Francisco não é o primeiro pontífice a pisar em território cubano, é o terceiro. Mas é o primeiro desde 1959 a avistar em Havana a bandeira norte-americana tremulando ao lado da cubana.
Façanha pela qual é um dos principais responsáveis, junto com o presidente Barack Obama.
Por ALBERTO DINES - Via Observatório da Imprensa
A grande imprensa brasileira sempre se assumiu como católica, apostólica, romana. Com a cobertura da viagem do papa à Ilha percebe-se que, além disso, nossos jornalões exibem-se majoritariamente, sem pudor, como sectários e reacionários.
Dos três diários de referência nacional, dois deles seguem a linha inflexível da Opus Dei – “Globo” e “Estadão”. Sem forçar uma autonomia, a “Folha” procura demarcar-se sutilmente da discretíssima prelazia conservadora global, embora mantenha fortes vínculos com o seu expoente no Brasil, Yves Gandra Martins.
O esquema foi reproduzido com total transparência no último fim de semana. Os jornalões obedeceram aos mesmos critérios e preconceitos, como se editados pela mesma pessoa ou conectados por telepatia.
No domingo 20/9 (primeiro dia completo da visita pontifícia) o noticiário foi extremamente comedido, as chamadas na capa relacionadas com o assunto foram colocadas abaixo da dobra para indicar desimportância.
A “Folha” permitiu-se a liberdade de acrescentar à chamada uma foto do papa Francisco e seu anfitrião, Raul Castro, porém sem retirá-la da zona de insignificância.
Dia seguinte, segunda, 21/9, a idiossincrasia foi repetida com maior desenvoltura e visibilidade graças à presença carismática de Fidel Castro. A mesma e expressiva foto de Alex Castro (da Associated Press) foi magnificamente usada pela rebelde “Folha” no alto da capa, logo abaixo do cabeçalho. Para atender o Manual de Redação que impôs a Fidel Castro a classificação de “ditador”, agora sem poder (ou desempoderado como se adora dizer) foi recompensado com a generosa qualificação de “ex-ditador”.
No “Globo”, a histórica imagem dos dois estadistas fixados nos interlocutores foi empurrada para a parte inferior da capa. Nada contra o papa Francisco: a implicância da Família Marinho é com o caráter conciliador, tolerante e humanitário da missão pontifícia. Acabar com o bloqueio econômico e a resquícios de Guerra Fria no continente são intenções que não merecem ser valorizadas. Podem ser vistas como “progressistas”. Com a habitual fidalguia, o monopolizador do mercado jornalístico carioca, ofereceu a Fidel o título de “Comandante” e acolheu-o piedosamente como “ex-presidente”.
Malabarismos editoriais
O sisudo “Estadão” continua oferecendo pitorescas versões de lisura jornalística: a mesma foto de Francisco & Fidel, incrivelmente reduzida, foi colada abaixo da dobra com título minimalista: “Em Cuba, papa apoia diálogo de paz colombiano.” Francisco foi lá para isso ? Acima da dobra, na parte nobre da capa, numa foto difusa da multidão, quase desfocada, onde mal se enxerga o sumo pontífice, uma faixa pede “Que Cuba se abra a todos los cubanos”.
Em matéria de audiência o “Valor Econômico” escapa da classificação de “jornalão”, mas a circulação nacional e a ausência de concorrentes colocam o diário de economia e finanças em posição destacada. Como não circula nos fins-de-semana teria sido poupado de vexames não fosse o registro obrigatório da visita do papa a Fidel Castro no domingo.
Onde publicá-la? Pela lógica jornalística o certo seria coloca-la na capa da edição da segunda-feira já que no dia seguinte, terça, Francisco seguirá para os Estados Unidos onde o aguarda intensa agenda política e econômica. Inclusive um inédito discurso perante o Congresso.
Isso nunca! O porta-voz do conservadorismo financeiro não pode prestigiar o perigoso ex-ditador comunista, ainda por cima ateu, ao lado de quem o papa Francisco parece tão respeitoso e amigável.
Como o “Valor” pertence em partes iguais aos grupos “Globo” e “Folha” que no caso parecem seguir diretivas diferenciadas, tentou-se a via salomônica. A mesma foto, agora em preto-e-branco, foi chutada para a p. A-10 acompanhada de um texto-legenda de 21 linhas.
A fina flor do empresariado nacional poderia ter sido informada com 24 horas de antecedência sobre as importantes gestões e movimentações que poderão afetar os seus negócios.
A extrema candidez e a tocante sinceridade do papa Francisco acabaram por bagunçar os dogmas, preconceitos e arranjos dos maiores grupos midiáticos nacionais. A peregrinação do pontífice em busca da conciliação e do entendimento nesta parte do mundo teve o dom mágico de escancarar as maquinações e manipulações que comprometem um processo que deveria fluir com naturalidade, independência e responsabilidade.
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