4 de abr. de 2015

Como a Inteligência russa vê os EUA

O que aqui se lê são trechos da entrevista que o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev, deu ao jornal estatal Rossiskaya Gazeta.

por Alexander Mercouris

Patrushev é um dos mais importantes conselheiros de segurança nacional do presidente Putin. Sua posição é similar, em alguns sentidos, à da atual Conselheira de Segurança Nacional do presidente Obama, Susan Rice.

Tão importante quanto o que Patrushev faz, é quem é ele. É hoje o funcionário que há mais tempo trabalha para a inteligência russa.

Foi admitido como funcionário da KGB em 1975, e de 1999 a 2008 dirigiu a FSB, organização que sucedeu a KGB. Deixou o posto para ocupar o posto de secretário do Conselho de Segurança da Rússia.

Um dos principais trabalhos de Patrushev é reunir e classificar a informação de inteligência que lhe chega das várias agências russas de inteligência, e passá-la para o presidente Putin e a outros funcionários e políticos chaves no processo russo de tomada de decisões políticas.

Nessa entrevista, Patrushev oferece mostras de o que as agências têm informado ao Kremlin. Fica-se sabendo assim que a inteligência russa:

1. Não esperava que os protestos de Maidan derrubariam Yanukovych; 

2. Mas já haviam alertado o Kremlin, há bastante tempo, que um golpe pró-'ocidente' na Ucrânia era só questão de tempo, porque se observava massiva ação norte-americana de subversão por todo o país.

Nessa entrevista tem-se também uma ideia de como a inteligência russa vê o mundo.

Segundo a interpretação de Patrushev, a hostilidade dos EUA contra a Rússia é "constante invariável" porque a Rússia, seja qual for o sistema de governo em cada momento, sempre resiste contra as políticas norte-americanas que visam a alcançar para os EUA a hegemonia mundial; porque os EUA querem ter controle sobre os imensos recursos naturais russos, sem os quais a hegemonia norte-americana não estará jamais segura.

Os laços da Rússia com China e Índia e a emergência do bloco dos BRICS só provocaram os EUA para que intensificasse a campanha contra a Rússia. Eventos como a guerra no Afeganistão nos anos 1980s, a rebelião na Chechênia nos anos 1990s, o ataque georgiano contra a Ossétia do Sul em 2008 e o golpe de fevereiro [artigo é de 2014], são todos, simplesmente, manifestações das políticas dos EUA orientadas contra a Rússia.

Ninguém precisa concordar com tudo que aí se lê. Por exemplo, com a ideia de que o colapso da URSS é resultado de complô urdido pelos EUA para baixar os preços do petróleo, como parte de uma "estratégia de vulnerabilidades" cuidadosamente pensada nos EUA. (...)

De um ponto de vista russo, não é difícil ver as políticas norte-americanas desde o esfacelamento da URSS (por exemplo: a expansão da OTAN para o leste; o esfacelamento do Tratado anti-Mísseis Balísticos e o posicionamento de mísseis balísticos no leste da Europa; o apoio dos EUA às 'revoluções coloridas' nos países da extinta URSS; o apoio dos EUA a grupos antigoverno dentro da própria Rússia; as guerras de intervenção dos EUA em muitas partes do mundo; e finalmente, mas de modo algum não menos importante, também a feroz campanha de propaganda contra a Rússia, feita pela imprensa-empresa norte-americana) como ações incansavelmente belicosas contra a Rússia.

Para os muitos russos, cujo número aumenta todos os dias, que aceitam perfeitamente essa explicação e esse ponto de vista (incluída aí a comunidade russa de inteligência), o golpe que os EUA urdiram e financiaram na Ucrânia foi a prova definitiva.

Espião-top explica como a Inteligência russa vê os EUA 


A inteligência russa não previu a derrubada de Yanukovych, em fevereiro 

Nossos especialistas já alertavam, há tempos, para a alta probabilidade de uma escalada na situação da Ucrânia, no contexto da instabilidade política e econômica, sobretudo por influência vinda do exterior. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que a probabilidade de uma iminente tomada do poder em Kiev, com apoio de grupos militantes de nazistas declarados não foi considerada naquele momento. Não esqueçamos que pouco antes do golpe de que se [o entrevistador] falou aqui, Moscou continuava a implementar todos os compromissos da parceria com o governo de Kiev.

A Rússia não parara de garantir ajuda material e financeira à Ucrânia, que não tinha condições de enfrentar dificuldades econômicas que há se tornaram crônicas naquele país. Para apoiar nossos vizinhos, foram mobilizados recursos materiais e financeiros da ordem de dezenas de bilhões de dólares. Infelizmente, para grande parte do povo ucraniano, essa ajuda, com o tempo, acabou por se tornar tão 'natural', que a importância dela para a sobrevivência do país ficou simplesmente esquecida.

A inteligência russa previu um golpe pró-EUA na Ucrânia

Quanto a previsões de mais longo prazo, a crise da Ucrânia foi resultado absolutamente esperado, como resultado previsto da atividade sistemática dos EUA e de seus aliados íntimos, dentro do país.

Ao longo dos últimos 25 anos, a atividade dos EUA foi (a) integralmente e ininterruptamente dedicada a separar da Rússia a Ucrânia e as demais repúblicas da URSS, e (b) para reformatar totalmente o espaço pós-soviético de modo a atender aos interesses dos EUA. Criaram-se pretextos e condições para as 'revoluções coloridas' na região, sempre apoiadas na farta distribuição de dinheiro norte-americano.

A própria secretária-assistente de Estado dos EUA para questões da Europa e Eurásia, Victoria Nuland, tem repetido insistentemente que, durante o período de 1991 até 2013, Washington gastou 5 bilhões de dólares "apoiando o desejo do povo da Ucrânia por um governo mais forte e mais democrático".

Segundo números colhidos exclusivamente de fontes abertas (por exemplo, documentos do Congresso dos EUA), o total dos vários programas norte-americanos de 'ajuda' à Ucrânia, entre os anos de 2001 e 2012, o total é, no mínimo de 2,4 bilhões de dólares. É número comparável ao orçamento anual de alguns países pequenos. A Agência USAID (orig. US Agency for International Development] consumiu cerca de 1,5 bilhão de dólares; o Departamento de Estado, quase meio bilhão; e o Pentágono, mais de 370m de dólares.

Segundo registros do Congresso dos EUA, organizações como a Corporação "Desafio Milênio" [orig. Millennium Challenge Corporation], o "Corpo da Paz" [orig. Peace Corps] e o Centro Mundo Aberto [orig. Open World Centre] participaram dos programas de ajuda para a Ucrânia, além da muito conhecida USAID e outros departamentos. Não é difícil adivinhar em nome de quem todos os voluntários e empregados das missões diplomáticas dos EUA tanto queriam "abrir mundos" ao longo de 23 mundos, desde o fracionamento da União Soviética.


"(...) e como resultado dessa atividade, uma geração inteira de pessoas foram criadas e adestradas para odiar a Rússia e os russos, e sob a mitologia de 'valores europeus'."


Ninguém ainda parece ter-se dado conta de que aqueles valores, mesmo no sentido mais positivo da expressão, nada têm a ver com os ucranianos. Ninguém jamais deu sinal de haver aí qualquer 'valor' que implique melhorar os padrões de vida para os ucranianos; muito menos criou meios para acolher na Europa os muitos jovens que já não conseguem sobreviver na Ucrânia, e em momento em que a própria Europa já nem consegue dar conta) dos desafios e ameaças extremamente graves que tem pela frente.

O golpe na Ucrânia é desastre, em primeiro lugar e principalmente, para a própria Ucrânia 

Acho que o 'acordar' dos ucranianos será terrível e doloroso. Resta esperar que, pelo menos, não demore demais, e há inúmeros fatores que apressarão esse 'acordar'. 

Gostaria de listar mais um fator que tem significação fundamental. Independente de outros desenvolvimentos subsequentes, a significação de um para o outro desses dois países - Rússia e Ucrânia - persistirá. Ucrânia simplesmente não conseguirá desenvolver-se com sucesso sem a Rússia, gostem todos, ou não.

(...) Se para a Rússia o rompimento dos laços será golpe doloroso, para a Ucrânia será desastroso. Não aconteceu por acaso que o atual presidente Petro Poroshenko tenha sido obrigado, logo depois da derrubada do antecessor, a levantar a questão de adiar a implementação da seção econômica do tratado de associação já assinado entre Ucrânia e União Europeia. Deve-se esperar que a euforia da vitória de outros governantes em Kiev também dê lugar a avaliações mais sóbrias da real situação das coisas.

A política dos EUA contra a Rússia é mera continuação da política dos EUA contra a URSS durante a Guerra Fria 

(...) Se a catástrofe na Ucrânia ainda não aconteceu é porque se encontraram outros pontos nos quais ancorar a política de "contenção" do nosso país. É o mesmo curso que vem sendo seguido incansavelmente ao longo de décadas; mudam, só, as formas e as táticas de implementar aquele sempre mesmo caminho.

Como você sabe, depois da 2ª Guerra Mundial a confrontação entre a URSS e o ocidente controlado pelos EUAI assumiu a forma de uma "guerra fria". O componente militar-político desse impasse foi confiado à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), formada por iniciativa dos EUA, dia 4/4/1949. Uma análise das atividades práticas da OTAN indica que os EUA perseguiam dois objetivos ao criar a aliança.

Primeiro, constituir um bloco dirigido contra a URSS formado sob comando dos EUA.

Segundo, Washington bloqueava a emergência, na Europa Ocidental, de um grupamento autônomo de estados que poderiam vir a competir contra os EUA. Deve-se lembrar que o território dos EUA propriamente dito, que tem pleno controle unilateral sobre os aliados dentro da OTAN, não está incluído na zona sob responsabilidade da OTAN.

Depois do fracionamento da URSS e do término do Pacto de Varsóvia, que unia os países socialistas e que, por definição representara a principal ameaça direta contra a OTAN, não apenas a OTAN não foi desmontada, mas começou a expandir-se cada vez mais, em termos quantitativos e militares.

Os EUA induziram o colapso da URSS, depois de identificar seus "pontos de vulnerabilidade"

No período da Guerra Fria emergiu no ocidente toda uma sequência de doutrinas ideológicas que serviram como justificativa para as políticas antissoviéticas em curso. Um dos autores desse tipo de produção acadêmica foi Zbigniew Brzezinski, cientista político e estadista norte-americano de origem polonesa. É ele o autor da chamada estratégia das "vulnerabilidades" em relação à URSS. Sob o governo do presidente Reagan essa passou a ser a base da política dos EUA para a Rússia. (...) A identificação e a definição de "vulnerabilidades" e a tarefa de organizar modos de converter as tais "vulnerabilidades" em problemas substanciais para a URSS foram atribuídas à CIA-EUA [orig. US Central Intelligence Agency. Foram mobilizados, para começar e principalmente, muitos economistas, mas também especialistas no campo empresarial e do business que tivessem experiência real em guerras comerciais com seus concorrentes. Resultado de trabalho analítico em grande escala, as "vulnerabilidades" da URSS, nas esferas política, econômica, ideológica e outras foram definidas e sistematicamente estudadas.

A principal "vulnerabilidade" russa, dentre as "vulnerabilidades" que a CIA definiu, estava a economia do país. Depois de modelagem detalhada, especialistas norte-americanos identificaram o "elo mais fraco" - a saber, a alta dependência, no orçamento da URSS, da exportação de recursos energéticos. Formulou-se então uma estratégia para provocar a bancarrota financeira e econômica do estado soviético, que visava a dois objetivos interconectados: pôr abaixo rapidamente a entrada de recursos proveniente do comércio exterior para o orçamento da URSS, combinada a aumento substancial de gastos para resolver problemas criados fora de lá.

Ficou decidida, como principal medida para reduzir as entradas no orçamento, uma redução forte nos preços do petróleo. Deu certo, em meados dos anos 1980s, quando, por resultado da colusão de EUA e governantes de vários países exportadores de petróleo, criou-se um excedente artificial no mercado de cru, e os preços do petróleo despencaram quase que até à quarta parte.

O aumento nos gastos da União Soviética foi provocado em várias áreas: a transição, da estratégia de oposição norte-americana à URSS no Afeganistão, para a estratégia de aprofundar a guerra afegã; incitação a demonstrações contra o governo na Polônia e em outros estados no campo socialista, com vistas a forçar Moscou a gastar mais para estabilizar a situação no leste da Europa; aceleração da corrida armamentista, dentre outras coisas com a introdução do blefe da "Iniciativa da Defesa Estratégica" [orig. SDI [Strategic Defence Initiative] dentre outras atividades.

Deve-se dizer que, naquele momento, os norte-americanos alcançaram seus objetivos. P resultado daquelas atividades foi aumento substancial do gasto na URSS, que superou as entradas, processo que, adiante, levou à profunda crise econômica que se estendeu para as esferas política e ideológica. Tentativas confusas e de visão estreita, pelas lideranças soviéticas, para aliviar a situação mediante ajuda financeira de outros países, só deu mais pontos de apoio para a chantagem de Washington sobre Moscou. As medidas de "recuperação" que o ocidente propôs e foram implementadas através do FMI e do Banco Mundial, que liberalizaram o comércio exterior sem qualquer processo que suavizasse a transição, do sistema monopolista antes existente, levaram ao colapso final da economia do estado soviético.

Na avaliação feita por especialistas norte-americanos, foi a estratégia das "vulnerabilidades", que teria comprovado a efetividade colossal da variedade econômica da Guerra Fria, comparada à alguma guerra "quente", que teria sido decisiva para o sucesso da eliminação da URSS e do Pacto de Varsóvia.

O golpe apoiado pelos EUA na Ucrânia e as sanções são itens de uma estratégia de "pontos de vulnerabilidade", outra vez contra a Rússia

(...) O golpe de estado em Kiev, levado a efeito com evidente apoio dos norte-americanos, seguiu o velho padrão, clássico, já testado na América Latina, África e Oriente Médio. Mas nunca antes esse esquema havia afetado tão profundamente os interesses dos russos.

A análise mostra que, com provocar a Rússia para que tomasse medidas de retaliação, os EUA visam aos mesmos objetivos que tinham nos anos 1980s contra a URSS. Exatamente como naquele momento, estão tentando identificar as "vulnerabilidades" da Rússia. Ao mesmo tempo, incidentalmente, estão trabalhando para neutralizar possíveis concorrentes comerciais dos EUA que haja na Europa, e que, na opinião de Washington, floresceram excessivamente próximos de Moscou.

(...) Washington sempre procurou manter vias abertas pelas quais pudesse pressionar a Rússia. Assim, em 1974 foi aprovada a famosa "Emenda Jackson-Vanik" que limitava as relações comerciais com a Rússia. Parecia ter perdido completamente o sentido e a importância imediatamente depois do esfacelamento da URSS, mas permaneceu vigente até 2012, quando foi adotada a chamada "Lista Magnitsky" em lugar da emenda anterior.

As sanções atuais são exatamente dessa mesma categoria. A atividade do governo dos EUA na esfera ucraniana está acontecendo no quadro de uma política exterior que a Casa Branca 'atualizou', que visa a impor a liderança norte-americana sobre o mundo mediante a 'contenção' estratégica da influência crescente da Federação Russa e de outros centros planetário emergentes de poder.

Nesse contexto, Washington serve-se ativamente, em termos só seus, do potencial da OTAN, buscando manter pesada pressão política e econômica, para evitar qualquer hesitação ou vacilação na 'solidariedade' dos parceiros e aliados dos EUA.

Iugoslávia foi 'ensaio geral'. A fraqueza da Rússia sob Yeltsin deixou acontecer 

Nos anos 1990s, a Federação Russa, por razões internas e externas, perdeu a influência dominante nos Bálcãs de que gozara a União Soviética; e entrou na trilha da conciliação com o ocidente. Foi nos Bálcãs onde se manifestou mais visivelmente a rendição unilateral, pela Rússia, de todas as posições que tinha na arena internacional, e em troca de nenhuma compensação. Nos anos 1991-1996, os corpos que modelaram a política exterior de nosso país não conheciam sequer por conceito o que seja "interesse nacional". Nutriam expectativas completamente sem qualquer fundamento de que seriam recompensados pelos parceiros ocidentais pela obediência; que haveria alguma espécie de recompensa especial para a Rússia por ter cooperado tão incondicionalmente com os EUA. Na prática, nossos parceiros norte-americanos quase imediatamente deixaram de nos levar a sério; davam-nos no máximo, de tempos em tempos, pode-se dizer, um tapinha no ombro.

O bloco OTAN, sob a máscara de guardião da paz e sem encontrar obstáculos consideráveis pelo lado dos russos, passou a operar cada vez mais à vontade e com mais confiança fora dos limites da área sob sua responsabilidade, deu jeito de ganhar direitos para alugar por longos períodos instalações estratégicas de infraestrutura; e efetivamente pôs sob controle efetivo da OTAN, por vários meios, os órgãos de comando militar e controle em vários países dos Bálcãs. Subunidades da Aliança fincaram pé firmemente na região. Outros estados que tomavam parte nas 'missões de paz', inclusive a Rússia, não cuidaram de definir para eles objetivos semelhantes, conformados com o papel de parceiros juniores. E preferiram não ver o fato autoevidente: a guerra nos Bálcãs podia perfeitamente ser interpretada como ensaio geral; de fato, como um prólogo para passos mais largos para redividir o mundo.

A "Guerra ao Terror" dos EUA deu à Rússia um alívio apenas temporário 

(...) Encorajados pelo enfraquecimento e subsequente eliminação da URSS, os círculos governantes norte-americanos fizeram de tudo para firmar sua dominação sobre as grandes fontes de matérias primas na Rússia e em toda a Ásia Central; e sobre as rotas de trânsito para a exportação daquelas matérias primas. 

Washington planejou estender sua esfera de influência direta às regiões do Mar Negro, do Cáucaso e do Mar Cáspio. Todos esses territórios foram nomeados zona de interesses nacionais estratégicos dos EUA. 

O único obstáculo que permanecia impedindo a realização dos planos dos norte-americanos para tomar controle total dos correspondentes depósitos e jazidas, e dos corredores de transporte do que dali fosse extraído, era a Rússia - que preservou seu potencial militar para infligir dano inaceitável aos EUA.

Os estrategistas norte-americanos viram uma solução para essa dificuldade no total colapso do sistema do poder do estado russo, com o subsequente desmembramento do território russo. A primeira região 'marcada' para separar-se da Rússia foi o norte do Cáucaso.

Atribuía-se importância especial à Chechênia, que se declarou independência e esteve temporariamente sob efetivo controle do ocidente. Extremistas locais e seus apoiadores na Rússia receberam ajuda de serviços especiais da Grã-Bretanha, dos EUA, de aliados deles na Europa e do mundo islâmico.

Naquelas condições, a liderança russa afinal adotou posição firme, posição de princípios, bem construída, a favor de defender a unidade do estado russo. Afinal, resultado da firme vontade política do presidente Vladimir Putin da Rússia, e a custa de enormes sacrifícios, revelou-se possível e viável fazer parar o projeto de separar a Chechênia da Rússia; na sequência, consolidou-se o lugar da República dentro da Federação Russa.

Depois do 11/9/2001, toda a comunidade mundial reconheceu o terrorismo como principal ameaça e ameaça global; e chegou-se ao entendimento de que para fazer frente a tal ameaça seria necessário organizar esforços comuns. Resultado disso, observou-se um leve alívio nos ataques do ocidente contra a Rússia, por causa da campanha russa contra terroristas internacionais no Cáucaso; e porque a Rússia não se opôs à ação dos norte-americanos e seus aliados no Afeganistão. Na sequência, anunciou-se a formação de uma coalizão ampla antiterroristas.

Naquele momento, Washington manifestou algum disposição para colaborar, embora de fato não tivesse qualquer intenção de abandonar a política de 'contenção' contra a Rússia. Mais e mais novas instalações da OTAN foram transferidas para perto de nossas fronteiras. A lei internacional foi suplantada pela lei do mais forte (basta lembrar o já mencionado desmembramento da Iugoslávia, depois da Servia, a ocupação do Iraque e a invasão do Afeganistão pelas chamadas 'forças da coalizão').

O renascimento da Rússia pós-1999 e as alianças que forjou com China, Índia e os demais países BRICS assustaram os EUA 

Depois de 7-8/8/2008, quando a liderança georgiana, com apoio dos EUA, tentou aniquilar a Ossétia do Sul, o mundo mais uma vez mudou substancialmente. 

Todos foram surpreendidos. O ditador da Geórgia acreditava que uma incursão militar bem no dia da abertura dos Jogos Olímpicos internacionais poria a Rússia numa posição difícil; e os georgianos, tirando vantagem disso, levariam avante sua "guerra relâmpago" [blitzkrieg]. Mas a liderança russa reagiu prontamente ante a rápida deterioração da situação e tomaram-se as necessárias medidas para deter a agressão.

Depois dos eventos de agosto no Cáucaso, Washington ficou visivelmente alarmada ante a óbvia intenção dos russos de assumir seu lugar entre as potências do século 21 e de fazer valer o princípio de oportunidades iguais para todos e total autonomia na política global. E também de converter a renda que o estado auferida da exploração de recursos naturais, em economia real, defesa potencial e capital humano.

O governo norte-americano claramente não apreciou a perspectiva de colaboração entre Rússia e China, e Rússia e Índia; nem a introdução do formato de reuniões de cúpula dos países BRICS; nem a atividade bem-sucedida de outras organizações nas quais a Rússia ocupa posição de liderança (a Organização do Tratado de Segurança Coletiva [CSTO, Collective Security Treaty Organization], a Organização de Cooperação de Xangai [SCO, Shanghai Cooperation Organization] e a Comunidade Econômica Eurasiana [EAEC, Eurasian Economic Community]) nem a formação da União Aduaneira [orig. Customs Union].

No contexto da crescente crise financeira e econômica mundial, outros novos atores ganham espaço e destaque na arena internacional, como a República Popular da China, a Índia, o Brasil e o Irã, além das florescentes economias do sudeste da Ásia e a Coreia do Sul, que se tornaram fatores de peso para os EUA. Além, é claro, do surgimento de novos princípios conceituais como a parceria especial EUA-China; a colaboração estratégica EUA-Índia; o estabelecimento de um novo diálogo entre Washington e Irã, dentre outros atores e fatores.

Começaram a surgir sinais da necessidade de reassumir o diálogo construtivo com a Rússia, sobre toca uma vasta gama de questões, com o início do governo do presidente Barack Obama. Essa inclinação positiva vinda das autoridades norte-americanas só poderia ser, como foi, recebida com entusiasmo.

Mas em pouco tempo já era novamente claro que não havia nenhuma real disposição, em Washington, para cooperação real. Nada foi além de meras declarações de amizade e delinearam-se alguns negócios os quais, como adiante se confirmou, trariam benefício praticamente nulo para os russos. Passado algum tempo, até os diálogos absolutamente mais descomprometidos e que absolutamente jamais levariam a coisa alguma, tiveram fim; e a atitude dos EUA em relação à Rússia voltou a ser em tudo equivalente aos tempos da guerra fria.

O plano dos EUA é ganhar pleno controle sobre os recursos russos de energia, comida e água, para assim selar a dominação 

(...) Os especialistas não têm qualquer esperança de encontrar, nas próximas décadas, substituição efetiva para os hidrocarbonetos como base de geração de energia. Além disso, o entendimento dominante no ocidente é de que a capacidade total de produção, de fontes de geração nuclear, hídrica, eólia, solar e outras, não ultrapassará 1/5 da demanda mundial de energia.

Não se deve esquecer ainda mais um importante aspecto. No mundo moderno já se observa crescimento crescente da demanda não atendida por comida e água potável, para a população do planeta. A carência dos meios mais elementares de sobrevivência empurra as pessoas para manifestações de extremismo, com o consequente envolvimento em terrorismo, pirataria e outros crimes. Essa é uma das razões para os agudos conflitos entre países e, também, para ondas massivas de migrantes.

A falta de água e de terras irrigadas é, não raro, causa de atrito, por exemplo, entre repúblicas da Ásia Central. O problema dos recursos hídricos é agudo em muitos outros países na Ásia e, particularmente, na África.

Muitos especialistas norte-americanos, com destaque para a ex-secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright, vivem ainda a repetir que há vastos territórios "sob o poder de Moscou" que não conseguem explorar o que têm e que, por isso, "não contribuem para os interesses de toda a humanidade". Continuam a repetirem-se declarações e mais declarações sobre a "injusta" distribuição dos recursos naturais, e a necessidade de garantir o chamado "livre acesso" a eles, para outros estados.

Os norte-americanos estão convencidos de que todos pensam como eles em muitos outros estados, especialmente nos estados em torno da Rússia; e que, no futuro, todos poderão ser arregimentados para formar "coalizões" para apoiar reivindicações semelhantes às dos EUA contra a Rússia.  Como no caso da Ucrânia, os EUA tentam resolver problemas à custa da Rússia; e, além disso, também sem levar em conta os interesses da própria Ucrânia.

A ameaça dos EUA contra a Rússia é "constante". O "Degelo" nunca perdura 

Mesmo durante período de relativo 'aquecimento' nas relações entre Rússia (a URSS) e os EUA, os parceiros norte-americanos sempre permaneceram presos aquelas suas ideias.

Portanto, não importa que diferentes nuances surjam no comportamento dos norte-americanos e seus aliados, o governo russo ainda considera sua tarefa como uma constante, sem mudanças: garantir a integridade territorial e a soberania da Rússia; defender e multiplicar nossas riquezas; e administrar essas nossas riquezas com correção, no interesse do povo multiétnico da Federação Russa.*****

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