebi que o povo cubano não abre mão de três coisas, o que eu mais ouví foi que "a gente quer progresso, a gente quer melhorias, mas a gente não abre mão de três coisas: Saúde, Educação e Segurança, essas três coisas tem que ser mantidas intactas", e são realmente um diferencial, cuba aboliu o analfabetismo há 40 anos, na Saúde eles tem indicadores comparados aos do Canadá, aos de países ditos mais evoluídos do mundo, eles tem uma Educação boa onde qualquer cubano pode ser médico, advogado e a revolução e o regime dos irmãos Castro é algo consolidado, eu acho que isso não muda, pelo menos por agora não muda, é algo consolidado.

BA: O que você pode falar sobre o serviço de Saúde Pública em Cuba?

JR: Conversei com inúmeras pessoas que me disseram que eles tem médicos da família, médicos de bairro, que são responsáveis por uma região. Lá a Saúde é uma prioridade, se você precisar do hospital você vai ter o hospital, você vai ter o tratamento médico. Você não fica mais de 1 hora para ser atendido no hospital, segundo me relataram. Se você tiver em caso de urgência você é atendido imediatamente e você é obrigado a uma vez ao ano ir ao médico, fazer um Check-up para ver como está a sua saúde, você é obrigado a ir, não tem outra escolha. Eu não conheço como funciona detalhadamente o serviço de Saúde cubano, mas sei que é um serviço que os atende muito bem, Saúde não é um problema.

Uma coisa que eu achei interessante também foi uma coisa chamada Casa dos Avós, é uma espécie de creche para os idosos, onde eles vão praticar alguma atividade, comem, assistem televisão e depois voltam pra casa. Eu achei isso genial, fantástico, uma espécie de creche para idosos, eles chamam de casa de abuelos.

BA: Você teve a oportunidade de participar de alguma atividade cultural?

JR: Ah, sim. Isto é muito vivo na cidade. você anda na Rua Obispo em Havana, que é a principal rua da Havana velha, onde estão os principais edifícios antigos de Havana, embora a cidade toda seja um museu à céu aberto, você vê o pessoal tocando salsa e a salsa é uma música muito dançante, você não consegue ficar sem mover alguma parte do seu corpo ouvindo salsa, então eu vi várias apresentações musicais em todas as cidades que eu fui. O cubano é um povo muito vivo pra música e dançam muito bem, parece que já nasceram sabendo fazer aquilo. Você percebe que a música está no sangue, na alma deles e a dança também.

BA: Você viu pessoas em situação de rua, crianças pedindo esmolas, mendigos, você viu isso lá?

JR: Olha, eu vi algumas pessoas em situações difíceis, mas foram poucas. Eu fiquei 14 dias em Cuba, cruzei o país de uma ponta à outra, mas criança pedindo esmola na rua em momento algum eu vi. Eu vi adultos na rua tentando ganhar uns trocados dos turistas mas não eram mendigos.

BA: Então você não viu moradores de rua?

JR: Não. Eu vi, um dia, uns homens dormindo na rua e perguntei ao dono da casa em que eu estava hospedado, o Sr Raul, o que era aquilo, por qual motivo eles dormem na rua. E ele me respondeu: "olha Juan, é porque esse local é uma cooperativa de catadores de latinhas de alumínio e alguns homens chegam muito cedo para vender as latinhas que conseguiram, mas também eles tem problemas com o alcoolismo. Eles vendem as latinhas para comprar bebidas e vivem disso, eles chegam cedo porque a fila fica muito grande durante o dia". me explicou o Sr Raul, mas mendicância, como a gente vê aqui no Brasil, eu não vi. 

BA: Você teve acesso a alguma informação se existe e de como funciona o programa habitacional de Cuba?

JR: Eles não tem o problema de moradia que nós temos aqui no Brasil, a maioria da população tem casa própria e para os que não tem casa própria, o Estado aluga por um preço irrelevante para essas pessoas. O problema de moradia em Cuba é a questão de construção de novas moradias porque, em alguns casos, em uma casa moram várias gerações da mesma família, o problema é esse. Falta de moradia, as pessoas por não terem onde morar e criarem invasões como aqui no Brasil, e tudo o mais, isso não. O problema de moradia em Cuba é outro, é diferente do Brasil, que tem uma concentração grande de propriedades na mão de poucos, mas em Cuba eu acho que o Minha Casa Minha Vida seria bom, resolveria o problema de várias gerações da mesma família vivendo na mesma casa (risos).

BA: Tem mais alguma coisa que te chamou a atenção em Cuba e que você queira comentar?

JR: Sim, tem haver com Educação e eu achei genial isso. Educação Física é uma matéria obrigatória nas universidades cubanas, independente do curso. Eu achei isso fantástico! Outra coisa também que eu achei interessante foi quando, ao pedir uma informação, um cubano perguntou se eu era brasileiro. E eu perguntei como ele sabia e a resposta foi a de que "um brasileiro é um cubano que fala mal o espanhol" (risos, muitos risos).

*O Peso Cubano Convertível (CUC) é uma das duas moedas oficiais em Cuba, juntamente com o Peso Cubano (CUP). Começou a circular em 1994. Em novembro de 2004, o Banco Central acabou com a circulação do dólar em Cuba. Até abril de 2005, a taxa de câmbio foi de 1 CUC = 1 USD, mais tarde passou a 1 CUC = 1,08 USD. A partir de 14 março de 2011 retornou ao seu valor original, ou seja, 1 CUC por USD, mas com um imposto de 13% sobre quando é dólar americano (USD).

É aconselhável às pessoas que visitam Cuba, que não troquem dinheiro em dólares, mas em outras moedas de valor similar em Cuba como o Euro, porque se a moeda de troca for o dólar é aplicado um imposto de 13%, o que não acontece em outras moedas estrangeiras.

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